O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de número #100 precisava ser alguém
especial, alguém admirável, e obviamente um grande mestre cinéfilo. Mario Abbade é cinéfilo, jornalista,
crítico de cinema, escritor, professor, pesquisador e cineasta. Com quase dois
metros de altura e muito mais de conhecimento sobre essa arte que amamos, iniciou
sua carreira nos anos 90. Já teve coluna no Jovem Nerd, já foi entrevistado pelo Jô Soares e até fundou um portal de cultura pop e cinema, o Almanaque Virtual. Integrou o júri da FIPRESCI (Federação Internacional de
Críticos de Cinema) nos festivais do Rio, e muitos outros. Inclusive, em um ano,
presidiu o Júri da Crítica do Festival
de Cannes e, em outro, o Júri da Crítica do Festival de Berlim. Em 2017 estreou como documentarista com Neville D’Almeida – Cronista da Beleza e do
Caos, presente em diversos festivais, como o Festival Internacional de Cinema de Roterdã em 2018. Atualmente é
crítico de cinema, um dos famosos bonequinhos do Jornal o Globo, e, é também apresentador da coluna semanal Pensando em Cinema na TV Bandeirantes e da rádio BandNews Rio FM.
Obs: querido irmão cinéfilo Marião. Uma das pessoas mais
fantásticas e verdadeiras que conheço do meio audiovisual brasileiro. Uma enciclopédia
cinéfila que quando o conheci me deu um baita medo pois ele fala com tanta
intensidade que parece as vezes que tá brigando com você (rsrsrs). Mas no
fundo, é um leão manso (rsrs), um eterno romântico e apaixonado por essa arte
fascinante que é o cinema. Sempre o admirei e tenho a honra de hoje poder dizer
que sou amigo desse ser iluminado, que só parece ser ranzinza (rsrs), e que
ajuda demais a todos que ele vê que amam cinema que nem ele. Continue sendo
esse cara nota mil mestre Marião! Sou teu fã!
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
É difícil dizer qual minha sala preferida pois depende muito
do tipo de filme que eu vou ver. Por exemplo, se quero ver um blockbuster, que
vai ter efeitos especiais e que tenha tela imensa eu prefiro ver no Imax, no UCI Barra Shopping. Mas minha escolha da sala passa pelo tipo de
filme que eu quero assistir.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Help! Vi no Metro Tijuca. Deveria ter uns 5 ou 6
anos. Me encantei na hora. Naquela época, tinha cortina vermelha, abria cortina,
tinha todo um aparato, tinha um jornal. Era realmente um programa. Não era só
ver um filme e sair correndo. Inclusive foi o primeiro filme que vi no cinema.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Eu não consigo definir. Depende muito da semana. Tem semanas
que eu fico louco com Alfred Hitchcock,
aí passa um pouquinho é com Bergman,
aí passa de novo é com Fellini. Eu
não consigo escolher um diretor favorito e um filme favorito dele. Depende
muito do meu estado de espírito, de como estou naquela época. Tem época que
estou mais pra Woody Allen, outra
pra Orson Welles, outra mais pra Truffaut, Scorsese... tem época que tô
mais pra Glauber Rocha, Claudio Assis...
Depende. Não consigo escolher um diretor e um filme favorito. Depende do meu
estado de espírito.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
A mesma coisa que a pergunta anterior. Depende muito. Meus
filmes favoritos mudam a cada estação, e depois voltam a ser favoritos de novo.
Não tem como eu dizer uma escolha. Só posso dizer o motivo: depende do meu
estado do espírito.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Olha, difícil explicar isso. Acho que para cada pessoa é uma
coisa. Pra mim, ser cinéfilo desde pequeno quando foi me apresentado ao cinema
e um prazer imenso estar em um cinema. É uma diversão mesmo. Conforme o tempo
foi passando, foi entrando também o trabalho da análise, um trabalho de tema,
de reflexão, você começa a ver naqueles personagens, naqueles filmes, (dependendo
obviamente dos filmes que você está assistindo) sua própria vida, pessoas,
amigos, coisas que você lê, história, geografia, ciências. Então, cinéfilo pra
mim não tem uma definição única. A primeira coisa é gostar de cinema. Mas não
há uma frase que defina.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Se você tem uma sala que é exclusivamente para o cinema
comercial, de entretenimento, óbvio que alguns filmes entrarão ali independente
se tiver uma pessoa escolhendo. Isso funciona muito mais para os pequenos
cinemas. Para as grandes redes, não funciona muito. As grandes redes vão
abocanhar o mercado, querem os filmes da Marvel, da DC, um blockbuster...
Agora, nas salas menores você precisa ter um olhar diferente que fogem um pouco
dessa maneira de pensar. Eu acho que tiveram boas pessoas nessas salas sim, as
escolhas do MAM foram boas, do Joia, do Cine Casal, do Adailton.
Tivemos pessoas que entendem nesses lugares.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
O cinema nunca vai acabar. É como falavam do vinil, que ia
acabar e nunca acabou. Como dizem que o jornal impresso vai acabar, não vai
acabar. Dizem que os livros iam acabar por causa da chegada do Kindle, não vai acabar. Podem diminuir
mas acabar não vai acabar.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Fica complicado de indicar um filme. Obviamente que os meus
colegas cinéfilos e os meus colegas de profissão, e até apaixonados por cinema
devem ter visto as maiorias dos filmes que estão sendo indicados aqui, mas um
filme que eu acho que pouca gente viu foi o Bad Boy Bubby. Acho um filme bem interessante. Mas posso indicar
vários outros: os filmes da Troma,
filmes do Vincent Gallo, a lista é
enorme de filmes que são muito bons mas que poucos assistiram porque acabam não
tendo chance nesse mercado, porque o circuito acaba privilegiando as grandes produções.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Acho que as salas de cinema podem reabrir sim, com segurança
não vejo problema. Mas tem que ser segurança mesmo. Diminuir a capacidade, não deixar
ninguém comer pipoca, todo mundo de máscara, teremos que ter o lanterninha para
tomar conta das pessoas.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Eu acho a qualidade do cinema brasileiro muito boa. Não acho
só atualmente não. O Brasil tem várias épocas muito boas. Nos anos 50, 60, 70,
80, 90...enfim. Eu acho a qualidade muito boa sim. Temos muitos cineastas de
qualidade agora e em outras épocas.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Tem dezenas de artistas brasileiros que eu não gosto de
perder um filme. Mas se formos falar dos atuais, atuais, mesmo que estão
fazendo cinema agora, seria pra mim o Claudio
Assis.
12) Defina cinema com
uma frase:
O cinema é o ar que eu respiro.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Já tive dezenas. Já teve uma vez, que eu estava no Leblon 1 onde teve um
assalto dentro do cinema, e eu estava lá dentro vendo um filme policial (rsrsrs). Parece
até uma metalinguagem né?
Já tive também numa sala de cinema que eu senti algo na
perna e percebi que era um cara enroscando a perna dele em mim. Um senhor de
idade fazendo isso, querendo me apalpar (rsrsrs). Aí eu falei: “meu amigo, para
com isso por favor!” Aí ele ficou cheio de vergonha e foi embora.
E também teve uma vez que eu fui assistir a um filme no
Cinemark, logo quando o Cinemark abriu aqui no Brasil tinham sessões meio-dia e
meia. Aí fui assistir a um filme dessas sessões lá, e começou o filme e só
tinha eu e outra pessoa. Duas pessoas na sessão de meio-dia. Aí começou o filme
a pessoa que também estava na sala, se aproximou e sentou do meu lado. Naquela
sala de 200 lugares, tomei um susto! Aí a pessoa: “tô com muito medo de ficar
nessa sala aqui sozinha. Será que eu posso ficar do seu lado?”. Era um filme de
terror. Aí eu disse: “tudo bem mas é pra
assistir ao filme ein?!” Depois viramos até amigos.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Eu não tenho esse problema com o Cinderela Baiana não. Cheio de problemas, cheio de defeitos mas
torna o filme engraçado. Eu tenho mais problema com cineasta pretensioso. Em Cinderela Baiana não vejo pretensão
nenhuma. A não ser realizar um filme comercial de diversão. Tem problemas? Tem.
Tem muita coisa ruim? Tem. Mas acho muito pior aqueles caras metidos a
intelectuais que fazem um filme completamente pretensioso e cheio de erros também.
Isso que acho muito pior. Defino Cinderela
Baiana como uma diversão. Não concordo com esse folclore que criaram com o
filme. É o mesmo que criaram com o Ed
Wood.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
A história já comprovou que diretores de cinema são pessoas
que amam cinema. São dezenas e dezenas de exemplos. Eu não vejo ninguém querendo
estar em uma profissão e fazer sucesso nela sem gostar. Imagina um médico que
não gosta de medicar? Imagina um cara que vai ser jogador de futebol e não
gostar de futebol? Impossível ser um diretor de cinema e não gostar de ver
filmes. Isso não existe. É impossível. Quem fala algo assim obviamente está
criando um folclore em cima do nome. Todo grande cineasta assiste a filmes e
gosta de cinema e não para de ver cinema. Essa é a grande verdade! É uma incoerência
dizer que um diretor de cinema não é cinéfilo. É óbvio que ele é cinéfilo!
Agora, existem graus e graus de cinefilia. Isso que você pode questionar.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Como não consigo escolher o melhor, também não consigo
escolher o pior. Essas listas vão mudando a todo tempo. Eu não tenho um filme
assim que eu odeie tanto. Só de ter tido o prazer de entrar no cinema, assistido
um filme, passar por aquele cerimonial todo, ou mesmo assistindo em casa, eu
não consigo ver o melhor ou o pior filme. Essas listas mudam a cada momento da
sua vida, conforme você vai vivendo, conforme o estado de espírito que você
está.
17) Indique um
documentário:
Documentários tem milhares. Mas para citar um: Hearts of Darkness: A Filmmaker's
Apocalypse. Acho que é um documentário interessante, que mostra como foi o
processo do filme Apocalipse Now. A
gente aprendi muito, passa por todas as etapas, tem as entrevistas... acho um
grande documentário para se falar de cinema, o que passa com um cineasta, o
processo de criação.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim. Já bati palmas diversas vezes em sessões. Não vejo
problema nenhum. Filmes que te emocionam, te tocam muito. Não é um hábito
porque não é todo filme que te dá vontade de fazer isso. Não só no Brasil mas
nos festivais pelo mundo.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Você faz essa brincadeira com o Nicolas Cage porque ele realmente tem feito muitas escolhas ruins.
Mas ele tem ótimos filmes, grandes filmes. Se for procurar lá atrás: Asas da Liberdade (Birdy), Peggy Sue,
Arizona Nunca Mais, Feitiço da Lua, poxa...é muito filme maneiro! Muito
filme legal! Eu não tenho problema com o Nicolas
Cage não. Só acho que realmente ele começou a fazer escolhas erradas como
vários atores e atrizes que fazem. São escolhas para ganhar dinheiro rapidamente.
Talvez se pegue um pouco no pé dele porque é um desperdício, porque já mostrou
que tem talento. Mas eu não tenho problema com ele não, nem com nenhum artista.
Cada um sabe da sua vida.
Se eu fosse escolher um filme do Nicolas Cage só, seria o Coração
Selvagem, pois gosto muito do David
Lynch. Acho o filme maravilhoso, ganhador da Palma de Ouro em Cannes.
E tem uma grande atuação do Cage e
de todo o elenco, uma direção maravilhosa do Lynch.
20) O que é mais
difícil, ser crítico de cinema ou diretor de cinema?
Ambos são difíceis. Depende da maneira que você está, o que
você está fazendo e pra onde você está fazendo. Diretor de cinema depende: tá fazendo filme para um estúdio? Uma produção independente? Então, depende. A
mesma coisa a crítica de cinema: é um blog seu? Ou você está escrevendo para um
grande veículo que você é funcionário? Eu vejo dificuldades e prazeres em ambas
as funções. Não vejo uma coisa mais difícil que a outra não. Você tem que te
rum dom, talento e muita força de vontade para aprender em ambos. Ser crítico
de cinema, você tem que saber de tudo que está acontecendo, estudar a
filmografia inteira daquele diretor que você vai assistir, não basta você assistir
a um único filme dele. O crítico de cinema ele demora anos e anos vendo filmes,
analisando, lendo livros estudando para isso. O diretor de cinema também,
analisando planos, sequências, assistindo a outros trabalhos e ter a sua
criatividade própria. Ter um bom texto é talento também, tem que ter
criatividade. São duas coisas diferentes mas não vejo assim: um é mais difícil
que o outro. Depende muito do seu estado de espírito e do que você está
fazendo.
21) Com que artista
gostaria de bater um papo sobre cinema e porquê?
Ah, são dezenas. Dezenas de artistas que gostaria de bater
um papo. Gostaria de bater papo com Alfred
Hitchcock, adoraria conversar com Orson
Welles...com o Bergman. A gente
assiste a muitos documentários sobre essas pessoas. Só que o documentário acaba
sendo o olho do documentarista e as pessoas que falam que tiveram relação
pessoal ou profissional. Então não tenho um preferido. Eu queria falar com
todos eles! (rsrsrsrs) Porque eu amo cinema!
22) Se você tivesse
um cinema, qual seria o nome dele?
Olha, é complicado. Dependeria muito da cidade que você estaria
morando. Se teria patrocinadores ou não, isso tudo influencia. Mas eu
procuraria fazer um nome que expressasse liberdade e livre, que ali não teria
nenhum tipo de preconceito, amarras, que seria uma coisa de liberdade total de
expressão para todos e para todas, para todo mundo. Não seria Cine Livre (até
seria legal), mas dependendo da cidade e do patrocinador, eu juntaria as
palavras com essa ideia de liberdade, de independência, de autonomia, de que
ali você não vai ter gente tentando censurar ou proibir. Que qualquer tipo de
filme e formato fosse exibido ali.