Nosso convidado de hoje é bancário, administrador, viciado
em filmes dos gêneros e países mais diversos. Luciano Souza é membro da Confraria Lumiere, grupo de cinéfilos
de várias partes do Brasil e que se conheceram no dia a dia das salas de cinema
e centros culturais, em filmes do circuito ou dos festivais e mostras (Festival
do Rio e Mostra de São Paulo).
Obs: Nunca nos vimos pessoalmente mas pelas redes sociais
estou sempre acompanhando as dicas desse querido amigo cinéfilo!
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
As salas do Grupo
Estação. Elas formaram toda uma geração de cinéfilos com a variedade de
filmografias. Até 2008 em morava em Guaratiba, bairro da zona oeste e um dos
mais distantes do centro do Rio. Olhava a programação nos jornais e eram nas
salas do Grupo Estação que encontrava a maioria dos filmes que queria ver.
Devido à distância, eram nos fins de semanas que me programava pra ver os
filmes. Eram vários a cada fim de semana, praticamente mini festivais. Fui
criado nas salas Estação Botafogo, Estação Rio e na saudosa sala Estação
Paissandu. Grande parte dos cinéfilos que conheço e se tornaram meus amigos,
conheci nas salas do Grupo Estação.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Eu tinha 12 anos em 1987 quando fui ao Cine Palácio Campo Grande ver A
Dama do Cine Shangai de Guilherme de
Almeida Prado. Era uma daquelas salas grandes com 1.750 lugares. O filme é
um “Triller” e grande parte dele se passa em um cinema velho de São Paulo. Todo
o clima do filme, que possui um ótimo roteiro e vendo em uma sala que se
parecia com a sala retratada no filme, me levou a um encantamento com o filme e
com a experiência única que é estar em uma sala de cinema. E o Guilherme de
Almeida Prado tem uma filmografia espetacular. É um dos grandes diretores
brasileiros, mas que infelizmente é pouco reconhecido.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
É muito difícil responder essa pergunta. A quantidade de
diretores que adoro e acompanho é bem grande. Mas vou citar o “primeiro amor”.
Quando ainda não associava os filmes aos diretores, o primeiro a me despertar
foi Pedro Amodóvar. A maneira como
nos apresentava a Espanha, com seus guetos, submundo, sua decadência. A riqueza
na composição dos personagens, a cara de “Filme B” das suas primeiras
películas, a junção do melodramático com a comédia em seus filmes, feito com maestria.
Meu predileto dele é Tudo sobre minha
mãe.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Rio Babilônia do Neville de Almeida. É um filme de 1982
que é cara do Rio e do país. E não ficou datado, o filme é muito atual,
mostrando o tráfico, corrupção, assassinatos, crescimento desordenado da
cidade, o caos social. É um estudo
antropológico, sociológico, cultural e sexual. As orgias do filme permearam as
minhas fantasias. É simplesmente o filme que mais vi e revi na vida.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
É ter paixão por filmes, dos mais variados formatos e
gêneros. É ser viciado.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
A maior parte dos cinemas trabalha com programação das
“majors” americanas e brasileiras, esses programadores conhecem mais de cinema
do ponto de vista mercadológico. Os cinemas que possuem uma programação mais
autoral e alternativa e que privilegiam diretores e cinematografias de todo o
mundo, geralmente possuem programadores com um conhecimento mais amplo. Mas
esse modelo de cinema é minoria no mercado exibidor e os programadores além de
cultura cinematográfica, têm que entender também de mercado, pois as salas não
sobrevivem somente com uma boa curadoria. Precisam conhecer bem o público e sua
diversidade.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Acredito que não. As salas de cinema já passaram por “muitas
ameaças” e não acabaram. Foi assim quando surgiu a TV, quando surgiu o vídeo
cassete, agora com o streaming. Mas cada novo suporte pra exibir filmes que
surge não caba com o ritual que é ir a uma sala de cinema e a magia que é ver
um filme em uma sala. O que muda é a freqüência de idas, os tamanhos das salas,
as localizações, os equipamentos, o mix de produtos oferecidos juntamente com o
filme.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Eu adoro um veterano diretor mexicano chamado Arturo Ripstein. Ele tem uma vasta
filmografia com uma dramaturgia com elementos do detestável, as patologias do
cotidiano filmadas com sensibilidade e grande direção de atores. Geralmente os
filmes dele só chegam aqui via festivais e mostras. Tem os filmes do diretor
português João Pedro Rodrigues que
também dificilmente entram em circuito aqui, como é pra citar apenas um filme,
cito um filme dele que é uma obra-prima: Morrer
como um Homem sobre uma transformista das noites de Lisboa pressionada pelo
namorado a fazer a cirurgia de mudança de sexo.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Acho que sim. Devem seguir certos protocolos de
distanciamento e segurança. Porque os exibidores de arte (cinemas, teatros,
casa de shows, museus, centros culturais) têm que estar entre os mais
penalizados nessa reabertura? Tivemos no Brasil um distanciamento social
completamente mal conduzido, um governo federal que boicotou desde o início as
medidas básicas a serem realizadas e que não aprendeu com os acertos e erros
dos países onde o auge da pandemia ocorreu anteriormente. O que vemos é uma
quarentena que se arrasta e uma reabertura que avança sem declínio das contaminações
e mortes. A cultura já sofre com o retrocesso e massacre imposto por uma
política autoritária, excludente e de gestores governamentais reacionários. Mas
dificilmente irei a uma sala de cinema por mais que tenha saudades, enquanto o
número de contaminados e mortes não tiver baixado drasticamente.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Sempre fui fã do cinema nacional e possuímos um histórico de
diversidade de gêneros e formatos desde o cinema mais popular ao autoral e alternativo. Chanchadas, pornochanchadas, cinema novo,
cinema marginal, “terrir”, documentários. Somos o país de Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Carlos
Reichenbach, Helena Ignez, Rogério Sganzerla, Júlio Bressane, Ivan Cardoso, Suzana
Amaral, Ana Carolina, Neville de Almeida, Arnaldo Jabor, Eduardo Coutinho,
Lucia Murat, entre tantos outros mestres. Da safra mais recente temos Anna Muylaert, Daniella Thomas, Walter
Salles, Karim Aïnouz, Cláudio Assis,
Elaine Café, Kleber Mendonça Filho, Lírio Ferreira, Hilton Lacerda, Gabriel
Mascaro, Marco Dutra, Juliana Rojas, Marcelo Gomes. Só nos nomes citados,
impossível questionar falta de qualidade. Fico observando principalmente entre
os frequentadores dos chamados “cinemas de arte”, comparações com o cinema
argentino. O cinema argentino não é só de filmes com Ricardo Darín. A Argentina tem filmes e cineastas excelentes, assim
como tem muito filme ruim, como em qualquer grande cinematografia. Na América
Latina considero a brasileira e mexicana, as mais ricas e diversas.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Não perco um filme do Claudio
Assis. Cinema visceral, com muita crítica social, mas sem precisar de
discursos para os personagens. É “porrada”, mas com um roteiro bem construído e
de imensa sensibilidade.
12) Defina cinema com
uma frase:
Cinema é alimentar o corpo e a alma, é viajar por cada canto
desse mundo.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Quando soube que o cinema Coral/Scala na Praia de Botafogo (RJ) fecharia pra dar lugar a um
complexo de salas que hoje é o Espaço
Itaú de Cinema, quis conhecer a sala antes do fechamento definitivo. Apesar de já ser conhecido por sua decadência
e ser local para encontros de sexo casual como em cinemas de centro da cidade
de capitais que exibem filmes pornográficos, este exibia grandes clássicos do
cinema francês e que faziam parte do acervo da Cia dona do cinema. A sala já
bem decadente mantinha os cartazes com fotos de grandes atrizes e atores
franceses. No dia que fui conhecer a sala, a exibição era do filme “Carmen de Godard” do mestre Jean-Luc Godard. Foi a primeira vez que
vi o filme e o inusitado foi ver um filme de Godard acompanhado de pessoas fazendo sexo bem em frente à tela e
ao meu redor nas poltronas.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Talvez seja uma das maiores falhas como cinéfilo (rsrsrs).
Nunca vi o filme por completo. Mas já vi trechos no youtube, parece ser tão
bizarro que deve ser delicioso para assistir. E olha que já vi muita produção
tosca principalmente algumas realizadas na “Boca do Lixo”, local que também
produziu filmes importantes da história do nosso cinema. Pretendo ver Cinderela Baiana o mais rápido
possível.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Há cineastas que não possuem muita bagagem como cinéfilos e
fazem grandes filmes. Mas acho deliciosos perceber que alguns diretores são
cinéfilos e a forma como usam as referências de outros diretores em seus
filmes.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?