04/01/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #235 - João Neto


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Bauru (São Paulo). João Neto é formado em jornalismo e mestrando em Comunicação Social pela Unesp Bauru, fundador do site Cineratus (@cineratus no Instagram).

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Cidade no interior e poucas opções, se tratando de Brasil, são quase sinônimos. Mas o que acaba ajudando, para além dos multiplex, são as sessões de cinema do CineSesc, que tem uma curadoria bastante acertada. Acho que no fim acabo tendo a chance de rever boa parte de filmes clássicos na programação do Sesc e conhecendo alguns que ficariam fora do meu radar.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Acho que foi com o Superman do Richard Donner, numa sessão especial que tive a sorte de ir quando tinha meus 13 anos. Eu já gostava do personagem, mas descobrir esse filme, em tela grande, foi impactante. Fiquei emocionado, me marcou tanto que consigo lembrar do cheiro de pipoca daquele dia e do meu padrasto, sentado ao meu lado, também maravilhado. Saudades desse dia.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Acho que esse é o tipo de coisa que vai mudando ao longo da vida, mas hoje, sem dúvida alguma é Wong Kar Wai. A cinematografia dele, de forma geral, me agrada em tudo, não tem nenhum filme que seja minimamente interessante. Mas, Amor à Flor da Pele, é sem dúvida alguma o meu favorito. O trabalho tão delicado e ao mesmo tempo estilizado, me marcou profundamente quando vi pela primeira vez e ainda mexe comigo toda vez que revisito a obra.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Edifício Master do Eduardo Coutinho. Acho que esse é um daqueles casos que muda de tempos em tempos também, mas hoje, esse documentário é um dos trabalhos mais completos e significativos que eu vi. As entrevistas com aqueles personagens, tão diferentes, voltados para um cosmos próprio de dilemas e anseios, é um retrato diferente e profundo das vidas naquele edifício. Coutinho por si só é um mestre inegável do documentário, aqui, junto com Jogo de Cena e Cabra Marcado Para Morrer, ele tem as obras num equilíbrio notório.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É aquela paixão inexplicável pelo cinema. Acredito que não dá pra mapear quando esse amor acontece, mas no fundo a gente sabe quando foi tocado pela sétima arte e que não tem mais volta. Ser cinéfilo é ser amante de cinema de forma incondicional.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feita por pessoas que entendem de cinema?

Infelizmente não, mas eu entendo que cinema também é um mercado e que precisa vender ingresso para existir. É uma pena que não existam pessoas engajadas com o cinema lidando com grandes salas em cinemas de shopping, mas a gente vive uma lógica mercadológica que é inevitável. Ainda assim, de vez em quando surgem alguns filmes selecionados com um olhar mais artístico e menos mainstream, o que já ajuda um pouco.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não sei dizer, não gosto de ser fatalista. O cinema já morreu diversas vezes ao longo da história, ou pelo menos teve seu fim decretado e, entretanto, ainda temos ele vivíssimo. Acredito que a forma como consumimos cinema vai mudar, outra coisa que é inevitável, mas as salas não vão deixar de existir. Elas podem até diminuir, afinal a partir do momento em que há uma mudança nos hábitos isso se reflete no mercado, mas continuarão a resistir, muito por conta dessa camada cinéfila e, de certa forma, preciosista.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Angel's Egg do Mamoru Oshii é um desses filmes que acaba passando despercebido, mas que é absurdamente fascinante. Tem um esmero visual que é presente na carreira do diretor e tão vago, profundo e simbólico que até me estranha que não tenha se tornado um clássico cult de forma espontânea. É indispensável!

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

É um tema complicado, né? Acho que se tivéssemos um governo sério e comprometido com a população a situação seria menos complexa. Falando por mim, eu não pretendo voltar ao cinema antes de uma vacina, mas não consigo ser contra a reabertura do cinema num momento em que praticamente tudo está funcionando dentro de uma certa "normalidade". Os donos de cinema também precisam comer, mas eu não me colocaria em risco nesse momento. Sinto falta de ir ao cinema, mas vou aguentando como posso. Que 2021 traga uma vacina!

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

É tão plural e tão robusto que é difícil falar de um cinema brasileiro, mas é preciso falar de vários. Eu gosto das variações de temática e forma que a gente tem num país como o Brasil porque revela a mesma diversidade de culturas, identidades e realidades que podemos observar do norte ao sul. Acho que hoje o maior problema seja a dificuldade em distribuir e exibir no país, tem tanta coisa que só vai para festival e não consegue chegar em grandes salas... Mas ao menos esse ano, com a pandemia e os festivais acontecendo de forma online, essa dificuldade acabou sendo minimizada.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Karim Ainouz. O último filme dele, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, é uma preciosidade, sem falar em trabalhos anteriores. Acho que tem muita coisa legal sendo feita no Brasil, muito artista interessante, mas Ainouz me ganha a cada nova produção.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é vida!

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Uma vez, em algum filme de super herói, não lembro qual, alguém soltou um spoiler do final do filme. A revolta da sala foi tanta que o rapaz foi escorraçado da sala sob chuva de pipoca e refrigerante. Talvez até tenha gravação disso no YouTube, nunca tinha visto nada igual.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Hahahahaha... precisa de mais?

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Acho que precisa entender de linguagem cinematográfica. Se considerar ou não cinéfilo não é necessariamente um requisito.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Que pergunta difícil, são tantos... Acho que vou de Samurai Cop, uma trahseira tão tosca que me deu uma vergonha sem tamanho.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Shoah, pesado, mas tão necessário e importante que é difícil não falar dele logo de cara.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Acho que sim, no momento de empolgação, a gente aplaude, assobia e até levanta para aplaudir em pé.  

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

A Outra Face. O curioso é que fui descobrir ele só recentemente e foi um desses casos em que a gente se pergunta porque ignorou o filme durante tanto tempo.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Acho que são três: a Revista Moviment, o Cinética e o Canto do Inácio. Recomendaria os três para quem se interessa por análises e críticas tão bem escritas que até assusta.