20/08/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #46 - Daniel Queiroz

Nessa vida temos encontros e desencontros. A internet veio para bagunçar isso tudo e para quem é esperto conseguir se aproximar de ídolos ou apaixonados por cinema que nunca teria a chance de conhecer os pensamentos se a distância entre os dois pontos não existisse, como é agora no planeta internet. Dividir curiosidades sobre o gosto cinéfilo é um grande exercício que todos nós cinéfilos adoramos descobrir. Esse especial chega exatamente para apresentar universos diferentes do seu mas sempre com um grande amor ao cinema como o seu.

Nosso convidado de hoje é mineiro, de Belo Horizonte e começou a trabalhar com cinema no CEC – Centro de Estudos Cinematográficos, na década de 1990. Daniel Queiroz foi Diretor de Audiovisual da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, programador do Cine Humberto Mauro, do Cine 104 e Diretor Artístico do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte. Desde 2012 é programador do Festival Semana de Cinema. Em 2018 passou a atuar na área de distribuição de cinema brasileiro, com a Embaúba Filmes.

Obs: Dani é um dos caras mais inteligentes com quem já conversei sobre cinema. Nos falamos durante uma reunião de programação e salas de artes em Fortaleza anos atrás. Ótimo papo: aprendi muito com esse grande amigo cinéfilo.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Cine Humberto Mauro, sala que desde 1978 ajudou a formar várias gerações de cinéfilos em Belo Horizonte, guardando coerência em sua programação, que abarca do cinema clássico ao moderno. A sala sempre praticou um preço popular e há vários anos adotou a gratuidade em todas as suas exibições. Recebe as principais mostras e festivais de cinema da cidade e é o única sala em Belo Horizonte que conta com equipamentos adequados para exibir filmes em 16mm e 35mm. Além de tudo, ainda fica no centro, num equipamento público de cultura, o Palácio das Artes, bem ao lado do Parque Municipal.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Sempre tive uma predileção por ver filmes em cinema, entendendo que há algo de sagrado nisto, uma certa liturgia envolvida. Um filme que me marcou pela grandiosidade da imagem, numa boa sala, foi o De Olhos Bem Fechados, do Kubrick, minha despedida do Cine Palladium, um dos últimos grandes cinemas de Belo Horizonte (com 2 mil lugares) a ser fechado, pouco tempo depois. Sempre gostei de sentar um pouco mais à frente nos cinemas, de modo que a tela ocupe quase todo o meu campo visual. No Palladium isto não era difícil, pois tinha uma das maiores telas de BH e este filme ainda era no formato Scope. Para ver toda a tela, eu precisava mover o pescoço. Foi uma sessão incrível, lembrando o tanto que esta experiência é irreprodutível em outros espaços.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Jonas Mekas - Lost, Lost, Lost

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Sem Título #1 - Dance of Leitfossil, de Carlos Adriano. Porque encarna toda a beleza do cinema e da vida. Som e imagem exalam poesia e a inserção de uns poucos frames transformam e ressignificam o filme de uma forma absurda. É uma obra de rigor e êxtase absolutos, que mexe muito comigo a cada revisão.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Uma dedicação permanente a descoberta de outros mundos e vidas por meio da sala de cinema. Embora eu reconheça a cinefilia de sofá, ainda curto a ideia de uma cinefilia tradicional, que passe pela frequentação incessante às salas de cinema.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Há que se fazer uma divisão entre o circuito comercial e o circuito “de arte”. Neste último, as programações costumam ser feitas por pessoas que entendem de cinema, em maior ou menor grau. No primeiro os filmes não importam muito, apenas os números e cifrões.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

De maneira alguma, não consigo vislumbrar esta possibilidade. As salas devem diminuir de quantidade, a ida ao cinema pode se tornar mais episódica, menos frequente, mas quero crer que os cinemas existirão para sempre, bem como os museus e outros equipamentos culturais.

 

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Los Angeles Plays Itself, do Thom Andersen, um excelente cineasta pouco visto no Brasil, que teve rara oportunidade de conhecer alguns de seus filmes há alguns anos atrás, numa mostra que contou com curadoria do crítico e programador, Aaron Cutler.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

É difícil falar sobre reabertura neste momento e compreensível imaginar que cinema seja uma das atividades que mais demore a voltar. Talvez esta volta possa ser antes da vacina, desde que o país consiga controlar a propagação do vírus, o que parece bem improvável neste momento. De toda forma, acredito que quando temos mais de mil mortes diárias, não é hora ainda para se pensar em reabertura de nada que não seja essencial.

 

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Ele vive o paradigma de atravessar um de seus melhores momentos históricos, com grande qualidade e pluralidade na produção, mas vislumbra um futuro difícil, haja visto que hoje é considerado um inimigo pelo Estado (bem como a cultura de um modo geral, a educação, a pesquisa, tudo o que produz e compartilha conhecimento e ideias - as ideias podem ser muito perigosas).

 

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

 

São muitos, mas eu ficaria com o Júlio Bressane, este mestre que nunca se acomoda e segue nos presenteando com novas obras surpreendentes.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Difícil fazer isto sem recorrer a clichês… eu diria que o cinema é a possibilidade de viajar no tempo e no espaço sem sair do lugar.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Lembro muito de uma exibição do primeiro longa do Éder Santos, numa mostra realizada no Cine Humberto Mauro, em 2005 ou 2006, em que o filme foi exibido em 35mm, com os rolos trocados, fora de ordem. O filme já tivera duas ou três sessões e apenas na última de suas exibições, que seria uma sessão comentada com o professor Eduardo de Jesus, que o problema foi por ele apontado. Nas sessões anteriores não houve uma reclamação a respeito, ninguém nem notou, o que foi ótimo!

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras…

Ainda não vi este clássico, uma falha minha, um de tantos buracos na minha formação.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não, de forma alguma.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Já vi muito filme ruim, mas felizmente não gasto espaço na memória com eles, nem me lembro mais...