Nossa entrevistada de hoje é uma das pessoas mais cultas e
carinhosas que frequentam os cinemas do Rio de Janeiro. Professora de idiomas,
intérprete e tradutora, Monica
Marraccini morou anos na Alemanha e tem histórias sensacionais dentro dos
cinemas em vários cantos desse mundão. Cinéfila de carteirinha, quando o Central
do Brasil ganhou o Festival de Berlim, justamente na época em que ela estava se
mudando de volta para o Brasil, traduziu na época todos os artigos elogiosos que
saíram do alemão para o português e deixou num envelope para o Walter Salles na livraria do hoje Estação Rio. Quatro anos mais tarde,
encontrou com o mesmo em um evento e ele disse que tinha recebido e se alegrado
com a lembrança. Essas e outras curiosidades sobre essa querida amiga cinéfila você
lê agora.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
São os cinemas da rede Estação,
principalmente o Estação Rio. Desde
o início, o Grupo Estação optou por
uma programação mais distante do cinemão comercial hollywoodiano. Não tenho nada contra assistir a um filme
considerado main stream de vez em quando, há alguns excelentes, mas acho
desesperador viver em um local onde estes sejam os únicos filmes disponíveis.
Também frequentava muito o Espaço Itaú,
mas observei uma mudança de foco nos últimos anos em direção a filmes que podem
ser assistidos em muitos outros cinemas.
Um problema recorrente nos cinemas do Rio é o ar
condicionado. Já deixei o cinema doente mais de uma vez, e o Itaú exagera na
temperatura gelada. Curti muito o Cine
Joia nos tempos do programador Raphael
Camacho, pois a seleção era realmente ainda mais ousada do que a do Grupo Estação e o Cine Clube era uma delícia. Se o cinema fosse um pouco maior e
confortável, creio que poderia ter permanecido um sucesso.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Meus pais eram cinéfilos e ouvi falar de cinema e de atores
muito cedo na vida. Meu pai chegou a rodar um western que não foi lançado, mas
está no catálogo da Cinemateca Nacional. No meu aniversário de 11 anos,
descemos ao Rio de Petrópolis para alugar um filme na antiga Mesbla que meu pai
exibiu no seu projetor para os meus amigos. Me senti muito especial naquela
ocasião. Era um filme com Sophia Loren
e não exatamente infantil, mas as crianças adoraram. Minha primeira paixão
cinematográfica foi pouco original: A
Noviça Rebelde. Depois passei a assistir filmes de Walt Disney, filmes bíblicos como Ben-Hur e Quo Vadis, comediantes franceses como Louis de Funnes e Jacques Tati. Petrópolis tinha muitos cinemas de rua nos anos 70 e
assisti filmes maravilhosos como A Filha
de Ryan de David Lean e A Flauta Mágica de Ingmar Bergman. Quando mudei para o Rio, passei a frequentar a
Cinemateca do MAM onde se podia ver filmes de Fellini e de Andrzej Wajda.
Quando mudei para a Alemanha, sofri um pouco com o fato dos filmes serem
dublados, mas fiz muitos amigos cinéfilos e os papos que levávamos depois dos
filmes compensavam. E me tornei frequentadora do Festival de Berlim que fazia
do frio mês de fevereiro o mais estimulante do ano para mim. Quando voltei para
o Rio, fui salva pelo Grupo Estação.
Petrópolis infelizmente quase já não tinha cinemas.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Pergunta difícil. Gosto muito do Mike Leigh, do Robert Altman,
do David Lean, do Truffaut, do Visconti, do Bertolucci,
do Bergman e de muitos outros. Mas
se tivesse que escolher, iria com o agora renegado Woody Allen. Identifico-me muito com as vozes eloquentes dos seus
filmes, adoro a mistura de comédia e intelecto. Pena que o escândalo e o
pessimismo tenham escurecido tanto sua atual produção. Gosto de muitos filmes
dele, mas escolheria Manhattan nos
anos 70, Radio Days nos anos 80, Husband and Wives nos anos 90 e Midnight in Paris nos últimos anos.
Este último me fez flutuar como a Goldie
Hawn. Amei aquela viagem ao passado parisiense.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Por acaso estava revendo uma hora atrás no Canal Brasil: Central do Brasil. Acho uma história belíssima que enfoca o
Nordeste de forma muito poética, com uma dupla de atores espetaculares e a
saudosa Marília Pera. Além disso,
Central ganhou o Festival de Berlim justamente na época em que eu estava me
mudando de volta para o Brasil e a emoção dos brasileiros que lá viviam com
aquela vitória foi imensa. Traduzi na época todos os artigos elogiosos que
saíram do alemão para o português e deixei num envelope para o Walter Salles na livraria do hoje Estação Rio. Quatro anos mais tarde,
encontrei com ele em um evento e ele me disse que tinha recebido e se alegrado
com a lembrança.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
O cinéfilo sente alegria com a simples visão de um cinema de
rua. O dia do cinéfilo se torna imediatamente feliz se ele sabe que vai ter
tempo para ir ao cinema ver um bom filme. Não consigo imaginar minha vida sem
assistir filmes em um cinema. Por melhor que sejam as Netflix da vida, não vejo o momento de voltar a comprar o jornal na
sexta e começar a sublinhar os filmes que quero ver durante a semana. No
cinema!
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Não. Aqui no Rio temos a grande sorte de possuir uns poucos
cinemas que se dedicam a um público mais exigente. A maioria dos cinemas quer
vender entradas, pipoca e refrigerante com filmes fabricados em Hollywood para
este objetivo.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Se ocorrer, espero que eu não esteja mais viva. Seria uma
tristeza difícil de digerir.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Carrington com a Emma Thompson. Baseado na história da
pintora Dora Carrington que tinha
uma paixão platônica por seu companheiro de uma vida, o escritor gay Lytton Strachey. O filme tem um elenco
incrível com o belíssimo Jeremy Northam
e o talentosíssimo Jonathan Pryce,
um dos meus atores favoritos. Além da Emma, óbvio.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Se as salas não se encherem muito e o ar condicionado for
muito bem controlado, creio que sim. Caso contrário, teremos em breve ainda menos
cinemas de rua do que temos atualmente. E sinceramente nunca tive vontade de
assistir a filmes dentro de um carro. Fico logo em casa se esta for a única
possibilidade. Cinema ao ar livre pode ser uma boa opção por enquanto.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Confesso que me sinto sem autoridade para julgar. Não tenho
sentido vontade de ver a nossa realidade, que já anda muito triste, nas telas
de um cinema. Tenho evitado cinema brasileiro.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Gostava muito dos documentários do Eduardo Coutinho que perdemos tragicamente.
12) Defina cinema com
uma frase:
Como diria talvez Woody
Allen, algo que faz a vida realmente valer a pena.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Perdi o controle uma vez em um cinema na Alemanha, pois
tinha esperado anos para ver O Inocente
do Visconti na telona e dois
sujeitos começaram a conversar do meu lado, levantei indignada, expressando um
desespero tão grande que eles ficaram me olhando impressionados. Adorei dançar
junto com os faxineiros do Cinema Leblon
ao som dos Rolling Stones no filme
do Scorsese. Recordações nada
bonitas são as que tenho dos anos 70 quando eu era uma jovem que ia cinema
sozinha assistir filmes como O Franco
Atirador e sempre tinha algum sujeito inconveniente na sala que gostava de
assediar mulheres sozinhas. Sofri muito com isto, pois na época não se falava
sobre o assunto.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Não vi. Nem sei direito do que se trata rsrs.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Certamente. Os grandes escritores são todos grandes leitores
e acho difícil alguém fazer um bom filme sem ter assistido a dezenas de
excelentes filmes antes.