01/09/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #75 - Felipe Cataldo


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

Nosso entrevistado de hoje é diretor, roteirista e professor de Cinema. Felipe Cataldo atualmente está em fase de finalização de Benjamin Zambraia e o Autopanóptico, seu primeiro longa-metragem, com produção da Cavídeo. Dirigiu curtas-metragens com repercussão em festivais e mostras dentro e fora do Brasil como Cambridge Super-8 International Film Festival (Inglaterra), Festival des Cinémas Différents et Expérimentaux de Paris, Jaipur International Film Festival (Índia), Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Curta Santos, Super-Off, Curta-8, Mostra do Filme Livre, entre outros, tendo sido premiado em 2007 no Curta Cinema - Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro e em 2008 no FLÔ - Festival do Livre Olhar de Porto Alegre. Os filmes também circularam no âmbito das Artes Plásticas, sendo exibidos em eventos como Jardim Suspenso no Morro da Babilônia, SESC Noites Cariocas Arte 24 Horas, Abre Alas - Galeria A Gentil Carioca, Jogos de Guerra - Memorial da América Latina (São Paulo), SPA - Semana Pernambucana de Artes (Recife) e Rede FUNARTE Artes Visuais (Belém). Também atua como professor de Cinema e Linguagem Audiovisual em diversos projetos sociais e ações culturais por todo o Brasil. Em 2013, lançou pela Editora Verve o livro 22 com fotografias em preto-e-branco e poemas.

Obs: meu querido irmão cinéfilo. Tantas noites quase madrugadas falando de cinema nos eventos do Cine Joia em Copacabana. Como é bom de falar de cinema com Cataldo, um cara que ama essa arte de forma tão bonita e intensa! Um dos grandes cinéfilos que conheço.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

As programações de circuito comercial de Cinema que mais me interessam geralmente entram em cartaz no Espaço Itaú e no Estação Botafogo, ambos localizados em Botafogo. Sou amante incondicional do cinema estadunidense, sem dúvida, mas também sou igualmente amante do Cinema europeu, asiático e latino-americano (infelizmente conheço pouco do Cinema feito na África e na Oceania), e dificilmente esses filmes entram em cartaz nas salas de shopping ou mais voltadas à cultura pop. Mas confesso que, mesmo antes da pandemia, estava indo pouco ao Cinema e assistindo mais filmes em casa mesmo, infelizmente. Só que a saudade tá grande! De fato é deveras acalentador estar numa sala de Cinema e mergulhar em um filme com toda a propriedade, numa viagem de imersão para dentro da gente mesmo através da obra, da Arte. Saudade dessa mágica! Também sou frequentador assíduo da Cinemateca do MAM, onde faço a curadoria de um cineclube desde 2016 (CineMAM), do Centro Cultural Banco do Brasil e da Caixa Cultural, que infelizmente está ameaçada de fechar, seguindo essa trilha desoladora de desaparelhamento cultural promovida pelo atual governo.

 

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

A lembrança mais forte que tenho de Cinema na infância foi em 1988, eu então com sete anos de idade, quando meus pais me levaram para assistir aos meus ídolos em O Casamento dos Trapalhões de José Alvarenga Jr no Art Palácio, que ficava localizado na Praça Saens Peña, na Tijuca (hoje Leader Magazine). Tenho a lembrança de ter visto também alguns filmes estrangeiros como S.O.S. - Tem um Louco no Espaço de Mel Brooks (Spaceballs), Esqueceram de Mim de Chris Columbus (Home Alone), entre outros. Mas não tive o mesmo elã e hoje sei por quê: eu não estava ouvindo a minha língua dentro do Cinema. E isso não é pouca coisa, não.

 

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

 

Essa pergunta é irrespondível.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Primeiramente eu não gosto da nomenclatura "nacional" porque ela é imprecisa e pode ter interpretações equivocadas. Mas acho que meu filme brasileiro favorito é Hitler IIIo Mundo de José Agrippino de Paula. Assisti durante a Mostra Meu Filme Único realizada pro Barbara Kahane e Monique Cruz na Caixa Cultural, reiterando mais uma vez que trata-se também de um espaço de formação e que não deve ser desmantelado. Achei o filme uma loucura! Imagens que ricocheteiam dentro da cabeça formando um mosaico louco e alegórico da humanidade.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Uma tara.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não, caso contrário não veríamos de forma recorrente casos de multiplex com diversas salas passando um filme só, o que pra mim deveria até ser inconstitucional (se não o é e as pessoas não respeitam). Mais uma vez eu digo, amo o Cinema feito nos EUA, adoro filme de super-herói, sou consumidor de cultura pop, tudo isso. Mas existem mais coisas por aí, e sou a favor da diversidade sempre. Não só no Cinema, como também na vida.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

As salas comercias de Cinema eu não sei, espero do fundo do meu coração que isso nunca aconteça. Se acabarem, nos restarão somente as salas de centros culturais para satisfazer nossos desejos de ver filme em sessão. A não ser que esse processo de assassinato cultural se estenda em proporções estratosféricas, extinguindo-os também por completo. Penso também na possibilidade das empresas de streaming como Netflix e Amazon terem suas próprias salas para exibirem seus conteúdos em sessões coletivas, na verdade ano passado ouvi um papo de que isso já estava sendo estudado por elas inclusive.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Abaixo a Gravidade de Edgard Navarro.

 

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Sim, afinal já abriram bares, restaurantes, lojas, shoppings e tantos outros serviços. Mas eu não vou.

 

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Gosto de muitos filmes produzidos no Brasil no século XXI, porém sentiremos certamente um impacto negativo nos próximos anos devido à paralisação da ANCINE por parte do Governo Federal desde o ano passado. O Brasil estava em ascensão com seu Cinema, vide Bacurau em Cannes, por exemplo. Mas infelizmente esse processo foi interrompido. Uma crítica que tenho é que falta ao Cinema brasileiro apostar em filmes populares de gênero para enfim estar amalgamado com a população. Filmes de ação mesmo, ou de terror, de aventura, de suspense... Minha opinião é que existe uma certo mecanismo engendrado de se produzir filmes voltados à festivais internacionais, os chamados "filme-cabeça", que circulam um pouquinho, passam uma ou outra vez na TV fechada e depois é como se nunca tivesse existido. Eu, sinceramente, tenho cada vez menos paciência pra ver esse tipo de filme.

 

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Edgard Navarro, sempre!

 

 

12) Defina cinema com uma frase:

Vou responder com a tradicional frase do Cachaça Cinema Clube: "O cinema é a minha cachaça".

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Vou contar uma história que aconteceu comigo no próprio Cachaça Cinema Clube, na minha opinião o melhor cineclube de todos os tempos, com sessões mensais de curtas no Cine Odeon, que para quem não conhece é um cinema de 550 lugares localizado na Cinelândia. Era uma sessão de aniversário, então estava mais do que lotado. Decidiu-se por fazer uma segunda sessão logo em seguida, para quem não havia conseguido entrar na primeira. O procedimento do cineclube era distribuir doses de cachaça para degustação após as sessões, para que as pessoas circulassem pelo espaço, que ainda contava depois com festa, música, DJs e até bandas. Pois bem, nessa sessão de aniversário do cineclube eu não consegui entrar na primeira sessão, mas já estava bebendo a cachaça com todo mundo na saída. Quando entrei para a segunda sessão, já levemente alcoolizado, vi o Odeon lotado e em silêncio. Achei estranho. Uma das organizadoras subiu no palco e falou ao microfone que estavam rebobinando os filmes (eles exibiam em película, tanto 35mm quanto 16mm) e que em dez minutos a sessão estaria no ponto para começar. Não sei o que deu na minha cabeça que, assim que ela desceu, eu subi no palco e peguei o microfone: "Se temos dez minutos vou preencher o tempo falando poesia!". Assim que comecei a falar, o segurança subiu no palco, e eu estava tão louco que ainda "fiz o cara de escada", fiquei tipo "contracenando" com ele de forma inconsequente: "Ele tá armado! Ele vai me matar! Meu sonho vai se tornar realidade, vou morrer em cena!". Otávio Terceiro, meu mestre e guru, levantou-se e com sua voz inconfundível falou: "Deixa o rapaz falar, o que ele está falando aí é muito importante". Nisso o público começa a gritar em coro: "Poeta! Poeta!". A organizadora do evento subiu no palco com os olhos arregalados e falou: "Você vai continuar?", e eu de súbito respondi: "Não, já tô satisfeito", arrancando uma gargalhada final do público. Sentei-me ao lado do Otávio e assisti à sessão com o coração disparado, saindo pela boca. E depois, festa! Ai, ai, quanta juventude...

 

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Nunca vi. Mas sei que é o filme que lançou Lázaro Ramos, apesar disso não ser muito comentado por aí.