Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas
apenas existe. Após o tocante Toda Forma
de Amor, o cineasta e roteirista californiano Mike Mills volta às telonas,
seis anos depois de seu último trabalho, para apresentar ao público,
provavelmente, sua grande obra prima no mundo mágico da sétima arte. Mulheres do Século 20, roteiro que
emociona os corações mais durões, suas atuações acima da média um desenrolar em
forma de retrospectiva que faz análises de uma cultura pop que marcou gerações
e debate com muita inteligência a visão de diversas pessoas de idades
diferentes sobre o tão complicado e revigorante é o simples ato de viver.
Na trama, ambientada no final da década de 70 nos Estados
Unidos, acompanhamos a complexa saga de Dorothea Fields (Annette Benning, em
atuação deslumbrante) que precisa criar seu filho Jamie (Lucas Jade Zumann)
sozinha e enfrenta as inúmeras transformações da fase adolescente do mesmo. Ao
mesmo tempo, aluga quartos em sua casa para duas almas solitárias: a amante de
fotografia, ex-moradora de Nova Iorque, Abbie (Greta Gerwig) que vem
enfrentando uma doença ingrata e incertezas sobre seu futuro, e também, William
(Billy Crudup) um faz tudo que teve diversos relacionamentos e vira uma espécie
de faz tudo para sobreviver. Mesmo não alugando quarto, nem sendo filha de
Dorothea, Julie (Elle Fanning) é uma
peça importante do quebra cabeça principalmente por sua forte relação com o
filho da protagonista. Todos esses personagens passarão por diversas situações
e buscarão ajuda uns nos outros para vencer todos os obstáculos sempre à
procura da tão sonhada felicidade.
Adepta da ideia de que ter uma decepção amorosa é uma ótima
maneira de entender melhor o mundo, revisando suas ações todos os dias sem
largar seu hábito de fumar, usando papete (uma sandália estilo antigo) porque é
uma contemporânea, nunca namorando o mesmo homem por muito tempo , a incrível
protagonista deste belíssimo trabalho, Dorothea, debutando a maternidade já na
casa dos 40, busca a cada ano que passa entender melhor seu filho adolescente.
As situações que passa são inúmeras: a cena punk da década já mencionada, suas
visões e ações sobre o tão falado feminismo, a política e suas posições. Passa
por uma transformação quase radical quando resolve adotar a todos que circulam
sua casa na criação de seu meu amor no mundo. Dorothea é uma mulher forte, de
atitude e ao longo das quase duas horas de projeção vamos vendo ela se
reinventando e redescobrindo sonhos perdidos. Uma super heroína da maternidade,
uma mulher à frente de seu tempo.
Como complemento à saga da personagem principal, vemos um
olhar perdido mas muito inteligente de Abbie que adiciona diversas lições a
essa história. Correndo pela beirada e sem muito destaques mas com muitos
momentos em fortes e emocionantes diálogos com os que os cercam, William, um
homem gentil que tenta a cada dia entender melhor as mulheres. Talvez uma das
peças mais complexas nesse quebra cabeça sobre a vida, Julie, que possue uma
forte ligação com a família da protagonista mas que em sua própria casa se
sente distante, invadindo o quarto de Jamie quase todas as noites, onde se
sente bem e feliz com a simples amizade (na visão dela). Já Jamie é cercado de
todas essas histórias com alguma experiência, vive meses de grandes descobertas
buscando marcar seu lugar no mundo.
O filme, que estreia no final de março no circuito exibidor
brasileiro e foi absurdamente esquecido em várias categorias do Oscar deste ano,
é uma grande lição de vida, apresenta mais argumentos aos debates sobre o
feminismo tudo isso e mais um pouco reunidos em um roteiro sublime que nunca
deixa suas lacunas sem argumentos convincentes. Sem dúvidas, esse trabalho é um
daqueles que não serão esquecidos facilmente pelos milhares de corações que
ficarão emocionados com essa linda história. Resumindo, o coração cinéfilo
sempre fala mais alto sobre qualquer premiação.