20/06/2020

Pausa para uma série! #2 – Peaky Blinders


Para uma série ser boa não basta uma boa trama, precisa de um elenco competente, seguro que saiba exatamente todas as características de seus respectivos personagens. No já longínquo ano de 2013 foi anunciada sem muito alarde pela BBC Peaky Blinders um seriado de apenas seis episódios por temporada que conta a saga violenta de uma família criminosa oriunda de Birmingham logo após a primeira grande guerra. Mal sabia a BBC que esse seriado seria hoje um dos mais aclamados ‘show’ televisivos muito por conta de se principal protagonista, Tommy Shelby, um possante personagem interpretado pelo excelente ator irlandês Cillian Murphy (Extermínio, Sunshine – Alerta Solar). Suas temporadas até o momento estão no Streaming Netflix. Vale muito a pena!

Na trama, ambientada em um pós guerra na Inglaterra, conhecemos a ascensão da família Shelby, conhecidos como Peaky Blinders, envolvida em violência e corridas de cavalo na cidade de Birmingham. O líder não é o irmão mais velho e sim o do meio, Tommy, um ex-soldado de guerra que possui uma frieza e punho firme necessários para o crescimento de sua família. Abordando inúmeros temas importantes que vão desde a corrupção na polícia (já naqueles tempos), até a luta das mulheres por direitos mais equivalentes aos homens no mercado de trabalho, Peaky Blinders possui intenso episódios por temporadas sempre com um grande desfecho impactante.

O molde da personalidade de Tommy é a grande chave do sucesso da série. Extremamente diferente de seus irmãos, os caçulas Finn (Harry Kirton), John (Joe Cole) e Ada (Sophie Rundle), principalmente do mais velho Arthur (Paul Anderson), ele é o epicentro da história, o começo, meio e o fim de cada temporada que partem de suas complicadas escolhas que nem sempre agradam a sua família, principalmente a Polly (Helen McCrory, espetacular no papel), tia da turma e quem ajuda Tommy a liderar os Shelbys.

Entre idas e vindas de amores e casos amorosos, a família Shelby é unida da sua forma por mais que as escolhas de Tommy gerem controvérsias. Criando problemas com a máfia italiana na Inglaterra, com Churchill, com o comissário impiedosos da Polícia (interpretado pela lenda Sam Neill), com os ciganos, tentando passar a perna no maior negociante de corridas de Londres, avançando sempre a cada temporada de território para os negócios (como se fosse um tabuleiro de War), Peaky Blinders envolve o espectador a todo instante, méritos do showrunner Steven Knight e de toda a competência dos artistas envolvidos nessa belíssima produção de época.

Continue lendo... Pausa para uma série! #2 – Peaky Blinders

19/06/2020

Crítica do filme: 'Piedade'


As lições de uma vida que não vivemos. Cercado sempre de muito entusiasmo, o quinto longa-metragem de um dos mais corajosos cineastas brasileiro, Cláudio Assis, teve sua exibição permitida via streaming no dia de hoje, em homenagem ao Dia do Cinema Nacional, uma forma de comemorar com arte dentro da quarentena social a qual vivemos nesse inusitado ano de 2020. Exibido na Mostra Competitiva da última edição do Festival de Cinema de Brasília, o filme possui todos os elementos de um projeto assinado por Assis, verdades corporais, intensidade, sexualidade e mensagem bem forte e contundente. Vale o destaque para Cauã Reymond (que vai se desenvolvendo como um ator melhor a cada projeto que passa), o veterano do cinema nacional Matheus Nachtergaele (que esteve em todos os filmes lançados pelo polêmico cineasta) e a maior de todas, Fernanda Montenegro.

Na trama, rodada no Litoral do Cabo de Santo Agostinho e no Centro do Recife, conhecemos dois núcleos familiares que acabam se encontrando por conta de segredos de um pai que já faleceu. Dona Carminha (Fernanda Montenegro), seus filhos Omar Shariff (Irandhir Santos) e Fátima (Mariana Ruggiero) vivem seu sustento a partir de um bar da família na beira d’água que acaba sendo alvo de uma empresa que quer comprar o terreno e envia o executivo Aurélio (Matheus Nachtergaele) para negociar com eles. No meio da investigação, para ver se usa algum elemento que o ajuda a negociar com mais margem, Aurélio descobre um terceiro irmão que sumiu da maternidade e nunca mais se soube dele. Esse irmão é Sandro (Cauã Reymond) que vive com seu filho Marlon Brando (Gabriel Leone) no centro de Recife onde é dono de um dos poucos, talvez o único, cinema pornô da cidade. Quando um lado descobre sobre o outro, momentos de aflição e emoção envolverão a todos.

Em pouco mais de 90 minutos, de forma bastante objetiva, com tempo para críticas sociais, expressão da liberdade do sexualismo e os contornos da delicadeza envolvida nas linhas do roteiro Piedade fala muito sobre família. Percebemos um Assis com o pé no freio em relação ao chocar e mais no acelerador em relação ao emocionar. É uma bonita forma de enxergar essa história quando pensamos na dor e no sofrimento que todos os personagens de certa forma vivem, até mesmo Aurélio e sua dependência emocional da mãe que como fica evidente não sabe de sua orientação sexual. As atuações são marca forte desse projeto, além de contar com a grande Fernanda Montenegro, Assis reúne um elenco bastante consistente como Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Gabriel Leone e Cauã Reymond que quebra o esteriótipo de galã de novela com uma atuação bastante segura.

Quando esse bom projeto chegará aos cinemas ninguém sabe. Seja em que plataforma ou ‘janela’ vale a pena conferir, mesmo não sendo o melhor trabalho de Claudio, há muito méritos nesse. É a força do cinema nacional, principalmente o oriundo de um nordeste tão criativo quando pensamos em sétima arte com força, amor e muito cinema.

Continue lendo... Crítica do filme: 'Piedade'

10 Filmes bastante originais que você provavelmente não viu


Todo ano são lançados centenas de títulos no concorrido mercado exibidor mundial. No Brasil, poucos são os cinemas que realmente possuem um carinho necessário com sua programação. Para vocês terem ideia, alguns dos programadores de cinema por aqui nem assistem filmes. Absurdo? Talvez. Cada empresa segue sua linha de raciocínio (lembrando que é na pipoca o grande lucro de um cinema) e o mercado acaba de alguma forma absorvendo todo tipo de pensar.

Algumas ótimas distribuidoras tentam trazer o melhor do cinema nacional e mundial para cá, mesmo sabendo a dificuldade que será entrar com esses títulos em cartaz pelo Brasil. Pena que não dá pra trazerem a maioria dos filmes. Temos muito poucas distribuidoras e muito menos cinemas de qualidade na programação do que tínhamos anos atrás. Sendo assim, muitos títulos acabam passando desapercebidos ano após ano, sendo, talvez, descobertos futuramente em plataformas de streamings, ou de outra forma...

Muitas dessas produções tem uma pegada bastante original, contando histórias que pouco vemos em filmes por aí. Pensando nisso, segue abaixo uma humilde lista de ótimas produções originais que tiveram poucas ou nenhuma chance de serem vistas por brasileiros, no Brasil.

--

#1 Canastra Suja

Quando em momentos de conflito não existe nem um alma estranha para aconselhar. Escrito e dirigido por Caio Sóh, Canastra Suja é um drama, um retrato nu e cru de uma família recheada de problemas, onde muitos se blindam na dependência alcoólica do pai, Batista, interpretado pelo ótimo Marco Ricca. Impressiona a capacidade do roteiro em prender o espectador. Talvez pelos ‘plot twist’ existentes, talvez pela curiosidade do olhar do público em saber qual o final de cada personagem. É um filme sobre família, seus problemas, seu cotidiano. Cada personagem é uma peça nesse tabuleiro. A eminência da tragédia é algo que percorre todos os intensos 120 minutos de projeção.

Batista (Marco Ricca) e Maria (Adriana Esteves) são casados e são pais de três filhos: Emília (Bianca Bin), Ritinha (Cacá Ottoni) e Pedro (Pedro Nercessian). Eles levam uma vida de aparências, regados de problemas do cotidiano, muito por conta do fato de Batista ser um alcoólatra. Sem confiança de ninguém de sua família, o pai desconta toda sua raiva e frustrações da vida bebendo e no relacionamento repleto de dificuldades com o filho. Alguns acontecimentos surpreendentes vão contornar essa história.

As reviravoltas do roteiro são importantes para o ritmo da trama, vamos aos poucos vendo faces ocultas dos personagens que causam surpresa e mudam nossa ótica sobre eles. Cartas de baralho definem arcos. Extremamente complexos individualmente, completamente desalinhados como família, Canastra Suja apresenta um leque de portas se abrindo ao mesmo tempo que muitas outras se fecham. O olhar para o futuro com alegria vai virando um pequeno feixe de luz na porta mais distância que conseguimos enxergar.

As subtramas são muito bem elaboradas, exploram as características de cada personagem. Os dramas tomam camadas densas e profundas. Muitos personagens parecem estar no limite. Pedro usa os problemas do pai como justificativa para sua falta de rumo na vida, colocando-o sempre em evidência. Emília é um epicentro importante da família. Parece que todas as variáveis passam por ela, possui um papel de equilíbrio, pelo cuidado que tem pela irmã Ritinha. Namora Tatu (David Junior), mas também gosta do seu chefe dentista. A partir do segundo arco, conhecemos um pouco mais a fundo a dama do baralho, que parece esconder segredos, sonhos e objetivos, Maria, a mãe. Quando a família volta do trabalho, seu papel permanece como outra vertente de equilíbrio, principalmente na relação conturbada entre o filho e o marido. A batalha entre pai e filho percorre todos os arcos. Um coloca no outro a culpa pelos seus problemas. Batista é um pai rígido mas não consegue se livrar de seus fantasmas com a bebida, o que coloca em xeque todo o respeito que os outros poderiam ter por ele.

A bela apresentação inicial, ao melhor estilo teatral, onde a câmera passa pelos personagens já indicava um certo tipo de ciclo que veríamos, talvez com uma redenção, talvez com esclarecimentos sobre os futuros dos personagens. Canastra Suja é um trabalho sólido, surpreendente e, desde já, podemos afirmar ser um dos grandes trabalhos do cinema nacional dos últimos anos. Pena que teve uma carreira relâmpago em algumas poucas cidades e em alguns poucos cinemas pelo Brasil.


#2 Bait

Quando a técnica de filmagem se sobrepõe e faz tudo ganhar sentido na características dos personagens. Bait, tá aí um filme extremamente interessante! O cineasta Mark Jenkin, que assina a direção e roteiro dessa pérola com passagem pelo Festival de Berlim e vencedor de um BAFTA, resolveu usar 130 rolos de filme Kodak que viraram um 16mm todo em preto e branco para mostrar aos cinéfilos as possibilidades de criatividades, não só narrativas mas de técnicas quando pensamos sobre um filme. Simples e complexo, dramático e pulsante, um baita achado na galeria dos bons filmes exibidos em festivais nos últimos anos.

Na trama, conhecemos o emburrado pescador Martin Ward (Edward Rowe), um homem de poucas palavras, que possui um sonho de ter um barco só dele para ganhar mais dinheiro e buscar uma felicidade ainda distante. O protagonista possui um péssimo relacionamento com o irmão Steven (Giles King), pois, esse usa o barco que foi do pai deles como transporte turístico e não para pescar conforme as tradições da família. Além disso, Martin confronta a tudo e a todos buscando preservar a parte da cidade que mais conhece da maneira como ele sempre conheceu. Mas, no meio tempo de tudo isso, uma tragédia acontece e isso pode mexer nos planos do destino de Martin.

O modo como fora filmado, belíssimo, que teve até que ter todos os diálogos dublados em estúdio, às vezes pode atrapalhar nossa análise sobre essa pequena relíquia cinematográfica. Há um complemento entre a técnica utilizada e as características dos personagens. Tudo se encaixa muito bem principalmente quando conhecemos os porquês e as consequências de tudo que assistimos. Ainda há tempo do roteiro abordar como subtrama jovens e descobertas do amor, os impactos e embates da mudança de rota do turismo de uma região tradicional, relacionamento familiar, ciúmes de irmão.

O interessante é que se formos analisar a fundo, percebemos que dá para se entender o filme de trás pra frente, ou ao contrário. Jenkin mostra aos cinéfilos que a simplicidade usada com criatividade, é uma arma impactante de quem busca uma originalidade tão necessária na mesmice de nossos tempos.


#3 Atlantique

Em seu primeiro trabalho como diretora, a cineasta francesa Mati Diop consegue reunir elementos físicos e sobrenaturais para nos contar uma história de amor pouco convencional que acontece em Dakar, no Senegal. Em meio a uma paisagem e arcos que remetem ao grande oceano que banha a parte da cidade onde se passa a trama, Diop e suas lentes conseguem uma incrível conexão com quem assiste do lado de cá da telona. Disponível no catálogo da Netflix, o filme levou o grande prêmio do Júri em 2019 no prestigiado Festival de Cannes.

Na trama, conhecemos a jovem Ada (Mame Bineta Sane), uma mulher que vive seus dias atuais na expectativa do casamento arranjado por um homem que não ama. Ada, esconde outra paixão, se encontra escondida com seu grande amor Souleiman (Ibrahima Traoré) sempre que possível. Quando Souleiman resolve, sem avisá-la, partir pelo oceano atrás de uma vida melhor, a vida de Ada ganha novas e curiosas passagens.

Abordar o sobrenatural de maneira interessante é um trabalho para poucos, e esse fato é a grande reviravolta do filme que caminha lentamente pelos detalhes do ambiente deixando surpresas como migalhas em uma trilha até o seu clímax. Dentro do contexto desse bom projeto, o amor é visto de uma ótica bonita através do sentimento, das afinidades, além claro de ótimas pitadas de críticas sobre a condição social da região, costumes e crenças.

Atlantique é um trabalho para ser apreciado. Um pequeno tesouro perdido nos milhares de lançamentos dos streamings. É um filme que cinéfilo tende a gostar, os contornos narrativos transbordam emoções puras que viram paralelos à nossa realidade.


#4 Nefta Football Club

Nas linhas da ingenuidade, propósito e razão nunca desaparecem. Indicado ao Oscar de Melhor Curta, Nefta Football Club usa da criatividade de um assunto comum com a fragilidade do olhar ingênuo. Sacada bastante interessante do cineasta Yves Piat que entre outros pontos incorpora à sua história a essência do futebol pelo olhar das crianças.

Ao longo dos quase 17 minutos de projeção, conhecemos rapidamente dois irmãos que estão sozinhos andando de moto por uma estrada deserta da Tunísia (próximo à fronteira com a Argélia) até que eu deles precisa urinar e acaba avistando um burro com um headphone e uma carga curiosa: um pó branco que, no modo deles enxergarem, parece sabão em pó. Tentando descobrir ao certo o que é aquele produto, o mais velho bola um plano para tentar negociar aquilo, enquanto o mais novo acaba tendo outros planos.

Todo curta bom precisa ser impactante em algum momento, pois são poucos minutos para se fazer o público se interessar pelo que acontece em tela. Nefta Football Club consegue reunir elementos que juntos constroem um desfecho com mensagem positiva, pra lá de emblemática, onde a pureza e a ingenuidade vencem qualquer tipo de caminho.


#5 Buoyancy

A falta de perspectiva em um mundo que se distancia das emoções positivas. Indicado da Austrália ao Oscar de Melhor filme estrangeiro no ano passado (não chegou entre os cinco
finalistas), Buoyancy, ou Empuxo como alguns denominaram por aqui, é uma forte e dramática saga de um jovem sem rumo que buscando oportunidades na liberdade das escolhas acaba envolvido no submundo absurdo do tráfico de pessoas. Com uma fotografia impecável e um roteiro com bastante profundidade, o projeto dirigido e roteirizado pelo cineasta australiano Rodd Rathjen (debutando em longas) nos guia para uma metáfora de sobrevivência cruel e impactante.

Há muitas verdades sobre o mundo lá fora que nem imaginamos ou nunca paramos para pensar. O dia a dia de milhares de jovens sem oportunidades de renda, alimentação e estudo básicos é o pontapé inicial dessa cruel história de um jovem de menos de 15 anos chamado Chakra (Sarm Heng) que resolve abandonar a família no Camboja para tentar a sorte de ser alguém no mundo e assim acaba sendo enviado para um barco de pesca em alto mar onde o capitão é uma alma bastante cruel. Buscando sobreviver após humilhações e testemunhando atos cruéis do capitão, Chakra precisará ser forte e lutar com todas suas forças para sobreviver ao pesadelo.

Existem filmes onde a profundidade da maldade é colocada dentro de uma profundeza difícil de acessar. Humano até o limite de qualquer borda de alma, os princípios de raízes da sobrevivência viram a única solução para a situação caótica enfrentada pelo protagonista. Há um jogo de emoções conturbado por situações extremas, como o fato de ter que trabalhar quase o dia todo para comer um potinho de arroz. O protagonista vai se modelando, inflando dentro de suas emoções para se tornar amadurecido a ponto de tomar decisões vitais para ter alguma chance de sobreviver em meio a essa maldade toda.

O arco final é intenso e condiz com tudo que o filme se mostra. Exibido no Festival de Berlim do ano passado, Buoyancy vai até seu último minuto nos mostrando as escolhas e como e porquê o protagonista resolve suas questões. O que será do futuro dele? Há esperança por dias melhores? Ele se tornara outra pessoa? Depois dessa tempestade, uma coisa é certa, ninguém fica igual ao que era antes. Filmaço, que absurdamente não ganhou chances no circuito brasileiro de exibição.  


#6 Rosie

Da aparente simplicidade em contar a realidade, até a riqueza de chamar a atenção para uma reflexão da sociedade. Daquelas gratas surpresas que nós cinéfilos sempre assistimos ao longo dos anos, aquele filme que você nunca tinha ouvido falar e se por acaso assistiu, se impressionou. Bem, isso acontece com Rosie, dirigido pelo cineasta irlandês Paddy Breathnach (que também assinou a direção do ótimo filme Viva) com roteiro de Roddy Doyle. Uma mãe, um marido e as dificuldades de arranjarem um lugar para morar. Parece simples? Mas não é não, drama dos bons, forte e impactante.

Na trama, conhecemos Rosie (Sarah Greene) e John (Moe Dunford), um casal que enfrenta dificuldades financeiras e não conseguem um lugar para morar tendo que passar dia após dia dentro do carro com seus filhos. Assim, ao longo de uma tentativa e outra, acompanhamos melhor a trajetória dessa jovem mãe, seu passado de brigas com a mãe e a busca por dias melhores para sua família.

Rosie é o tipo de filme com cara de festival de cinema. Reflexivo a todo instante, a protagonista é colocada em xeque a cada minuto, seja pela diretora da escola de seus filhos, seja pelas duras palavras de sua mãe, pelo olhar de outras famílias, pela ótica de amigos próximos que estão com o cachorro da família até eles arranjarem algum lugar. Mas ao longo dos curtos 86 minutos também dá tempo de entendermos a ótica de John, o marido, que se esforça entre um bico e outro para arranjar dinheiro e assim sustentar sua família. 

O filme é duro em muitos momentos, dá uma aflição, encosta na realidade de maneira importante e serve para refletirmos e pensarmos duas vezes antes de julgar as pessoas. Mas, uma mensagem linda de união familiar chega a cada gesto da família, seja com a preocupação com o bichinho adorado de pelúcia de um dos filhos, no afeto entre marido e mulher, ou pela questão da proteção quando o carro está lotado e o pai precisa dormir fora dele mas de perto e observando se todos ficarão bem. Rosie é um filme sobre um retrato de nossa sociedade, importante assistirem.


#7 Guaraní

O que fazer quando nos damos conta de que o que buscamos está ao nosso lado? Escrito e dirigido pelo cineasta paraguaio Luis ZorraquinGuaraní é impactante da maneira mais pura e singela que você possa imaginar já ter visto em um filme nos últimos anos. Falando sobre cultura, tradições e família, o longa-metragem ainda não lançado no Brasil vai conquistando o coração do público aos poucos, de maneira simples e honesta. Somos testemunhas do amadurecimento dos personagens que de maneira linda encontram uma certa redenção a sua maneira de pensar e ver o mundo mesmo tendo poucos recursos. Com um desfecho de deixar você sentado no cinema até o fim dos créditos pensando sobre a vida, Guaraní muito se aproxima, por conta de certos detalhes, do nosso campeão Central do Brasil.

Na trama, conhecemos Atilio (Emilio Barreto), um barqueiro que vive de maneira bastante humilde junto de sua família repleto de mulheres. Sua vida é o rio, em sua profissão já viu de tudo dentro de toda água que já navegou. Seu contato mais próximo mas mesmo assim não tão amistoso é com sua neta Iara (Jazmin Bogarin) com quem passa longas horas ao longo dos dias após a jovem voltar da escola, já que é ela que o ajuda nas travessias pelo rio levando produtos de um lado para o outro. Atilio sempre quis ter um neto homem para passar tudo que aprendeu sobre sua cultura Guaraní mas só mulheres nascem em sua família. Mas a vida pacata de avô e neta mudam quando a mãe de Iara, que mora na Argentina, envia uma carta dizendo que está grávida de um menino. Assim, a dupla parte rumo rios a dentro em uma viagem rumo a Argentina para convencer a mãe de Iara a criar a nova criança no Paraguai com as tradições guaranis.

A simplicidade faz toda a diferença nesse emocionante filme. Usando de poucos recursos mas com uma grande ideia nas linhas de roteiro, Zorraquin foca naquilo que precisava, que era conseguir passar toda a emoção em simples gestos de um protagonista limitado mas que conta com uma rica de viver neta que acaba sendo o contraponto perfeito para que a emoção transborde em cena. Os últimos arcos são fabulosos, chegando a um desfecho poderoso e inesquecível.


#8 Jak Pies Z Kotem

Temos que aprender a viver todos como irmãos ou morreremos todos como loucos. Dirigido pelo cineasta nascido no Cazaquistão Janusz KondratiukJak Pies Z Kotem (sem tradução para o português) é um projeto que fala sobre as fábulas da vida em paralelo a uma realidade cheias de razões para não mais se acreditar. Uma relação conflituosa entre irmãos se transforma em uma jornada de descobertas, onde o brilho dos personagens está contido em cada cena.

Na trama, conhecemos os irmãos cineastas Andrzej (Olgierd Lukaszewicz) e Janusz (Robert Wieckiewicz) que ao longo do tempo nutriram uma relação repleta de altos e baixos. Agora já na etapa final de vida, Andrzej sobre um acidente que o impossibilita de ser sozinho e como não há mais ninguém para ajudar, seu irmão Janusz e sua esposa decidem cuidar dele.

A relação de entre os irmãos navega pela tristeza e nos conflitos emotivos. Janusz guiou sua vida através dos sonhos do irmão e sentiu demais uma longa distância entre os dois que acontece já na chegada do terço final da vida de ambos. Andrzej, mente muito criativa talvez pelo fato de trabalhar com arte, após seu derrame só lhe sobra o ato de sonhar e imaginar situações para tudo que está vivendo e o pouco caminho que ainda precisa percorrer antes de falecer.

Misturando um drama profundo com pitadas de comédia, esse longa polonês se destaca pela alma de seus personagens e pelo ótimo roteiro que nos faz navegar junto a tudo de emocional que aparece na trama. Sem previsão de estreia no Brasil, o filme é quase uma relíquia em torno de tantos lançamentos aos longos dos anos.


#9 Dogman

Como você enxerga as brutalidades da vida? Indicado da Itália ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Dogman é um retrato social, brutal, passado em uma periferia italiana onde vários questionamentos são levantados a cada nova virada no roteiro. O longa é dirigido pelo cineasta italiano Matteo Garrone, do inesquecível e impactante Gomorra, e protagonizado pelo ator Marcello Fonte, vencedor da Palma de Ouro em Cannes de melhor ator.

Na trama, passada em uma cidadezinha na Itália não identificada, conhecemos o carinhoso, peladeiro e boa praça Marcello (Marcello Fonte), um humilde e gentil dono de uma petshop localizada na região central dessa cidadezinha. Marcello vive tranquilo seus dias e adora passar o tempo com sua única filha. Mas Marcello acaba envolvido em várias situações com Simoncino (Edoardo Pesce) um perturbador, baderneiro que incomoda todos na cidade, sempre arrumando confusão. Após uma dessas situações terminar em consequências terríveis para Marcello, o protagonista busca sua vingança da maneira mais radical que poderia.

O bom roteiro é aquele que sabe flexionar sua trama para chegar ao clímax de maneira certa, sem pressa, levando ao público um estrondoso ar de surpresa. É exatamente isso que Dogman faz! De drama, vira thriller em frações de segundos, levando o espectador a ser o juiz das ações de Marcello na segunda parte do filme. A ação e consequência que sofre o dono da pet shop, por ter a reputação abalada e o desespero de não saber o que fazer para acabar com aquela dor são parte desse quebra cabeça psicológico instaurado e muito bem dirigido por Garrone.

Coisas ruins vão acontecer com pessoas boas. É praticamente um versículo vital. Os coadjuvantes dão ótimo tom a todo o liquidificador de pensamentos que chegam até o protagonista quando está em crise existencial, sozinho, tendo que combater o vilão de todos e que fora muito mais para ele. Somos testemunhas de uma desconstrução total do personagem e nos levam a pensar à margem da sociedade, como se vivessem em áreas sem regras, nem leis, onde os homens caminham pelos seus próprios e nublados pensamentos. Um soco no estômago esse belo trabalho que passou rapidamente pelo circuito exibidor brasileiro.


#10 American Animals

‘Em um mundo tão belo, eu queria ser especial. Mas eu sou insignificante. Eu sou um esquisitão. Que diabos estou fazendo aqui?’ Creep da extraordinária banda Radiohead, encaixa muito bem quando pensamos em American Animals. Um dos mais comentados filmes do Festival de Sundance de anos atrás, tem em seu roteiro criativo seu enorme pilar para apresentar ao público uma história real, com diversos pontos de vista e uma auto avaliação dos verdadeiros autores desse curioso roubo que ocorreu nos Estados Unidos alguns anos atrás. Escrito e dirigido pelo excelente Bart Layton (do ótimo O Impostor), o projeto é uma espécie de ação/ficção com documentário. Envolvente do primeiro ao último minuto, é, com toda certeza, um dos grandes filmes que nunca foram exibidos no circuito de salas de cinema no Brasil.

Na trama, conhecemos Spencer (Barry Keoghan), um estudante de arte bastante introspectivo que dorme e acorda pensando em encontrar algum sentido para sua vida. Certo dia, durante uma visita à biblioteca da universidade que estuda, descobre alguns livros raros que ficam em uma sala especial protegidos por uma bibliotecária. Assim, junto com seu amigo Warren (Evan Peters), e mais outros dois, começa a bolar um plano mirabolante para roubar as raridades. Para dar mais ingredientes à trama, realidade e ficção se unificam durante as quase duas horas de projeção, transformando um simples filme de roubo em algo muito interessante e esclarecedor.

Qual o sentido da vida? Viver o sonho americano nunca é fácil. Aos olhos dos dois maiores protagonistas da trama, conseguimos enxergar motivos e razões para entendermos seus atos. A troca entre realidade e ficção, dita o ritmo do roteiro, com pontos de vistas entrelaçados e diferentes sobre determinados detalhes. Um trabalho primoroso de Layton. Indo mais a fundo nas palavras e contextos desse roteiro, se pensarmos em um protagonista, Spencer se encaixa, onde nossos olhos mais se concentram pois é o personagem que se constrói e desconstrói com uma rapidez gigante, divide as atenções com o excêntrico Warren, o motor do filme, o explosivo, dúbio, grande incentivador do roubo e inconsequente em seus atos.

Qual a razão dos jovens realizarem algo tão audacioso? Uma das grandes perguntas do filme, é respondida a toda a instante, pelos personagens reais que aparecem relatando seus pontos de vista. Não só os que participaram do roubo mas também familiares e envolvidos no caso que marcou época na história recente norte-americana. American Animals é muito mais que um simples retrato sobre o panorama jovem norte americano, é um crítica social profunda, repleta de camadas, onde cada um de nós, do lado de cá da tela, recebemos diversos argumentos para chegarmos ao nosso próprio final sobre todas as interrogações que o filme entrega.



Continue lendo... 10 Filmes bastante originais que você provavelmente não viu

18/06/2020

, , ,

Pausa para uma série! #1 - 'Os Contos do Loop'


Tá pra ser adicionada ainda nos mais famosos streamings que temos disponível no Brasil um seriado tão sensível e metafórico que aborda a existência, os erros e os acertos de forma tão detalhista e humana. Os Contos do Loop, Tales From The Loop no original, disponível no bom catálogo da Amazon Prime, é inspirada na obra do artista e designer sueco de 36 anos Simon Stålenhag. Uns dirão ser lenta, outros talvez dirão que não conseguem invocar a paciência necessária para absorver toda a mágica desse projeto. Mas com certeza quem consegue se conectar acaba embarcando em uma jornada tão rica pela alma humana que fica impossível não sair mexido com tantos retratos impactantes e poéticos que conferimos ao longo dos extensos e extremamente competentes oito episódios da primeira temporada.  

Ao longo dos episódios, de quase uma hora de duração e com ótimos diretores assinando cada um deles (como a atriz Jodie Foster, que dá um show atrás das câmeras), além de nomes conhecidos nas atuações (Rebecca Hall e Jonathan Price, principalmente) vamos conhecendo uma pequena cidade norte-americana e seus habitantes que de alguma forma acabam sendo envolvidos pelo The Loop, um experimento que fica debaixo da terra (e que emprega muitos dos habitantes) que possui o objetivo de desvendar alguns dos mais complexos mistérios do universo. Assim, a cada episódio, que se entrelaçam de maneira bastante sutil (então por isso importante assistir em ordem) vamos vendo: realidades paralelas, versões mais jovem da mesma pessoa e as descobertas a partir desse fato, troca de corpos entre amigos, um homem perdido pela tristeza em busca da tecnologia para proteger sua família, o criador do The Loop e sua fase final da jornada da vida, amantes que param (literalmente) o tempo para viver o momento, etc.

Stålenhag e sua original obra (um livro de artes), que mistura imagens/pensamentos futurísticos em ambientes peculiares com uma pegada nostálgica do interior de seu país natal, conquistou não só os produtores e criadores da dramaturgia desse lindo projeto televisivo (encabeçado pelo ótimo Nathaniel Halpern que foi o roteirista da ótima série The Killing) mas também o mundo dos RPGS. Em 2017, Tales from the Loop ganhou 5 Ennie Awards, o Oscar dos jogos de tabuleiro e RPG, naquele ano: Melhor Cenário, Melhor Arte Interior, Melhor Edição, Produto do Ano e Melhor Jogo.

Agora, na TV, essa criação de uma mente brilhante e um showrunner competente chega nesse ano tão diferente para todos nós. Como um oásis para o que podemos pensar (porquê não?!) de um futuro em nossa realidade.

Continue lendo... Pausa para uma série! #1 - 'Os Contos do Loop'

Crítica do filme: 'Artemis Fowl - O Mundo Secreto'


Quando o mundo que não existe vira um faz de conta mais interessante que a realidade. Extremamente prejudicado pelo caos nos cinemas oriundo da pandemia que vive o mundo, Artemis Fowl - O Mundo Secreto, orçado em cerca de 250 milhões de dólares, e baseado na obra do escritor irlandês Eoin Colfer, é uma aventura onde reúne elementos mágicos, anões, fadas e utensílios secretos. O roteiro é um pouco atrapalhado, as cenas de ação deixam muito a desejar mas como é provavelmente o primeiro de alguns filmes (como foram os livros) ainda dá tempo de nos próximos tornarem a história mais interessante aos olhos de toda a família.

Na trama, conhecemos o genial menino prodígio Artemis (Ferdia Shaw), um recluso estrategista que vive isolado em uma linda casa na Irlanda. Quando seu pai, o negociante e colecionador de artes Artemis Fowl Sr. (Colin Farrell) é dado como desaparecido, o jovem protagonista é levado, a partir de suas pesquisas, a conhecer mais de perto um mundo mágico de lendas, fadas e anões. Assim, buscando o paradeiro do pai, ele contará com a ajuda de uma das líderes das fadas, Holly Short (Lara McDonnell) além do anão cavador de túneis Mulch Diggums (Josh Gad), do fiel segurança da família Fowl Domovoi (Nonso Anozie).

Com Judi Dench e Colin Farrell sendo os grandes nomes do projeto, Artemis Fowl - O Mundo Secreto, que tem Robert de Niro assinando a produção, busca sua essência na simplicidade dos arcos e na força do faz de conta mesmo que o roteiro não consegue criar uma ponte criativa entre o metafórico universo das fadas e a nossa realidade. Sucesso nos livros, Artemis Fowl é uma espécie de mini Indiana Jones com pitadas Tolkianas. Talvez se fosse mais rico em detalhes, o filme ganhava mais interesse de toda a família, não somente do público da criançada.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Artemis Fowl - O Mundo Secreto'

13/06/2020

Crítica do filme: 'Caçada Brutal'


A dura constatação da repetição. Com filmagens que duraram menos de duas semanas (um péssimo indício?) está disponível na Amazon Prime o longa-metragem de ação Caçada Brutal, mais um filme com Bruce Willis no elenco (dessa vez como coadjuvante de luxo). Dessa vez, tudo parece fora de sincronia, do roteiro às atuações. Talvez pela pressa em ter que rodar o filme rapidamente, esqueceram-se de elementos básicos de uma boa narrativa para um filme que se propõe ser somente um projeto do gênero ação. No papel principal, Hayden Christensen, que não adiciona absolutamente nada. Um filme sofrível do início ao fim.

Na trama, conhecemos Will (Hayden Christensen), um pai que busca melhorar sua relação com o filho e o projetar para a valentia e coragem levando-o para aprender a atirar numa cidadezinha onde Will tem boas memórias. Durante o passeio, eles acabam sendo testemunhas de uma tentativa de assassinato oriunda de um assalto à banco mal resolvido. Assim, lutando contra o tempo, Will precisará proteger sua família dos bandidos.

É muito triste ver um filme de ação, com Bruce Willis no elenco, sem total inspiração. O roteiro não tem pé nem cabeça, se bobear até erros de continuidade acharemos numa análise mais detalhada. Da pra perceber desde o primeiro arco que tudo foi feito às pressas, sem o carinho necessário para se produzir um bom produto de entretenimento ao público. A direção assinada por Steven C. Miller é muito fraca, não prende a atenção do espectador em nenhum momento. Resumindo: um filme instantaneamente esquecível.

Continue lendo... Crítica do filme: 'Caçada Brutal'

12/06/2020

Crítica do filme: 'O Paraíso deve ser Aqui'


O sentido de um filme visto pelas entrelinhas. Câmeras estáticas em lugares em movimento, um observador calado que testemunha as coisas simples e novas tendências do mundo em relação ao trato social, preconceito, política, imigração e outros assuntos. Fruto da mente visionária do cineasta palestino Elia Suleiman (do excelente O Que Resta do Tempo), onde ele mesmo faz o papel de observador protagonista, O Paraíso deve ser Aqui explica sentimentos por imagens e situações cotidianas com pitadas saborosas de comédia em muito dos casos. É uma saga de um calado protagonista e suas percepções do mundo tentando entender e encontrar um lugar para descansar.

Exibido na última edição da Mostra Internacional de Cinema de SP, somos testemunhas oculares dos passeios observadores de um homem (Elia Suleiman) e sua busca por respostas sobre o quão diferente ou não pode ser o mundo e suas tendências. É um pouco viagem as vezes, é sim! Mas fruto de uma tentativa clara e objetiva a todo instante de ser original e esse mérito são para poucos no cinema mundial contemporâneo. O filme foi o Indicado da Palestina ao último Oscar, na categoria melhor filme estrangeiro, além de ter sido indicado à Palma de Ouro em Cannes no ano passado.

No universo criativo de um diretor de cinema, enxergamos um mundo completamos diferente do que imaginamos. A sequência inicial em Paris com a trilha de I Put a Spell on You é belíssima, parece que estamos vendo um desfile de forças de gerações e os contrapontos do que pensamos e a atualidade. Um tapa na cara da indústria cinematográfica também não fica de fora, a cena com o produtor francês dizendo que o filme não era tão palestino é algo que chama a atenção e obviamente reflete a mentalidade capitalista de muitos dos que mexem com a arte nesse instante do mundo.

Um observador necessita de um mundo, suas verdades e seus conflitos. E nós meros espectadores precisamos refletir e refletir às oportunidades que a arte nos traz.


Continue lendo... Crítica do filme: 'O Paraíso deve ser Aqui'

Crítica do filme: 'O Ritmo da Vingança (The Rhythm Section)'


As várias faces de uma vingança. Dirigido pela cineasta norte-americana Reed Morano (diretora também do pouco falado no Brasil I Think We're Alone Now), The Rhythm Section, no original, é um profundo drama sobre uma jovem que tem seu destino mudado após uma tragédia. A questão da vingança é um ponto chave para tentar se conectar com o filme de alguma forma, pois, por ter um roteiro extremamente denso a personagem vira uma incógnita incompreensível. O filme parece um carro super potente com o freio de mão puxado. A ação imposta não se conecta com o drama proposto.

Com um orçamento que beirou aos 50 milhões de dólares e baseado no livro homônimo escrito por Mark Burnell (também quem assina o roteiro do projeto), O Ritmo da Vingança nos apresenta a jovem Stephanie Patrick (Blake Lively) que vê sua rotina mudar em poucos anos com o falecimento de toda sua família em um trágico incidente aéreo. Anos se passam e com a vida acabada e sem rumo, ela é procurado por um Keith Proctor (Raza Jaffrey) um jornalista que possui provas de que o acidente de sua família na verdade foi um assassinato/atentado. Assim, reunindo forças de ontem não tem e buscando novas habilidades, Stephanie vai atrás de quem cometeu esse crime.

O drama funciona melhor do que a ação. Com um tabuleiro complicado de enxergar e peças pouco explicadas, o filme segue em ritmo alucinante mesmo não completando as explicações/motivos dos personagens. Apressado e intenso, deixa a função de levar o filme nas costas para uma forte personagem interpretada por Blake Lively, uma atriz competente, que não faz muitos filmes e sempre busca escolher personagens intrigantes de alguma forma como a ótima Adaline Bowman de A Incrível História de Adaline. A protagonista busca se reconstruir ao longo 110 minutos de projeção mas fica mais confusa do que quando a conhecemos no início.

É estranho falar isso mas dá a impressão de que falta entrosamento entre a personagem e o roteiro, impressão que talvez melhore no livro com mais detalhes sobre a mesma. As cenas de ação se esforçam para serem impactantes mas preenchem pouco tanto do lado do entretenimento quanto do lado de sentido para a trama. Um potente carro, com freio de mão puxado. Uma pena.

Continue lendo... Crítica do filme: 'O Ritmo da Vingança (The Rhythm Section)'

Crítica do filme: 'A Ilha da Fantasia'


Pra ser ruim ainda falta muita coisa. Baseado em um seriado conhecido dos anos 80, A Ilha da Fantasia versão cinematográfica possui um roteiro cheio de falhas, clichês irritantes, uma direção muito infeliz e atores pouco inspirados. Resumo disso? Quase duas horas sonolentas para qualquer cinéfilo que tenha forças para ir até o final desse que podemos afirmar com grandes certezas ser um dos piores filmes desse inusitado ano na indústria cinematográfica. Nada funciona em arcos repletos de problemas. Parece uma compilação de vários filmes ruins da década de 90.

Na curiosa trama dirigida por Jeff Wadlow (Kick-Ass 2), conhecemos um grupo de pessoas que não se conhecem mas ganham uma grande surpresa ao chegarem a uma ilha paradisíaca administrada por Mr. Roarke (Michael Peña), um excêntrico homem que esconde grandes segredos. Após se adaptarem rapidamente à ilha, é dado a chance para cada um dos novos hóspedes de escolher um desejo que assim a ilha o realizará para os mesmos. Isso realmente acontece, só que não da forma/consequência que os hóspedes esperavam.

As subtramas que dividem o roteiro se interceptam em um alucinante mundo do faz de conta sem julgamentos. A questão que seria interessante, o conflito entre o desejo e o racional do impossível é jogado para o canto enquanto o roteiro busca por quase todos os clichês usados em Hollywood para transformar o filme em uma receita de bolo. Parece ser mais uma homenagem ao clássico seriado do que necessariamente um filme interessante. As atuações são terríveis, falta carisma em muitos momentos, não há um personagem que domine alguma sequência em algum instante. Resumindo, cotadíssimo para o próximo framboesa de ouro.

Continue lendo... Crítica do filme: 'A Ilha da Fantasia'

31/05/2020

Crítica do filme: 'Stupid Young Heart'


As escolhas que temos em nossas vidas. Exibido no TIFF (Festival de Cinema de Toronto), dois anos atrás, e indicado, no mesmo ano, ao Oscar de Melhor filme estrangeiro pela Finlândia, Stupid Young Heart é um profundo retrato sobre a adolescência quando um casal de jovens precisa definir seus futuros com uma gravidez não programada. Intenso e mostrando muitas verdades contidas por aí, o filme ainda aborda a questão da imaturidade, da política e do preconceito em uma parte da Europa gelada e muitas vezes inconsequente. A boa direção fica a cargo da competente cineasta finlandesa Selma Vilhunen, indicada ao Oscar no ano de 2014 na categoria de Melhor Curta-metragem pelo filme Pitääkö mun kaikki hoitaa? .

Hölmö nuori sydän, no original, conta a história de Lenni (Jere Ristseppä) e Kiira (Rosa Honkonen) um casal de jovens que com pouco tempo de um quase relacionamento precisam enfrentar as dificuldades e desafios de uma gravidez. Com movimentos maduros de ritmos completamente diferente, o primeiro acaba muito confuso, com péssimas amizades e busca conhecer um mundo que não conhece mostrando ser influenciado ao extremo por extremistas preconceituosos. A segunda precisa encarar tudo de forma corajosa, sendo duas forças segurando as batalhas que enfrenta durante a gravidez.

Lenni parece que não rompeu o rito de passagem para a aceleração da maturidade pela gravidez da namorada, ainda vive como se nada tivesse acontecendo e acaba sendo levado a um extremismo oriundo de sua falta de boas amizades e de maturidade. Os pais do casal parecem estar alheios aos sofrimentos, o foco é total nas escolhas e nas portas que abrem os jovens que em poucas situações parecem estar na mesma sintonia. O estalo, gatilho, para Lenni não é eminente, o personagem passa por uma grande transformação até encontrar um equilíbrio entre suas diferentes escolhas e suas emoções, há uma cena emblemática no desfecho, ao lado do vizinho imigrante mais velho com que briga durante todo o filme.

Política, complicações na adolescência, grupos extremistas, falando um pouquinho sobre tudo, o roteiro por Kirsikka Saari consegue ir um pouco além da superfície nos guiando em um projeto recheado de entrelinhas que mostram um pouco de uma parte da Europa fria atual e uma visão bastante impactante dos jovens e suas relações de amizade e influência. Um bom filme.

Continue lendo... Crítica do filme: 'Stupid Young Heart'

30/05/2020

Crítica do filme: 'Waves'


Como lidar com os abalos emocionais que preenchem as lacunas do nosso interior? Como começar a escrever sobre um dos filmes mais impactantes que você verá (ou já viu) nos últimos anos? Waves é a reunião de um excepcional roteiro, uma direção impecável e atuações que farão você estar em todos os lugares como testemunha ocular desse belíssimo filme escrito e dirigido pelo cineasta Trey Edward Shults (Ao Cair da Noite). Ao longo dos 135 minutos, dando a impressão de ter duas partes profundamente intercaladas, como se fossem um lado A e labo B daqueles vinis antigos, Waves conquista os corações cinéfilos de maneira arrebatadora. Magnífica obra-prima.


Na trama, conhecemos Tyler (Kelvin Harrison Jr.), um jovem estudante por volta dos 18 anos que faz parte da equipe do colégio de lutas e vive uma bela vida ao lado de sua madrasta Catharine (Renée Elise Goldsberry), seu pai Ronald (Sterling K. Brown) e sua irmã Emily (Taylor Russell). Extremamente pressionado aos seus treinos e em ser o melhor pelo seu pai, Tyler vive um grande conflito interno quando recebe a notícia de que sua namorada está grávida e vai ficar com o bebê. A partir dessa situação se desenrolam fatos que vão marcar para sempre a vida do jovem e também de sua irmã que precisará ter forças para lutar contra pensamentos do seu passado para seguir em frente e tentar encontrar a tão sonhada felicidade.


Profundo, impactante e inesquecível. Cheio de metáforas, câmeras que giram 360 graus, olhares que falam mais de mil palavras, indo fundo sobre os atos e consequências dos mesmos, somos testemunhas de uma tragédia familiar vista por alguns ângulos que debruçam sobre a culpa e o inesperado. Quase um espelho da realidade do lado de cá da telona, vemos tudo que acontece, principalmente as transformações de uma família que parecia perfeita mas que muda toda sua rotina a partir de uma situação que influencia pra sempre o modo como cada um deles observa a vida.


O roteiro é primoroso, duas partes que nos fazem pensar sobre a vida, preenche todos seus arcos com uma profundidade extensa além de uma carga emocional gigante. Os artistas estão excelente, um melhor que o outro, mesmo que Sterling K. Brown e Taylor Russell roubem as cenas em diversos momentos. Merecem o Oscar os dois. A direção é dinâmica, delicada que mete o dedo na ferida mostrando a dor de forma dura, como é do lado da realidade daqui de fora. Waves é um dos grandes filmes da década, e você não pode perder. Bravo!

Continue lendo... Crítica do filme: 'Waves'

26/05/2020

Crítica do filme: 'Radioactive'


A humanidade tem amadurecimento suficiente para descobertas tão impactantes para nosso mundo? Mostrando os dois lados de uma grande descoberta, a radioatividade, através de pequeno fragmentos da movimentada vida da genial cientista Marie Curie, Radioactive, no original, dirigido pela cineasta iraniana Marjane Satrapi (Persépolis) adota a tática dos assuntos em superfície (sem profundidades) para reunir importantes momentos pessoais e profissionais sobre a primeira mulher a ser laureada com um Prêmio Nobel e a primeira pessoa e única mulher a ganhar o prêmio duas vezes. Entre vaias e aplausos, entre choros e felicidade, vivendo à frente de seu tempo, revolucionando o mundo da ciência, essa poderosa protagonista é interpretada com competência pela ótima atriz britânica Rosamund Pike.

Na trama, conhecemos Marie Skłodowska (Rosamund Pike), uma jovem cientista polonesa que vive na França pois onde encontra um berço para seus estudos. Sofrendo de preconceito por ser mulher e ter um gênio complicado de lidar, Marie acaba conhecendo o também cientista Pierre Curie (Sam Riley) por quem logo se apaixona e passa a dividir teorias sobre seu trabalho, chegando a descoberta das infinidades da radioatividade. A partir disso, muita coisa acontece e impacta não só sua vida pessoal mas a maneira com que vão usar todo esse conhecimento sobre radioatividade jogado às conclusões do mundo.

O primeiro arco é bastante corrido e dá a impressão de que teríamos que saber informações que não se completam sobre a personagem principal. As peças vão se encaixando melhor no segundo ato, com auxílios de ambientações futurísticas sobre as conclusões e derivações dos estudos avançados da descoberta feita pela protagonista. A linha tênue entre mostra a Maria na vida pessoal e a na vida profissional acaba deixando o filme com pouca harmonia, exatamente por pensarem em quantidade no que qualidade, exemplificando melhor: correm e mostram a superfície dos conflitos, não vão a fundo. Há uma certa ingenuidade nas licenças poéticas, alguns fatos provavelmente foram recheados com mágica de cinema, dificilmente reproduzidos exatamente como ocorridos.

Exibido no Festival de Toronto no ano passado, independente se o filme é bom ou não, há muita importância aos olhos de novas gerações conhecerem figuras impactantes da nossa história como Marie Curie. Dentre os feitos mais fantásticos no mundo da física e da química, Maria descobriu a radioatividade, algo que fora usado para o bem e para o mal, como cutuca o filme em alguns momentos.

Continue lendo... Crítica do filme: 'Radioactive'

17/05/2020

Crítica do filme: 'A Música da Minha Vida'


As interseções de um gatilho musical, inspirador, que muda para sempre quem deixar que a mensagem chegue até o epicentro do seu coração. Pouco badalado, no final do segundo semestre do ano passado, passou como uma flecha nos cinemas o drama/musical A Música da Minha Vida. Despretensioso, com um protagonista muito carismático e um roteiro redondo, vai conquistando o público aos poucos. A trilha é uma menção à parte já que o filme, baseado em fatos reais, também pode ser classificado como uma gigante homenagem aos 70 anos de vida, completados ano passado, e aos mais de 50 anos de carreira de um dos maiores da música, o chefe, Bruce Springsteen.

Na trama, dirigida pela cineasta queniana Gurinder Chadha (do bom Driblando o Destino) o longa-metragem nos mostra o retrato da adolescência conturbada e criativa de Javed (Viveik Kalra) que vive com os pais descendentes de paquistaneses na Inglaterra no final da década de 80. Muito dedicado ao estudo mas sem muitos amigos e não aproveitando a vida como deveria por conta de costumes de sua família, certo dia ganha uma fita k7 de um músico que faz muito sucesso no mundo chamado Bruce Springsteen. As canções do ‘chefe’ começam a fazer sentido na vida de Javed e impulsionado pela força dessas letras começa a realizar uma grande revolução em sua vida.

Já disponível em algumas plataformas de streamings espalhadas pela internet, A Música da Minha Vida é uma grata surpresa. Reúne esperança, música boa, avança a superfície de conflitos sobre costumes e preconceitos em meio a uma Inglaterra e sua eclética sociedade. Há crítica social, há momentos puros de musicais que nos fazem lembrar à década de 70/80, ou mesmo de melhor nos ambientar ao que acontecia lá para os que não viveram por lá. Os arcos sobre amizade são muito bonitos, se desconstroem e constroem novamente. Não deixando de lembrar que esse filme é baseado em fatos reais, antes do início dos créditos já vemos fotos históricas do protagonista e seu eterno ídolo na vida real, um belo complemento para a chuva de esperança que assistimos ao longo das quase duas horas de filme.

Procurando uma palavra para definir esse projeto, só meio veio uma: inspirador. Muito difícil, você que não conhece, logo após terminar o filme não ir procurar/pesquisar Springsteen. Um música, um filme, a cultura em geral, mudam vidas. Pena que alguns governantes nunca vão entender isso.  

Continue lendo... Crítica do filme: 'A Música da Minha Vida'