O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de hoje é diretor, roteirista e professor
de Cinema. Felipe Cataldo atualmente está em fase de finalização de Benjamin Zambraia e o Autopanóptico, seu primeiro
longa-metragem, com produção da Cavídeo.
Dirigiu curtas-metragens com repercussão em festivais e mostras dentro e fora
do Brasil como Cambridge Super-8 International Film Festival (Inglaterra),
Festival des Cinémas Différents et Expérimentaux de Paris, Jaipur International
Film Festival (Índia), Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Curta Santos,
Super-Off, Curta-8, Mostra do Filme Livre, entre outros, tendo sido premiado em
2007 no Curta Cinema - Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro e em
2008 no FLÔ - Festival do Livre Olhar de Porto Alegre. Os filmes também
circularam no âmbito das Artes Plásticas, sendo exibidos em eventos como Jardim
Suspenso no Morro da Babilônia, SESC Noites Cariocas Arte 24 Horas, Abre Alas -
Galeria A Gentil Carioca, Jogos de Guerra - Memorial da América Latina (São
Paulo), SPA - Semana Pernambucana de Artes (Recife) e Rede FUNARTE Artes
Visuais (Belém). Também atua como professor de Cinema e Linguagem Audiovisual
em diversos projetos sociais e ações culturais por todo o Brasil. Em 2013,
lançou pela Editora Verve o livro 22
com fotografias em preto-e-branco e poemas.
Obs: meu querido irmão cinéfilo. Tantas noites quase
madrugadas falando de cinema nos eventos do Cine Joia em Copacabana. Como é bom
de falar de cinema com Cataldo, um cara que ama essa arte de forma tão bonita e
intensa! Um dos grandes cinéfilos que conheço.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
As programações de circuito comercial de Cinema que mais me
interessam geralmente entram em cartaz no Espaço
Itaú e no Estação Botafogo,
ambos localizados em Botafogo. Sou amante incondicional do cinema
estadunidense, sem dúvida, mas também sou igualmente amante do Cinema europeu,
asiático e latino-americano (infelizmente conheço pouco do Cinema feito na
África e na Oceania), e dificilmente esses filmes entram em cartaz nas salas de
shopping ou mais voltadas à cultura pop. Mas confesso que, mesmo antes da pandemia,
estava indo pouco ao Cinema e assistindo mais filmes em casa mesmo,
infelizmente. Só que a saudade tá grande! De fato é deveras acalentador estar
numa sala de Cinema e mergulhar em um filme com toda a propriedade, numa viagem
de imersão para dentro da gente mesmo através da obra, da Arte. Saudade dessa
mágica! Também sou frequentador assíduo da Cinemateca
do MAM, onde faço a curadoria de um cineclube desde 2016 (CineMAM), do
Centro Cultural Banco do Brasil e da Caixa Cultural, que infelizmente está
ameaçada de fechar, seguindo essa trilha desoladora de desaparelhamento
cultural promovida pelo atual governo.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
A lembrança mais forte que tenho de Cinema na infância foi
em 1988, eu então com sete anos de idade, quando meus pais me levaram para
assistir aos meus ídolos em O Casamento
dos Trapalhões de José Alvarenga Jr
no Art Palácio, que ficava
localizado na Praça Saens Peña, na Tijuca (hoje Leader Magazine). Tenho a
lembrança de ter visto também alguns filmes estrangeiros como S.O.S. - Tem um Louco no Espaço de Mel Brooks (Spaceballs), Esqueceram de
Mim de Chris Columbus (Home Alone), entre outros. Mas não tive
o mesmo elã e hoje sei por quê: eu não estava ouvindo a minha língua dentro do
Cinema. E isso não é pouca coisa, não.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Essa pergunta é irrespondível.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Primeiramente eu não gosto da nomenclatura
"nacional" porque ela é imprecisa e pode ter interpretações
equivocadas. Mas acho que meu filme brasileiro favorito é Hitler IIIo Mundo de José
Agrippino de Paula. Assisti durante a Mostra
Meu Filme Único realizada pro Barbara
Kahane e Monique Cruz na Caixa
Cultural, reiterando mais uma vez que trata-se também de um espaço de formação
e que não deve ser desmantelado. Achei o filme uma loucura! Imagens que
ricocheteiam dentro da cabeça formando um mosaico louco e alegórico da
humanidade.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Uma tara.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Não, caso contrário não veríamos de forma recorrente casos
de multiplex com diversas salas passando um filme só, o que pra mim deveria até
ser inconstitucional (se não o é e as pessoas não respeitam). Mais uma vez eu
digo, amo o Cinema feito nos EUA, adoro filme de super-herói, sou consumidor de
cultura pop, tudo isso. Mas existem mais coisas por aí, e sou a favor da
diversidade sempre. Não só no Cinema, como também na vida.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
As salas comercias de Cinema eu não sei, espero do fundo do
meu coração que isso nunca aconteça. Se acabarem, nos restarão somente as salas
de centros culturais para satisfazer nossos desejos de ver filme em sessão. A
não ser que esse processo de assassinato cultural se estenda em proporções
estratosféricas, extinguindo-os também por completo. Penso também na
possibilidade das empresas de streaming como Netflix e Amazon terem
suas próprias salas para exibirem seus conteúdos em sessões coletivas, na
verdade ano passado ouvi um papo de que isso já estava sendo estudado por elas
inclusive.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Abaixo a Gravidade
de Edgard Navarro.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Sim, afinal já abriram bares, restaurantes, lojas, shoppings
e tantos outros serviços. Mas eu não vou.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Gosto de muitos filmes produzidos no Brasil no século XXI,
porém sentiremos certamente um impacto negativo nos próximos anos devido à
paralisação da ANCINE por parte do Governo Federal desde o ano passado. O
Brasil estava em ascensão com seu Cinema, vide Bacurau em Cannes, por exemplo. Mas infelizmente esse processo foi
interrompido. Uma crítica que tenho é que falta ao Cinema brasileiro apostar em
filmes populares de gênero para enfim estar amalgamado com a população. Filmes
de ação mesmo, ou de terror, de aventura, de suspense... Minha opinião é que
existe uma certo mecanismo engendrado de se produzir filmes voltados à
festivais internacionais, os chamados "filme-cabeça", que circulam um
pouquinho, passam uma ou outra vez na TV fechada e depois é como se nunca
tivesse existido. Eu, sinceramente, tenho cada vez menos paciência pra ver esse
tipo de filme.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Edgard Navarro,
sempre!
12) Defina cinema com
uma frase:
Vou responder com a tradicional frase do Cachaça Cinema Clube: "O cinema é
a minha cachaça".
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Vou contar uma história que aconteceu comigo no próprio
Cachaça Cinema Clube, na minha opinião o melhor cineclube de todos os tempos,
com sessões mensais de curtas no Cine Odeon, que para quem não conhece é um
cinema de 550 lugares localizado na Cinelândia. Era uma sessão de aniversário,
então estava mais do que lotado. Decidiu-se por fazer uma segunda sessão logo
em seguida, para quem não havia conseguido entrar na primeira. O procedimento
do cineclube era distribuir doses de cachaça para degustação após as sessões,
para que as pessoas circulassem pelo espaço, que ainda contava depois com
festa, música, DJs e até bandas. Pois bem, nessa sessão de aniversário do
cineclube eu não consegui entrar na primeira sessão, mas já estava bebendo a
cachaça com todo mundo na saída. Quando entrei para a segunda sessão, já
levemente alcoolizado, vi o Odeon lotado e em silêncio. Achei estranho. Uma das
organizadoras subiu no palco e falou ao microfone que estavam rebobinando os
filmes (eles exibiam em película, tanto 35mm quanto 16mm) e que em dez minutos
a sessão estaria no ponto para começar. Não sei o que deu na minha cabeça que,
assim que ela desceu, eu subi no palco e peguei o microfone: "Se temos dez
minutos vou preencher o tempo falando poesia!". Assim que comecei a falar,
o segurança subiu no palco, e eu estava tão louco que ainda "fiz o cara de
escada", fiquei tipo "contracenando" com ele de forma
inconsequente: "Ele tá armado! Ele vai me matar! Meu sonho vai se tornar
realidade, vou morrer em cena!". Otávio Terceiro, meu mestre e guru,
levantou-se e com sua voz inconfundível falou: "Deixa o rapaz falar, o que
ele está falando aí é muito importante". Nisso o público começa a gritar
em coro: "Poeta! Poeta!". A organizadora do evento subiu no palco com
os olhos arregalados e falou: "Você vai continuar?", e eu de súbito
respondi: "Não, já tô satisfeito", arrancando uma gargalhada final do
público. Sentei-me ao lado do Otávio e assisti à sessão com o coração
disparado, saindo pela boca. E depois, festa! Ai, ai, quanta juventude...
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Nunca vi. Mas sei que é o filme que lançou Lázaro Ramos, apesar disso não ser
muito comentado por aí.