Nosso entrevistado de hoje tem mais de quarenta anos de
experiência no mercado audiovisual brasileiro. Sócio da Mixer Films, e com 41 leões (nome do prêmio) conquistados no
Festival Internacional de Publicidade de Cannes, João Daniel Tikhomiroff tornou-se referência na produção
publicitária. O cinema sempre foi a paixão desse mente criativa do audiovisual,
debutou como cineasta em Besouro no
ano de 2009, depois dirigiu mais dois filmes: Didi e o segredo dos anjos (2014)
e Os saltimbancos trapalhões rumo à Hollywood (2017).
E como a internet é tão boa para encontrarmos almas
cinéfilas que talvez nunca encontraríamos na realidade, João sempre está pelo Facebook
comentando sobre a sétima arte e tenho a honra de tê-lo como amigo por lá,
sempre com ótimas dicas.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Cine Belas Artes.
Permanente cuidado na qualidade de programação, com diversidade e inteligência.
Filmes que não passam no grande circuito ou que não voltarão a passar (no caso
de “cult movie”).
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Os Pássaros, de Alfred Hitchcock. Assisti na cabine da Universal Pictures, onde meu pai era
diretor, e o projecionista começava a me mostrar algumas produções que chegavam
ao Brasil, antes de exibição ao público. Eu tinha 9 anos de idade. Ali tive uma
certeza: eu queria ser diretor de cinema.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Tenho vários... de várias fases e motivações. Mas pra
escolher apenas um, será o mais completo de todos: Stanley Kubrick. E meu favorito dele será o filme que é uma aula
completa de cinema: 2001: uma Odisseia
no Espaço.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Tenho vários: Macunaíma,
Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe, São Paulo S.A. , Azyllo Muito Louco, ... mas para
escolher apenas um, fico com Vidas Secas.
Nelson Pereira dos Santos fez um
filme incrível, tristíssimo, onde nos coloca nas vísceras da miséria
nordestina, com uma condução precisa e talentosa. Filme inesquecível.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
É você ter o cinema como a grande paixão da sua vida. Ser a
prioridade.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Não. Definitivamente não.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Não acredito. Apesar do Covid 19, e outros vírus que deverão
surgir, a magia de uma sala de cinema é insubstituível. Uma experiência que
movimenta as emoções. Ninguém chora ou ri tão forte quanto ao “contágio” de uma
sala de cinema cheia. Assim como o teatro não morreu, que os shows ao vivo não
morreram... ao contrário, os jovens sempre buscarão essas experiências.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Toby Demmit, de Frederico Fellini. Brilhante. Um dos
três episódios que compõe o filme Histórias
Extraordinárias, baseado em contos do Edgar
Alan Poe. Apenas o episódio feito pelo Fellini
é excelente. Até hoje, surpreende.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Difícil dar uma opinião no meio de uma pandemia. Um vírus
que os médicos e a ciência estão tentando entender e controlar. Não arrisco
minha opinião.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
No mesmo nível do cinema mundial: ruim. Mas sempre
encontramos algum bom, em ambos.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Nem brasileiro, nem estrangeiro. Não perco um filme bom, ou
promissor. Não importa quem sejam os atores. Mas tem atores que me fazem fugir
da sala de cinema... Nicolas Cage,
por exemplo. Perdeu o critério de escolha de papel...
12) Defina cinema com
uma frase:
Viver uma magia, intensamente.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
No meio de uma sessão normal do filme Sacco & Vanzetti, um sujeito se levantou comovido e gritou: “eu
não aguento, pô! Muito revoltante. Não venho ao cinema pra sofrer!”... e foi
embora. Aliás, recomendo muito assistir esse incrível filme, dirigido pelo Giuliano Montaldo, e trilha musical do
gênio Ennio Morricone (e participa Joan Baez).
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Hahahahahaha...
15) Você é um dos
sócios da Mixer Films. Desde o tempo em que você começou até hoje, qual a
dificuldade de um jovem sonhador querer trabalhar com audiovisual no Brasil?
As dificuldades são imensas. Sempre foram, mas agora está
ainda mais difícil. Não existe uma mentalidade nem cultural nem investidora no
audiovisual do Brasil. Por isso é uma batalha movida à paixão. Não é aberto à
pessoas “normais”...
As plataformas de streaming estão mudando o cenário. As
séries ganharam relevância e ousadia, muitas vezes mais que o cinema hoje.
Desde Twin Peaks, de David Lynch, à antológica Família Soprano, passando por Breaking Bad, The Handmaid’s Tale, Black
Mirror... e mesmo o infanto-juvenil Stranger
Things, tem trazido frescor à dramaturgia audiovisual.
Fizemos na Mixer,
algumas séries que nos trouxeram prêmios e muito sucesso internacional como Julie e os Fantasmas, O Negócio, a infantil Escola de Gênios, entre outras. Mas
claro que cinema é cinema, e sempre será.
16) Você é cinéfilo
mas sabemos que nem todos os cineastas brasileiros são. É importante ser cinéfilo
para um diretor de cinema?
Acho que sim. Para fazer cinema você precisa ser um
apaixonado pelo ofício. Mas sempre vai existir exceção à regra, brasileiro ou
não. Mas desconfio de cineasta que não seja um cinéfilo...
17) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Alguns vão querer me matar... mas diria que foi um ganhador
de Oscar : Coração Valente (Braveheart),
de Mel Gibson. Dos raros filmes que
me levantei da cadeira e fui embora do cinema, no meio do filme.
18) Como cineasta,
como você lida com as críticas dos jornalistas sobre seus filmes quando elas
são negativas?
Sempre procuro não me impregnar, nem com as ruins nem com as
boas. Críticos são feitos pra criticar. Assim deve ser. Mas se você se
influenciar com essas opiniões, pode perder o foco. Para o bem ou para o mal.
Muitos cineastas adotam essa postura: evitam ler. Elogios ou críticas
negativas. Não importam.
Mas sempre respeito. Mesmo evitando ler. Mas confesso que
uma crítica super elogiosa de meu filme, que chegou às minhas mãos, vinda do Hollywood Report durante o Festival de Berlim, eu não resisti e
li. Hahahaha...!
19) Se algum jovem
quisesse começar hoje a ser cinéfilo, qual filme você indicaria para ser o
primeiro dele começar a ver?
Playtime, de Jacques Tati.