16/12/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #215 - Roberta Mathias


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, do Rio de Janeiro. Roberta Mathias é Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin (Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Escolheria uma recém-fechada: Cine Joia, em Copacabana. Sala na qual vi meus primeiros filmes projetados.  Uma sala que passou por diversas transformações ao longo dos anos e foi resgatada em meados dos anos 2000 por entusiastas.Conseguiu sobreviver até a pandemia com programação diversa contando com mostras de cinemas, shows,saraus... Entendeu a sala como espaço de encontro e possibilidade de trocas. Que ao Cine Joia ainda restem 5 vidas. Ainda cito como menção honrosa o lindo trabalho da Ponto Cine de resgate e formação de audiência para o cinema nacional.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Nosthalgia, Andrei Tarkovsky. Meu pai era cinéfilo (a polêmica aqui pode ser: não me considero como tal). Ele tinha um amigo de quem pegava entre duas ou três fitas por semana após sua aposentadoria. Estava passando por acaso em seu escritório e parei na frente da Tv com a sequência da piscina. Tinha entre 6 e 7 anos e pensei exatamente isso: Isso é completamente diferente de tudo o que vi. A situação foi repetida em meu primeiro ano de cinema, já em uma faculdade quando o professor de som resolveu passar o filme.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Pergunta muito difícil e que muda quase diariamente. HOJE e para as suas sequências de perguntas(rs), eu diria: Cinema Paradiso, Bem-vindo à Casa de Bonecas e O Pântano porque tiveram papéis importantes em minha formação audiovisual. Mas não sei, por exemplo, se diria que os três diretores seriam meus favoritos. Certamente, a Lucrecia Martel integra uma possível lista porque abriu meus olhos definitivamente para o cinema latino-americano (pelo qual tenho particular interesse) ...

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Outra pergunta dificílima (e agora você percebe que não consigo responder diretamente a perguntas sobre cinema). Acho que adotarei a mesma tática da resposta acima, HOJE Macunaíma : por tudo o que representa para a cultura nacional; Edifício Master :porque o Coutinho me apresentou a uma outra forma de cinema documental que pode ter influenciado minha mudança de trajetória profissional e Sinfonia da Necrópole da Rojas e Temporada do Novaes: por anunciarem um novo cinema nacional que muito me interessa.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Como disse anteriormente, não me considero cinéfila. Talvez precise de um desprendimento que não tenho. Um poder transitar por entre linguagens e temáticas que não possuo. Acredito que meu pai o fosse, pois se interessava por cinema em geral e todos seus formatos. Quase como um colecionador. Por mais amplos que sejam meus interesses e minha paixão pelo cinema, acho que existe um espectro pelo qual decido caminhar.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acredito que no “entender de cinema” existe uma gama vasta de possibilidades. A sala precisa dialogar com o espectador. Acredito que, quando ela o faz, cumpre seu papel. Por isso, o programador pode exercer um papel de mediador, procurando entender o que a sala permite para aquele espaço específico (bairro, cidade, país na qual a sala está localizada) e o que seria de interesse do público. É claro que algumas salas se transformam em entidades e começam a atrair a um público específico a partir de sua própria programação, o que também pode ser bonito de se ver.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

O cinema é uma técnica em transformação. Vou usar o exemplo da fotografia. Comecei a fotografar profissionalmente antes de me envolver com cinema- apesar da paixão pelo cinema ter vindo antes. Quando comecei, peguei a rebarba da fotografia analógica e início da fotografia digital no país. Fiz minha formação no SESC ainda com um laboratório super ativo e com a fotografia analógica como parte de metade do curso. Logo depois, isso desapareceu, mas voltou como vintage ou linguagem artística. Então, não acredito que as salas irão acabar. Acho que elas irão se modificar e dar espaços para outros formatos de exibição como já vem acontecendo. Mas, é complicado fazer um exercício de futurologia. As coisas, os conceitos e os sentimentos estão em constante modificação.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram, mas é ótimo.

Acredito que esse conteúdo será lido por iniciados, não é? rs Eu gosto muito do deixar-se ser contradição que é o Raúl Perrone. Um dos meus diretores em atividade favoritos e sempre citado. Então, para quem me conhece não será exatamente uma surpresa...

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Bem direta. rs Mas posso desenvolver um pouco... Antes de tudo temos uma responsabilidade social e não podemos nos distanciar dela. O Brasil é um país que vive uma crise em quase todos os possíveis sentidos da palavra. Não precisamos de uma crise sanitária. O que não significa que eu seja contra o consumo e a divulgação dos cinemas ante da vacina. Sou extremamente entusiasta do conteúdo distribuído por meios virtuais. É outra coisa? É. Mas é o mais seguro e responsável nesse momento.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Acho que o cinema brasileiro vem criando novas identidades desde meados dos anos 2000 e isso é motivo de comemoração para qualquer amante de cinema. Como disse em outra pergunta, gosto muito do cinema feito pela Juliana Rojas, pelo André Novais, pela Plano3 Filmes e um “novo, novo” cinema recifense que vem nascendo... Me parece um cinema que olha mais para dentro de nossas feridas, não como um olhar de denúncia – porque já sabemos os erros que cometemos na tentativa de construção de uma identidade nacional-, mas como um olhar de urgência. Essa me parece a postura a ser tomada diante de algumas questões. Emergência é a palavra e, se o cinema puder ajudar nisso, um tanto melhor. Sem perder a sensibilidade, melhor ainda. E, sinto um tanto disso nas referências citadas. Mas tem muita gente boa que não entrou...

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Não sei mesmo...

 

12) Defina cinema com uma frase:

Possibilidades.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Depende do gênero favorito. Já vi gente abrir garrafa de espumante e sacar da bolsa salada de frutas, geléia de damasco e torradinhas (estavam ao meu lado e fiz questão de olhar o sabor), mas a que conto sempre é a experiência de ver Dançando no Escuro na pré-estreia do Festival do Rio em um Odeon novinho. O filme acabou: metade da plateia em prantos e a outra metade permaneceu estatelada nas cadeiras.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Beleza, graça e ironia brasileiras. Típico caso: Quando transformam o filme em algo melhor que ele mesmo. Não, à toa, somos campeões em memes. 

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não. Rs.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Não me lembro. Memória seletiva. Rs Sério. Se não gosto, deleto porque o HD já está cheio demais.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Edifício Master para ser coerente com a resposta anterior (mas é possível que eu já citasse um outro Coutinho aqui se essa entrevista fosse presencial).

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Não.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

 

Coração Selvagem e Adaptação dividem o posto.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Sem querer  fazer "oba-oba" para os colegas, a Revista Rebeca. É conteúdo acadêmico, mas é para falar a verdade, né? rs

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