Nosso entrevistado de hoje é um grande estudioso sobre essa
arte que tanto amamos. Mestre formado pela Universidade Federal Fluminense
(UFF) e economista de formação, Marcelo
Ikeda trabalhou na Agência Nacional do Cinema (ANCINE) entre 2002 e 2010,
ocupando diversas funções. Como crítico de cinema, escreveu para vários
veículos, organizou mostras e escreveu um livro. Com tanta experiência no
audiovisual brasileiro, é uma grande honra ter Ikeda em nosso especial cinéfilo.
1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema
preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.
Em Fortaleza, onde atualmente moro, o Cinema do Dragão, mantido pelo Governo do Estado do Ceará. No Rio
de Janeiro, uma sala pela qual sempre tive muito carinho, muito importante para
minha formação, é a Cinemateca do MAM.
2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter
visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
NÃO AMARÁS, do Kieslowski. Quando vi esse filme, tinha
uns 12 anos de idade, e foi como uma anunciação. Logo ao final desse filme,
percebi imediatamente que o cinema passava a fazer parte da minha vida, como
uma sombra, de modo que, sem ele, eu não existiria.
3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito
dele?
São tantos rs. Vou citar dois. Jonas Mekas (Walden). Chantal Akerman (Jeanne Dielman ou News From
Home).
4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?
Aopção, do Ozualdo Candeias. O porquê está aqui
rs. http://www.cinecasulofilia.com/2008/04/ave-candeias-vi-aopo.html
5) O que é ser cinéfilo para você?
Ser cinéfilo é se dedicar profundamente a realmente querer
compreender o que de fato é um filme.
6) Você acredita que a maior parte dos cinemas
que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?
Infelizmente não. Me parece que a maior parte das pessoas
que programam atualmente as salas de cinema entende de comércio, e não de
cinema.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Não. Elas já não têm e não terão a importância que já
tiveram um dia, pois hoje há outras formas de ver cinema para além das salas de
cinema, o que têm aspectos positivos e negativos. Mas a sala de cinema nunca
vai acabar.
8) Indique um filme que você acha que muitos não
viram mas é ótimo.
Nossa, são tantos rs. Vou citar O SOL DO MARMELEIRO, do Victor
Erice. Um filme luminoso sobre a relação entre criação e vida. Quero citar
também um filme brasileiro: O QUE SE
MOVE, de Caetano Gotardo, um
filme sombrio e delicado sobre como tudo pode estar prestes a ruir, mesmo sem
nenhuma explicação plausível.
9) Você acha que as salas de cinema deveriam
reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não cabe a mim dizer, pois essa decisão deve ser feita por
especialistas em políticas sanitárias, especialmente médicos. No entanto, aqui
na Europa, vejo muito mais riscos em aglomerações em ambientes como bares e
aviões do que em salas de cinema.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
O cinema brasileiro vive um momento de grande pluralidade,
de muitas coisas diferentes sendo feitas, algumas delas de muita qualidade. Mas
os principais filmes brasileiros do seu tempo não são vistos, são vistos por
muito poucos, apenas em festivais de cinema. E vivemos um momento de desmonte,
de uma tentativa de reduzir o impacto da arte e da cultura brasileira, o que é
muito grave.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
André Novais Oliveira.
Petrus Cariry.
12) Defina cinema com
uma frase:
Inspirado pelo movimento do mundo, o cinema é uma forma de
criar outros possíveis, outros modos de ser, ativando nossa experiência
sensível diante do mundo.
13) Conte uma história
inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Uma vez eu fechei os olhos numa sala de cinema e, quando os
abri, estava em outro mundo.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
O fim (e o fracasso) de um modelo de produção do cinema
brasileiro.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não necessariamente. Adoro diretores cinéfilos, mas, mais
que unicamente pelo cinema, os cineastas devem ser tocados não só por outras
formas artísticas mas especialmente pelo movimento do mundo. Como diziam os
neorrealistas italianos: não estamos interessados propriamente no cinema, mas
sobretudo no homem e na natureza.