04/12/2017

Crítica do filme: 'Detroit em Rebelião'

As páginas não viradas de absurdos atemporais. Emplacando belos filmes em sequência, A Hora mais Escura, Guerra ao Terror, a excelente cineasta californiana Kathryn Bigelow traz para o público uma história baseada em fatos que ocorreram, sobre ações de elementos do corpo policial em um hotel, em meio a uma Detroit perturbada pelo caos nas ruas no ano de 1967. Detroit em Rebelião explora o preconceito vivido pela população negra em uma cidade completamente desgovernada e com ações policiais polêmicas. O roteiro, é do excelente nova iorquino Mark Boal (A Hora Mais Escura, Guerra ao Terror), que faz da carga dramática um filme explosivo que não nos deixam tirar os olhos da tela.

Estimado em cerca de 34 milhões de dólares, o filme conta a história de uma batida policial em um hotel no centro de Detroit onde forças policiais buscam a todo instante incriminar algumas das testemunhas sobre um tiro dado pelas costas. Assim, acompanhamos essa situação através de algumas óticas, como o segurança Dismukes (John Boyega), o policial estressado Krauss (Will Poulter) e um grupo de músicos talentosos que tiveram o show cancelado por conta dos terríveis atos de violência que aconteciam pelas ruas. Ao longo dos 134 minutos de projeção, vemos os absurdos abusos da lei (na figura do policial), situações constrangedoras que sofrem as pessoas que estavam no hotel e um julgamento meses após o ocorrido.

A tensão e as ações desenfreadas de três oficiais da lei da polícia de Detroit tomam conta do clímax. Os absurdos atos de pressão para uma confissão que não existe, destruindo qualquer lei sobre direitos civis, e invocando um preconceito acentuado em uma reta final da década de 60, onde as emoções estão a flor da pele. As lentes de Bigelow captam e expõem ao público uma versão guiada através de testemunhos de pessoas que estavam presentes no lugar. Com poderosas atuações de todo o elenco, Detroit em Rebelião merece ser lembrado na temporada de premiações do cinema.

Detroit em Rebelião é um filme forte, corajoso, que prende a atenção do espectador do início ao fim, em mais de duas horas de projeção. O racismo, os direitos civis, a má conduta da polícia, são assuntos, infelizmente, atemporais que vemos até os dias de hoje. O cinema é uma ferramenta de denúncia e nada melhor que um ótimo filme, extremamente bem filmado, para nos fazer refletir sobre toda uma sociedade e seus preconceitos.

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Crítica do filme: 'November Criminals'


Como seguir em frente após a dor da perda? Após o aguardado ‘Hitchcock’ de cinco anos atrás, o cineasta e roteirista britânico Sacha Gervasi volta para trás das câmeras para contar uma história sobre perdas. ‘November Criminals’, com previsão de ir direto pra home vídeo aqui no Brasil, não é um suspense, não é um filme sobre o amor, é uma jornada as vezes profunda, as vezes muito rasa e complexa sobre como entender que algumas perguntas não possuem as respostas que queremos. Na pele dos protagonistas, Chloë Grace Moretz e Ansel Elgort, dois rostos famosos da nova geração.

Na trama, conhecemos o jovem e quase graduando Addison (Ansel Elgort) que vive dias turbulentos e ansiosos por conta do recente falecimento precoce de sua mãe e o nervosismo de conseguir passar para a universidade de letras. Seu ponto de equilíbrio, além de seu carinhoso pai Theo (David Strathairn), é Phoebe (Chloë Grace Moretz) sua namorada. Tudo fica muito confuso na mente do protagonista quando um grande amigo é assassinado em uma cafeteria e tem o nome ligado a gangues que dominam o submundo da cidade onde vivem. Correndo contra o tempo para tentar provar, de alguma forma, que o amigo não era ligado ao mundo do crime, Addison embarca em uma dolorosa jornada onde tem o risco de por tudo a perder.

Tudo gira em torno do caos emocional que vive Addison. Após perder sua mãe, por conta de um aneurisma surpreendente, não consegue seguir em frente de certa forma por não conseguir encontrar todas as respostas para suas perguntas. Mesmo tendo zonas de equilíbrio, quando está com a namorada, ou nas conversas matinais com o pai, um estopim chega como um vulcão, a morte de um amigo querido. Totalmente inconseqüente em seus atos a partir da definição de que iria investigar por sua própria conta o crime ocorrido, o personagem embarca em uma estrada melancólica, desenfreada em busca das verdades que achava que existia. Esse conflito interno é o que guia o filme, que certos momentos parece bem confuso ao longo dos seus curtos 85 minutos de projeção.

Os coadjuvantes possuem um papel apenas na superfície do roteiro. Uma pena, ótimos personagens poderiam causar um maior impacto de compreensão sobre as características dos personagens. A mãe de Phoebe, interpretada pela sempre ótima Catherine Keener, aparece pouco mas na figura de mãe protetora, pouca desenvolvida na história. O experiente ator David Strathairn e seu Theo ganham luz apenas no ato final, um completo tardio para a rica história de pai e filho que poderia também ser anexada as emoções que preenchem o longa.

November Criminals usa do carisma dos protagonistas, algumas vezes até parecendo os mesmos personagens de outros filmes, para tentar sustentar uma trama com bons e incompreensíveis momentos.


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02/12/2017

Crítica do filme: 'Lutando por um Sonho (American Wrestler: The Wizard)'


A sobrevivência e as descobertas de uma nova vida. Milhares de guerras civis tomaram e tomam conta da vida de milhões de pessoas em diversas regiões do mundo. Quem consegue escapar das barbaridades muitas vezes lutam contra o preconceito no seu recomeçar, principalmente se for em uma pátria que não é a sua de origem. Dirigido pelo cineasta francês Alex Ranarivelo, Lutando por um Sonho mostra as dificuldades de um jovem iraniano, que consegue, em uma fuga quase que espetacular, fugir do conflito que acontece na região onde mora, deixando para trás pai e mãe para buscar viver sua vida em um Estados Unidos repleto de preconceitos, usando o esporte como ferramenta de conscientização social.

Na trama, conhecemos o jovem iraniano Ali Jahani (George Kosturos) que consegue se mudar de um Irã aterrorizado por crueldade de uma guerra sem fim para um Estados Unidos na década de 80 onde alguns imigrantes sofrem preconceito de muitos. Sem amigos e em um lugar totalmente novo, busca no esporte uma maneira de interagir. Acaba descobrindo um grande potencial para a Luta Olímpica/ Luta Greco Romana (o também chamado nos Estados Unidos de Wrestler) e assim, dia após dia, e lutando contra diversos obstáculos, busca encontrar seu espaço nessa nova terra.

Ali, é um guerreiro dentro e fora dos tatames. Sua maturidade chega de fora abrupta, pois viveu os terrores de uma guerra bem de perto, tendo que se esconder em um caminhão para poder fugir do lugar onde nasceu. Para piorar sua situação, o Irã estava no centro das notícias naquela época. A problemática dos reféns americanos no Irã causou uma crise diplomática entre o Irã e os Estados Unidos (cerca de 52 norte-americanos foram mantidos reféns por mais de um ano após um grupo de estudantes e militantes islâmicos tomarem a embaixada americana em Teerã, em apoio à Revolução Iraniana). Parte da população norte americana, protestava pelas ruas pedindo deportação para todos os iranianos.

Mesmo tendo diversos clichês em seu preenchimento como filme, a paixonite de escola, o ar épico para ações do dia a dia, Lutando por um Sonho, história baseada em fatos reais, fala muito sobre o papel do professor em meio a uma sociedade de consumo que só presta a atenção nos que são excepcionais em suas áreas. William Fichtner e Jon Voight interpretam acadêmicos que de alguma forma busca a integração de Ali. O filme ainda tem uma brecha, mesmo que um pouco na superfície, para a relação de Ali com sua cultura, chegando na forma do tio Hafez Tabad (Ali Afshar) que o hospeda em sua casa nos Estados Unidos e depois acaba o ajudando nas técnicas de Wrestler.

Lutando por um Sonho (American Wrestler: The Wizard) acaba tendo paralelos com os dias de hoje, onde o mundo luta contra o preconceito cada vez mais forte. O esporte sempre foi e sempre será uma grande ferramenta de descoberta, integração, e histórias como essa são importantes para entendermos melhor não só as pessoas, mas toda uma sociedade onde vivemos.

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Crítica do filme: 'Corpo e Alma'


As poesias na arte de amar. Dirigido pela cineasta Ildikó Enyedi e vencedor do último grande prêmio de melhor filme no Festival de Berlim, Corpo e Alma é uma incrível jornada sobre o amor que chega ao espectador de maneira inusitada, ligada por sonhos, onde somos testemunhas, ao longo das quase duas horas de projeção, de uma das histórias mais bonitas que apareceram numa tela de cinema esse ano. O projeto, que demorou mais de dez anos para ficar pronto por conta de uma grave crise no órgão que administra o cinema Hungria, possui uma riqueza nos detalhes, há um silêncio preponderante em muitas cenas, seja nos olhares distantes dos protagonistas, seja nos reflexos que acompanham as metáforas cotidianas na arte do descobrir. Um trabalho primoroso de direção.

Teströl és lélekröl, no original, conta a história de Endre (Géza Morcsányi), um gerente administrativo de uma empresa do ramo alimentício, que possui um problema em um dos seus braços, que durante uma sessão com uma psicóloga chamada para auxiliar a empresa que trabalha, descobre que seus sonhos se completam com os mesmos sonhos de uma nova funcionária da empresa chamada Mária (Alexandra Borbély). Assim, se encontrando quase sempre nos sonhos mas sem muita aproximação na vida real, resolvem embarcar nessa história onde buscam a todo instante entender melhor sobre o amor e sobre essa situação totalmente inusitada que é o fato de se ligarem por um sonho. 

Um filme possui uma lentidão, um ritmo diferenciado, necessário para absorvermos os paralelos que o roteiro busca explorar. Os protagonistas são dois pilares, cada um com sua essência que juntos em cena transformam uma inusitada história de amor em algo inesquecível. Endre é um homem desiludido que vive em pura reclusão mesmo tendo certa vida social, prefiro a solidão do que se envolver. Já Mária é uma superdotada, com memória espetacular que não consegue interagir com ninguém, vive uma vida metódica sabendo muito pouco sobre sentimentos e o próprio corpo. Quando o inusitado aparece nessa história, na forma de um sonho em conjunto, acontece uma ação quase instantânea na arte do desabrochar para vida dessas duas almas. Lacunas nunca preenchidas, chegam pela curiosidade, levando Endre e Mária a uma jornada de erupções sentimentais que passam, do amor até o ciúmes sempre de forma mais delicada do que estamos acostumados a ver.

Um dos grandes méritos de Enyedi em sua direção é tentar captar todos os sentimentos que passam nos personagens de maneira poética, usando as imagens como forma de preenchimento de um pensamento. A arte de amar é uma ciência não exata, totalmente fora de controle, as duas almas que conhecemos nesse fabuloso filme descobrem que a vida pode ser muito mais quando deixamos de olhar para o lógico e conseguimos entender até o impossível.


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01/12/2017

Crítica do filme: 'Castelo de Vidro'


Dirigido pelo cineasta havaiano Destin Daniel Cretton (do excelente Short Term 12), Castelo de Vidro fala sobre diversas fases da vida de uma jornalista que viveu muitas dificuldades no passado por conta do confuso relacionamento com sua família, principalmente seu pai. As vezes com cara de novela mexicana, puxando muito o lado melodramático, o projeto alterna bons e incompreensíveis momentos. Dá a impressão a todo instante ser um filme feito para ganhar prêmios e isso não necessariamente pode ser uma coisa que o transforma em algo inesquecível para o espectador.

Baseado em fatos reais, usando o livro de memórias de Jeanette Walls como base do roteiro, Castelo de Vidro conta a história de Jeannette (Brie Larson), uma jornalista de sucesso que viveu durante boa parte da infância e adolescência com sua família em vários lugares dos Estados Unidos, sempre repleta de limitações por conta da forma como seus pais, Rex (Woody Harrelson) e Rose (Naomi Watts) criaram seus filhos. Já adulta, a protagonista relembra situações que viveu com sua família e entra em conflito sobre o que realmente é felicidade.

O foco do filme é a estrutura pra lá de conturbada de uma família que vive como nômades durante boa parte da infância e adolescência da personagem principal. O pai, o conflito maior de Jeannette, é um grande sonhador que viveu seus conflitos com sua família antigamente e busca de sua forma inusitada entregar aos filhos lições e mandamentos sobre o que é viver defendendo suas ideias. Conforme a vida não consegue se desenvolver, Rex se entrega a bebida deixando a casa onde vivem um lugar complicado de se viver. Woody Harrelson, mais uma vez, desenvolve um personagem bastante complexo de maneira delicada e que domina as cenas que participa. Não seria nenhum absurdo ser lembrado em algumas premiações por esse trabalho.

As idas e vindas na linha temporal ajudam a criar todo um contexto para tentarmos entender esse quebra cabeça emocional que vive e viveu a forte protagonista. No presente, vive uma vida boa ao lado do noivo mas não consegue se desprender dos ensinamentos de vida que recebeu. Seu castelo de vidro é uma metáfora para todos os sonhos que nunca conseguira realizar mas o papel de construção de sua vida tendo um sonho a realizar criar fortalezas fundamentais para seu processo de amadurecimento, sendo uma figura importante para seus irmãos.

Brie Larson, atual detentora do Oscar de Melhor Atriz, desenvolve sua Jeanette de maneira firme, exalando seus sentimentos que alternam entre desespero e insegurança no passado. Ao lado do Rex de Harrelson consegue dar um certo sentido ao desenvolvimento de uma trama que não consegue mostrar muito potencial na superfície mas quando alcança uma profundidade, principalmente os conflitos da protagonista, mostra qualidades.


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30/11/2017

Crítica do filme: 'Bingo – O Rei das Manhãs'

Inspirado no período da vida de Arlindo Barreto onde ele interpretava o famoso palhaço Bozo na televisão, Bingo – O Rei das Manhãs, indicado do Brasil ao Oscar de Melhor filme estrangeiro em 2018 e primeiro trabalho como diretor de Daniel Rezende - vencedor do Bafta de melhor edição e indicado ao Oscar na mesma categoria, ambos por seu trabalho no inesquecível Cidade de Deus -  é um projeto marcante, mesmo com altos e baixos, onde vemos um destaque para o relacionamento conturbado entre pai e filho e uma envolvente trama que tenta colocar luz aos mistérios de uma figura emblemática de décadas atrás da televisão brasileira. No papel principal, Vladimir Brichta encontra finalmente seu grande personagem no cinema e exala talento na pele desse complicado, controverso e muito polêmico palhaço.

Na trama, conhecemos o ator Augusto Mendes (Vladimir Brichta), um pai amoroso que mora com sua mãe Marta Mendes (Ana Lúcia Torre), uma ex-atriz de novela, e que está buscando melhor colocação profissional depois de participações em diversos filmes de pornochanchada e pequenos papéis em novelas. Certo dia, quando chegara para um teste em uma prestigiada emissora de televisão resolve se candidatar a vaga de apresentador de um novo programa infantil onde precisa interpretar um palhaço ao vivo, todos os dias de semana. Após ser aprovado no teste, mesmo com algumas dúvidas da diretora do programa Lucia (Leandra Leal), Augusto passa a fazer muito sucesso com o programa e isso acaba trazendo diversos vícios que ficam fora de controle, alterando sua relação com os mais próximos principalmente.

O relacionamento de pai e filho, responsáveis pelas melhores cenas dentro do roteiro, possui vários momentos, uma verdadeira roda gigante de emoções. No início vemos um pai dedicado, que busca o filho na escola e não perde um compromisso. A transformação chega com o sucesso de Bingo nas manhãs de muitas televisões ligadas no horário. Totalmente fora de controle, Augusto utiliza drogas a todo instante, não perde uma noitada recheada de mulheres e abusa do álcool como se fosse água. Mas há um conflito dentro dele. Não podendo revelar sua identidade por trás da fantasia de Bingo, se sente preso e sufocado como um ator que busca o reconhecimento. Com a morte da mãe, tudo fica mais caótico, culminando em uma demissão após um episódio triste que acontece através de seu nariz (marca do palhaço).

Um operário a serviço de sua arte? Essa questão da fama desenfreada e a busca por dinheiro e poder que ao longo de todos os anos que nos conhecemos como gente só cresce, ganha contornos sufocantes na visão do protagonista. O roteiro, assinado pelo experiente Luiz Bolognesi (O Bicho de Sete Cabeças) apresenta muitas coisas que não aconteceram de fato na realidade, mas outras sim. A famosa licença poética. Essa mescla gera uma fórmula que se encaixa em boa parte do tempo. Só na parte final da trama, na reconstrução de Augusto como pessoa saudável, o ritmo perde o tom e acelera bastante, talvez na busca de um final épico de redenção onde fica fixo na mente do espectador a figura de Bingo.

Se Bingo – O Rei das Manhãs vai vencer o Oscar, não sabemos. Na verdade, não sabemos nem se ele chega na lista dos cinco. Mas não importa, esse é um dos melhores filmes nacionais lançados em circuito comercial dos últimos anos.


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Crítica do filme: 'Borg vs McEnroe'

Antes de Sampras vs Agassi, antes de Nadal vs Federer, o universo dos esportes, não só do tênis, conheceu uma das mais expostas rivalidades, muito por conta das inúmeras diferenças entre os dois jeitos de ser. Borg vs McEnroe analisa as emoções e o lado psicológico em esportes de alto rendimento mostrando o início de um duelo que ficou marcado como uma das melhores finais de Grand Slam da história do tênis. Dirigido pelo cineasta dinamarquês Janus Metz Pedersen realiza um trabalho primoroso na direção e conta ainda com uma atuação inspirada do ator sueco, pouco conhecido no Brasil, Sverrir Gudnason que interpreta o complexo Björn Borg na fase adulta.

Na trama, voltamos a década de 80, no célebre dia da final de um dos torneios mais midiáticos de todos os esportes, a final de Wimbledon entre o sueco e tetra campeão do torneio Björn Borg (Sverrir Gudnason) e o nada carismático tenista norte americano John McEnroe (Shia Lebouf). A construção de como eles chegaram até esse grande momento da vida deles é passada a limpa em flashbacks que preenchem as lacunas de personalidade e criação que os levam a serem como são dentro de quadra. Assim, aos poucos vamos entendendo a mente de um verdadeiro campeão em um esporte onde a vitória e a derrota precisam ser aceitas sem perder a elegância.

Nada é ganho por acaso. Nessa verdadeira batalha épica do tênis que foi essa decisão de Wimbledon, com um Borg totalmente consumido pela exposição que tem por sua carreira e a pressão de estar sempre no topo e McEnroe usando e abusando de uma imaturidade constante, o filme navega na mente de um homem conhecido por ser gelado em momentos chaves, ser um adepto de manias, que não sabe lidar com a pressão midiática imposta pelo seu sucesso em contraponto a outro totalmente inconseqüente que se descontrola em entrevistas e exagera dentro de quadra.

Muito mais focado em Borg do que no seu rival canhoto das Américas, as dificuldades no seu relacionamento com a noiva e com seu técnico, esse último interpretado pelo gigante ator sueco Stellan Skarsgård, são melhor compreendidos por conta de como tudo começou, sua vida de origem humilde onde sua mãe sempre o defendia de um pai um pouco afastado. Quando era jovem e fora escolhido para representar a Suécia no mundialmente torneio conhecido como Copa Davis (uma espécie de copa do mundo do tênis, onde um grupo de tenistas representa seu país em simples e duplas), sua vida ganha novos ares e ele passa a percorrer torneios importantes e a ganhar fama e dinheiro se tornando um verdadeiro iceberg. Nos constantes momentos de crise, cresce a atuação de Sverrir Gudnason que além de tudo é deveras parecido com o ídolo sueco.

Já John McEnroe era um rebelde desde sempre, que buscava a todo instante a atenção do pai que quase nunca acontecera. Entrou no tênis mostrando um talento técnico e uma falta de preparo emocional, brigando quase sempre com juízes, com outros tenistas e com o próprio público. Borg e McEnroe tem duas maneiras distintas para buscar suas glórias. E esse é o grande mérito do filme: detalhar cada uma dessas personalidades do esporte de maneira transparente, objetiva mas sem perder o ritmo.


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25/11/2017

Crítica do filme: 'Verão 1993'



Indicado ao Oscar 2018 de Melhor Filme Estrangeiro pela Espanha, Verão 1993, com elogiadas passagens no Festival de Berlim e Festival do Rio, é um filme que fala sobre a visão do luto pelos olhos de uma criança que não consegue se sentir aceita. Muito bem dirigido pela cineasta espanhol Carla Simón, em seu primeiro trabalho como diretora de longa metragem, o filme, com um ritmo bastante lento, navega no campo do descobrimento sobre as coisas no olhar detalhista da jovem protagonista.

Na trama, conhecemos a jovem Frida (Laia Artigas) que recentemente perdeu sua mãe, vítima de uma doença terrível, e assim, como um pedido dela, Frida vai morar com um de seus tios em uma casa afastado dos grandes centros. Querendo atenção e muitas vezes não se sentindo aceita, Frida embarca em uma jornada de descobertas onde as interpretações para as situações geram dúvidas na cabeça da jovem.

A dor da perda aos olhos de uma criança é sempre algo com variáveis muito complexas. A jovem protagonista enfrenta seu luto, de perder pai e mãe, com a ajuda da família, principalmente de seu tio, irmão de sua mãe, que leva Frida para morar com sua esposa e filha. É como se Frida vivesse uma nova infância, com novos pais mas sempre com lembranças dos que se foram. A religiosidade da avó, a não compreensão da doença que a mãe teve, as implicância com a nova irmã mais jovem, contornam as cenas que possuem um olhar sentimental e emotivo da diretora.


O roteiro se estrutura através das fases que a protagonista atravessa. No primeiro ato, tudo é muito novo para a jovem, não sabe direito como lidar com seus novos guardiões e possui uma relação de distância, nos atos seguintes acontece o desenvolvimento e a chegada de um início de maturidade, principalmente quando se vê perdida, cria um espírito de auto proteção (como a cena da tentativa de fuga de noite da casa onde está), camuflado pelas ingenuidades da criança que ainda é. Verão de 1993 é um delicado retrato sobre a visão de uma criança perante as dificuldades que o mundo coloca em sua frente.
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23/11/2017

Crítica do filme: 'Soldados do Araguaia'


Exibido na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Soldados do Araguaia, dirigido pelo cineasta Belisario Franca (‘Menino 23’), retrata de um novo ponto de vista, dessa vez a de soldados de baixa patente que foram forçadamente recrutados pelos militares da época, a polêmica Guerrilha do Araguaia (no sul do Pará). Ao longo dos intensos 72 minutos de projeção, vamos conhecendo novas histórias sobre os horrores que os militares faziam, em confronto contra guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil, que era puro terror, não tendo nenhuma objetividade de guerra.

O roteiro, escrito pelo diretor e Ismael Machado, navega por meio de relatos de testemunhas oculares que participaram da Guerrilha do Araguaia, no início da década de 70 (mais precisamente entre 72 e 75). Suas angústias, argumentos emocionados para que a verdade ganhe luz, uma história apagada da história. Os depoimentos são impressionantes de pessoas que lutaram em uma guerra dentro do nosso próprio país, que até hoje não é reconhecido pelas altas patentes. As sequelas são inúmeras, os maus tratos e os absurdos vistos de olhos bem de perto deixaram lembranças dolorosas nesses cabos e soldados que praticamente foram jogados para dentro de uma guerra que não queriam lutar.

Imagens da época e fotografias compõem os arcos e ajudam a ilustrar muito do que é falado pelos ex-soldados. 4 mil homens das forças armadas combateram 76 guerrilheiros no Araguaia, muitos desses homens, na época jovens, que moravam na região, que conheciam o lugar e que foram jogados para dentro do exército.  A imensidão dos horrores que a Ditadura Militar causou durante os mais de 20 anos que esteve presente é um imenso fantasma, esses relatos se somam ao número total de vítimas dessa violência vivida nessa época que mancha nossa memória.


Todos que somos brasileiros precisamos entender melhor nossa própria história. Soldados do Araguaia é preciso ser discutido em salas de aula, usando o bom cinema documentário como ferramenta de ensino. Os livros não contam tudo o que houve, por isso, a importância desse belo documentário que dá voz às memórias de brasileiros que sofrem até hoje por conta de todo o caos que viram de perto.
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Crítica do filme: 'Lola Pater'


As atualidades de um morrer por amor. Dirigido pelo cineasta parisiense Nadir Moknèche, Lola Pater fala sobre escolhas, medos e principalmente sobre a relação de pai e filho blindada por uma situação inusitada, de descoberta, onde passos são dados com muito cuidado. Os personagens transbordam emoções, a protagonista exala simpatia. É uma crônica moderna de uma família com descendentes árabes onde as escolham guiaram os destinos de todos anos atrás. No papel principal, a inesquecível Fanny Ardant. a atriz de 68 anos, musa de Truffaut, encontra num complexo personagem um dos grandes trabalhos de toda uma carreira.

Na trama, conhecemos Zinedine (Tewfik Jallab), também chamado de Zino, um afinador de instrumentos, motoqueiro que trabalha em uma Paris nos dias atuais. Zino acaba de perder precocemente sua mãe e resolver embarcar em uma jornada rumo ao paradeiro desconhecido de seu pai Farid. Nessa busca, chega até a professora de dança Lola (Fanny Ardant) que para sua surpresa é o seu verdadeiro pai que após anos fez uma cirurgia e virou mulher. Assim, pai e filho precisarão combater as mágoas do passado e tentar recriar os laços perdidos pelo tempo.

Precisamos falar de Fanny Ardant. A delicadeza com que compõe seu personagem é algo sublime, transborda emoção com um olhar amargurado de quem já sofreu bastante pela vida e muito por conta das escolhas do personagem. É muito fácil se encantar com Lola, dona de uma vitalidade envolta de uma arte apurada, uma força da natureza encantadora que precisou se blindar de muitos sentimentos bons para apagar manchas de seu passado como homem e pai ausente na criação de seu único filho.  Talvez um recomeço, quando é procurada pelo filho, entra em conflito, não sabendo direito como lidar com essa situação do reencontro e com um medo constante da reação de seu filho já que agora é mulher por completo.

A direção de Moknèche é detalhista e competente, buscando em cada cena transpirar ao público as emoções e as forças dos personagens que cruzam nossos olhos nas árduas batalhas rumo ao entendimento. A narrativa é lenta o que nos faz nos aproximar dos personagens já que conseguimos entende-los melhor. Tendo a arte musical como característica marcante na vida dos dois personagens, preenche a tela com uma delicada trilha sonora que traz um toque requintado a bela história. Lola Pater é atemporal, um projeto venerável que emociona do início ao fim.


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22/11/2017

Crítica do filme: 'Os Parças'

Como acontece em Hollywood desde sua criação, centenas de comédias avançam cinemas a dentro em busca do riso fácil, reunindo gente famosa, da nova e velha guarda, e simplesmente deixando de lado qualidade no roteiro, direção. Os Parças, nova comédia nacional, que estreia na última quinta-feira desse mês de novembro,  busca, através de personagens estereotipados, resgatar histórias de um Brasil largado na malandragem. Dirigido pelo cineasta Halder Gomes (do interessante Cine Holliúdy) e protagonizado por Tom Cavalcanti, Bruno de Luca, Tirulipa e Whindersson Nunes, atores e comediantes de diversas plataformas, o filme se transborda nos clichês a cada cena não conseguindo criar a tão sonhada fórmula do sucesso que alia qualidade dos atores a regras básicas cinematográficas.

Na trama, ambientada em uma São Paulo dos dias atuais, conhecemos dois trambiqueiros que trabalham no centro de São Paulo, um faz tudo de informática que trabalha em uma empresa fake que produz casamentos e um malandro locutor de loja que foge pelas ruas pois descobrem que ele estava de namoro com a mulher do chefe. Essas quatro almas se reúnem inusitadamente e são colocadas em uma situação incomum, terão que organizar e planejar o casamento da filha de um bandido de alto escalão da cidade. Sem nenhuma experiência no ramo mas tendo a malandragem a seu alcance, o grupo passará por diversas situações em busca de seus objetivos.

Camuflada em deboches, esquecendo atuações, o projeto navega em um assunto recorrente no Brasil de hoje (e de ontem), a vinda de pessoas de outras regiões do país para um grande centro, em busca do sonho de se estabelecer (financeiramente, principalmente) e trabalhando na clandestinidade das ruas, matando, da sua forma, um leão a cada dia. Chegar nesse conceito e realizar um filme decente parece fácil, mas não é. Em Os Parças, situações são jogadas na tela, falta tratamento no roteiro,  a direção beira ao desastroso, os atores não possuem harmonia em cena, muitas piadas soltas simplesmente não funcionam. É muito mais do mesmo para um filme só.


Há um choque em relação a fazer comédia quando pensamos nas gerações de distancias entre Tom e o restante do elenco. O eterno Ribamar de Sai de Baixo, busca nas imitações e suas fantásticas sacadas de voz (que vem das suas origens na rádio) um lugar seguro para seu personagem. Já Whindersson Nunes, jovem youtuber, sensação na internet, parece não acertar seu tempo de comédia à tela grande. No cinema, nada acontece de maneira instantânea, precisa-se de estruturação na criação de um enredo senão absolutamente nada funciona.
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