Nosso convidado de hoje é cineasta, gente boa, inteligente e
cinéfilo! Formado na excelente faculdade de cinema da UFF em Niterói, e com pós-graduação em cinema e direção de atores
na American Film Institute, em Los
Angeles, André Pellenz já foi também
diretor de videoclipes e comerciais. Tem no currículo seis filmes como diretor,
dois desses foram um gigante sucesso de bilheteria nos últimos tempos: Minha Mãe é uma Peça (2013) e Detetives do Prédio Azul (2016). Em
2020, André está sendo o responsável por uma inovação na maneira de fazer
cinema, por conta dos problemas oriundos pela Pandemia da Covid-19, está rodando
o longa-metragem Fluxo à distância. Todos os atores em cena são filmados em
suas casas através de seus próprios dispositivos, como laptops e smartphones.
Obs: André é um cara que entende muito de cinema e técnicas
de filmagens. Nunca o vi pessoalmente mas espero que um dia consigamos tomar um
café e falar sobre filmes! Uma honra ter ele aqui em nosso especial.
1) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Digby, o maior cão do
mundo. Eu era bem pequeno e vi no Rian,
cinema enorme que não existe mais.
2) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Kubrick, Laranja Mecânica. Mas Antonioni, Ettore Scola e Alan Parker
correm quase juntos.
3) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
"Eles não usam Black-tie". Porque queria muito que
Leon Hirszman estivesse vivo.
4) O que é ser
cinéfilo para você?
Não é "ver tudo". É conhecer os filmes, os
lançamentos, o que já tenha passado, os diretores, e, daí, ver o que
interessar.
5) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Até onde pude conhecer, a maioria da programação é baseada
em interesse do público jovem, "que é quem vai ao cinema" (já ouvi
isso zilhões de vezes) e muitas vezes sinto falta de pensarem fora da caixa,
mesmo em cinemas ditos "comerciais". O Leblon 2, que não existe mais,
programava filmes como Amarelo Manga
e lotava - mesmo com um suposto "público careta". Acredito que chega
a existir quase um preconceito - "o público da Barra não vê filme autoral",
por exemplo. Ah, não? Por quê? Será? Os únicos critérios parecem ser pesquisas
de hábitos passados e alcance dos atores em redes sociais. E o instinto de um
programador, onde fica?
6) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Não acredito. O teatro não acabou, mas não acho nem que essa
é uma comparação válida, já que o teatro (atores em cena na sua frente) é
insubstituível, enquanto um filme pode ser visto em casa com cada vez mais
qualidade. A razão, para mim, está no sentimento humano do pertencimento, de
sentir-se integrado, "de estar vendo a mesma coisa junto com outros".
Tanto que é diferente ver um filme numa sala de cinema vazia e numa sessão
cheia. Além disso, com cada vez menos opções - e razões - para ir à rua, o
cinema passa a ser um "bom motivo".
7) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Crônicamente Inviável,
do Sérgio Bianchi. É um filme de
tempos atrás, bastante irregular, mas tem uma pegada, um discurso visceral dos
atores que reflete bem os dias de hoje e que é único em termos de linguagem.
8) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Se os protocolos forem seguidos e se provarem seguros, não
vejo porque não abrir.
9) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
O cinema brasileiro entrou em colapso por conta dos ataques
do governo e a atual gerência da Ancine.
Mas estava indo muito bem, com filmes de sucesso de público e em festivais,
mesmo com os orçamentos mínimos em que trabalhamos. O que me incomoda, e sempre
incomodou, é o (falso, para mim) dilema filme comercial versus filme de arte.
Ou é "filme-cabeça" ou é "filme
popular". Não se faz mais um filme que junte as duas coisas, o tal
"filme médio". O cinema americano, que também sofre com isso, de
certa forma sempre absorve um tiquinho do cinema "autoral" deles -
não taaanto, é verdade, mas um pouco, pelo menos.
Aqui não. Aqui já te perguntam se o seu filme é pra
"público" ou pra "festival", antes mesmo de filmar.
10) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Fernando Meirelles.
11) Defina cinema com
uma frase:
Uma espécie de templo que, em vez de altar, tem uma tela
branca onde as divindades aparecem.
12) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Gosto de ir em sessões de público, para ver meus filmes com
eles. Estava numa sessão lotada de Minha
Mãe é uma Peça quando fui ao banheiro durante a parte emotiva do filme, que
eu trabalhei tanto no roteiro como na direção como melodrama, para combinar com
a comédia. Neste momento entra um sujeito no banheiro, emocionado, chorando. Ao
me ver, sem saber que eu era o diretor do filme, começa a reclamar. "Pô,
essa porra num é comédia? Tô todo emocionado aqui, filme brasileiro é uma merda
mesmo, né?" Eu dei linha, concordei, ele lavou o rosto e voltou correndo
pra sala: "deixa eu voltar que eu não quero perder o resto".
13) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Digno, pois deu trabalho para muita gente. E, de certa
forma, o cinema sempre precisa de um "Tcham" - não poderíamos ficar
sem Carla Perez em nossa
cinematografia.
14) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Ter uma boa cultura cinematográfica é fundamental para um
diretor, até para não repetir clichês e evoluir a linguagem de forma sólida.
Mas, em tese, pode até ser interessante um filme de alguém que não tenha visto
quase nada, um olhar sem referências.
15) Você é cineasta.
É muito difícil trabalhar com audiovisual no Brasil?
Com certeza. Porque não somos tratados como artistas, e sim
como pedintes, e vivemos culpados por fazer uma arte que, de fato, custa caro.
Um país deste tamanho não merece os orçamentos que
praticamos e o tratamento que recebemos. Fazer cinema no Brasil é discutir mais
política de fomento do que linguagem, roteiro, etc.
De um lado, cineastas com carreiras consolidadas, mesmo em
filmes comerciais, têm enorme dificuldade de seguir fazendo longas para cinema.
Por outro, os jovens talentos estão vivendo um grande desalento. E é justamente
a combinação de diretores mais experientes com sangue novo é que forma as
melhores cinematografias.
17) Qual o pior filme
que viu na vida?
Waterworld.
Prefiro rever Cinderela Baiana.
18) Qual dica você
daria para os jovens cinéfilos que futuramente pretendem trabalhar com cinema
no Brasil?
É sempre a mesma coisa: "é difícil, não desista".
Enfim, não deixem de trabalhar em cinema só porque é difícil conseguir dirigir
um filme. Claro, tentem dirigir, se for essa a vontade e a vocação de vocês,
mas existem muitas funções fundamentais no cinema, não é só o
"diretor". E em todas você estará "fazendo cinema".