25/08/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #57 - Johnny Soares

O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

Nosso convidado de hoje tem um currículo maior do que os filmes do Lav Diaz. Uma das mentes mais geniais que já conheci, Johnny soares é ator, Consultor, Escritor, Professor Universitário e Jurado do Desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro! Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá/RJ (2018); Pós-graduado em Mídias Digitais e Interativas pela Faculdade de Tecnologia Senac Rio (2011); MBA em Marketing Empresarial pela Universidade Federal Fluminense (UFF/2008); Especialização em Planejamento de Comunicação pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM, 2004); Bacharel em Comunicação Social (Publicidade/Propaganda) pela Universidade Federal Fluminense (UFF/2000). Atua há mais de 22 anos no mercado publicitário, de marketing e design. Coordenador da Pós-graduação em Gestão de Marketing e Estratégias Digitais da Faculdade Mackenzie Rio e da Pós-graduação em Planejamento Estratégico para Mídias Sociais da Faculdade de Tecnologia Senac Rio. Profissional de Marketing do Ano no Prêmio Colunistas 2012. Possui mais de 30 prêmios de criação e marketing. 1º e 2º Lugares no Prêmio Educação Profissional: Inovação e Qualidade 2015 e 2016, do Senac-RJ. Prêmios About, Abemd, Festival de Publicidade de Gramado, Festival de Nova York, Festival de Londres. 

Obs: Um grande cinéfilo que quase foi meu chefe! Durante um tempo me aventurei como analista de redes sociais. Trabalhei numa empresa que ficava dentro de outra. Quando a parceria se desfez, a equipe fora desfeita. Na hora de ir embora, fui chamado na sala de um dos diretores, sentei numa mesa de frente para o mar e me perguntaram se eu queria continuar na outra empresa já que tinham gostado do meu trabalho. O chefão era o Johnny! Nunca mais o vi mas se eu soubesse na época que era tão cinéfilo tinha deixado meu livro para ele de presente. Espero vê-lo novamente querido amigo cinéfilo!

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação?

Detalhe o porquê da escolha. Minha sala de cinema preferida é o Kinoplex São Luiz. Gosto muito também do Espaço Itaú, mas frequento mais o São Luiz porque é muito próximo de onde moro (costumo chamá-lo de "sala de cinema da minha casa"). Além disso, tem um pequena livraria, boas opções de comida pré ou pós-cinema na galeria. São 4 salas de exibição com filmes do circuito (na maioria), mas às vezes rola uns filmes de arte ou fora do "mainstream". Como eu sou muito eclético em relação a filmes, há sempre algum em cartaz que eu quero ver.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

O primeiro filme que me lembro de ter visto foi ET - O Extraterrestre do Steven Spielberg. Era feriado do dia das crianças, e meus pais me levaram com minha irmã ao cinema. A sessão estava lotada!!! Cinema Tamoio, em São Gonçalo, que depois virou um supermercado. Lembro perfeitamente do cheiro da pipoca lançada para cima pelas crianças, do alvoroço, da sala escura, da tela grande e mágica. Tive um momento de epifania, de deslumbramento. Cinema virou sinônimo de celebração, de festa, de reunião de pessoas, de comunhão, de dia especial... cinema é totalmente sensorial, afeto e memória. É um dos lugares onde me sinto mais feliz.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Nossa! Difícil essa. Tenho muitos diretores favoritos: Hitchcock, Woody Allen, Stanley Kubrick, Tarantino, Kieslowski (amo a trilogia das cores), Fernando Meirelles, Walter Salles, Stanley Kubrick...é injusto citar um só. Mas como iniciei no cinema com um filme do Steven Spielberg, ele foi durante anos o meu diretor favorito. Nunca perdi um filme do Spielberg. Ele sempre foi para mim uma assinatura de filme popular de qualidade, de imaginação, de criatividade...minha adolescência foi assistindo à saga do Indiana Jones, do De Volta para o Futuro. Depois, mais maduro, conheci o Spielberg também mais denso e emocional, em filmes como A Cor Púrpura e A Lista de Schindler. Mas admiro muito também o Almodóvar, em especial por A Pele que Habito. Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente e poder falar da minha adoração por suas "películas".

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Central do Brasil, com certeza. É um "road-movie" (truck-movie, bus-movie...rs) com um roteiro primoroso, uma interpretação magistral de Fernanda Montenegro, uma direção segura e sensível do Walter Salles, uma trilha linda e emocionante. E ainda tem Marília Pêra no elenco! Como um filme com essas duas grandes atrizes poderia dar errado?! Foi uma pena e uma grande injustiça não ter ganhado o Oscar de filme e de atriz. Uma das maiores injustiças do Oscar, aliás. O filme aborda de forma crítica o tráfico de crianças, revela um Brasil pobre, retirante, que muitos teimam em não reconhecer, e na sua viagem pelo Brasil vai transformando a personagem de Dora, numa relação linda com o pequeno Josué. É um filme que não me canso de assistir e reassistir. Já decorei até algumas falas.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Ser cinéfilo é amar a sala de escura e se entregar às emoções das histórias que são contadas na grande tela. É ir a uma sessão de cinema numa segunda-feira de sol, à tarde, e não se sentir sozinho mesmo que você seja um dos poucos dentro da sala. Porque você está acompanhado de todos os personagens que habitam ou já habitaram aquele lugar cheio de vida e luz. É ficar até o final dos créditos, lendo os nomes de cada componente da equipe e só se levantar quando as luzes se acenderem e a magia fizer parte, agora, apenas da sua memória afetiva.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Isso é relativo. Como minha formação primeira é a Publicidade, entendo que cada sala de cinema tem seu perfil de público. E há público para todo tipo de cinema: de circuito, comercial, blockbusters, de arte... O que, infelizmente acontece é que as opções de salas para filmes de arte, menos comerciais, são muito poucas no Rio de Janeiro. E ficam concentradas na Zona Sul, o que acaba por reforçar um estigma de que moradores de outras regiões não gostam ou não frequentam (ou frequentariam) esse tipo de filme. O que não é verdade. No Rio de Janeiro, algumas salas da rede Estação foram fechadas o que prejudicou ainda mais essa falta de opção. O Estação Paissandu, que ficava no Flamengo e virou uma academia, tinha uma boa programação de filmes de arte. Sinto falta de maior variedade nesse sentido. É uma pena. Dessa forma, a pluralidade fica muito restrita, sobretudo geograficamente falando. Nesse sentido, não sei até que ponto o problema de uma determinada programação de um cinema é um problema do programador (o "não entendimento sobre cinema") ou uma "força do mercado", dos que mandam nesse business.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Nunca! Com certeza, não! Quando a TV surgiu disseram que o rádio acabaria. E olha ele aí! Quando o videocassete surgiu disseram que o Cinema iria acabar. E não acabou. Nem nunca acabará. Ele irá se transformar, se modernizar...mas não acabar. Muito pelo contrário. Porque o cinema é um espaço de experiência sensorial: é visual, é sonoro, é olfativo, é degustativo, é tátil. É uma experiência muitas vezes compartilhada entre tribos. E cada vez mais as pessoas buscam viver experiências. Quanto mais sensoriais forem as salas de cinema, mais elas serão indispensáveis à raça humana.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Um filme que acho que poucas pessoas viram, mas é ótimo é A Dupla Vida de Véronique de Krzystof Kieslowski. É um filme bem antigo, de 1991, que conta a história de duas mulheres de 20 anos (Véronique e Weronika) que possuem uma estranha conexão. É um filme repleto de simbolismos e poesia. Acho lindo.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Acho que devemos cuidar da saúde e proteger a população. Imagino o quanto está sendo difícil para as salas de cinema e seus proprietários, funcionários...enfim, toda a cadeia produtiva. Mas é extremamente difícil e perigoso reunir diversas pessoas, aglomeradas num espaço fechado. Uma saída para algumas redes é o Cine Drive-in, mas antes de ter uma vacina contra a Covid-19 eu não me sentiria seguro a voltar a frequentar uma sala de cinema. Infelizmente.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

A qualidade do cinema brasileiro está cada dia melhor: o som (que era um grande problema tempos atrás), a fotografia, a edição, montagem, os roteiros...são sensacionais. Tanto que estamos exportando muitos profissionais. Infelizmente, o que não temos é um incentivo e um interesse genuíno do governo. A distribuição também não ajuda. A "lei" do mercado acaba sempre imperando e faz com que praticamente apenas os filmes de comédia (que levam milhões de brasileiros ao cinema, e isso é ótimo seja qual for o motivo) se estabeleçam e permaneçam por mais tempo em cartaz no circuito. Bacurau, no entanto, foi um ótimo exemplo de um filme brasileiro que conseguiu romper esse "sistema" ou padrão e permanecer em cartaz por muito tempo com sucesso. Espero por dias melhores para o Cinema Brasileiro. Precisamos todos nos unir para isso. Os que produzem e os que amam a sétima arte.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Tenho muitos amigos atores e atrizes, então vou sempre assisti-los quando estreiam algum filme. Mas dos artistas que não tenho contato mais próximo e não perco nenhum filme tenho que citar a nossa grande atriz e dama Fernanda Montenegro. Não perco um filme com ela. Temos que reverenciar artistas como ela por toda sua trajetória no cinema e nas outras expressões da arte.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Meu refúgio para experiências mágicas.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Nossa! Tenho várias. Mas lembro de uma vez, quando estava assistindo ao filme Por Uma Vida Menos Ordinária, de Danny Boyle, um senhor levantou no meio da sessão e começou a esbravejar que aquele filme era "uma putaria, uma pouca vergonha, uma indecência"...o senhorzinho estava na frente, próximo da tela, então se levantou e foi caminhando até a saída (que ficava na parte de trás da sala) reclamando, resmungando...enquanto o espectadores chiavam com ele, pedindo silêncio. O filme que já era surreal ficou ainda mais divertido.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...:

Imperdível!!! Rs. Um filme que tem Lázaro Ramos e Wagner Moura (dois dos melhores atores de cinema de sua geração) contracenando com Carla Perez não pode deixar de ser visto.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não necessariamente. Mas, de verdade, acho muito estranho. Porque acredito que a cultura cinéfila irá ajudar o cineasta a ter mais recursos, mais repertório, mais possibilidades estéticas, narrativas e artísticas para criar e dirigir seu filme. Se você trabalha em um setor, ama aquilo que faz, tudo o que se relaciona ao seu objeto de trabalho e paixão deveria te interessar. Então, acho muito esquisito um cineasta que não é cinéfilo. Para mim é uma contradição. Afinal, aprendemos muito com os filmes que assistimos ao longo da vida.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Fazer essas suas listas são difíceis, Raphael! Rs Como já vi muita coisa, obviamente já me surpreendi com muita coisa boa e já me deparei com muito lixo também. Não tenho um só. Rs. Mas o pior filme que vi recentemente (e olha que amo musicais) foi a versão cinematográfica de Cats. Meu Deus, como é chato! Longo, cansativo, com aqueles atores feitos em computação gráfica, roteiro rocambolesco... Framboesa de Ouro total! Apocalipse com o Nicolas Cage (tinha que ser! Rs) também é outra bola fora. É o fim do mundo mesmo, sem salvação! Rs.