16/03/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #318 - Juliana Varella


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de São Paulo. Juliana Varella tem 33 anos, é jornalista especializada em jornalismo cultural e pesquisadora na área de ficção científica. Escreve sobre filmes desde 2009, somando experiências nos portais Guia da Semana, Cineclick e Veja online, no canal de Youtube Fala, Cinéfilo!, além de algumas divertidas participações no podcast Tem um Tigre no Cinema. Atualmente, escreve no site Caderno Jota e participa do podcast Cinefilia & Companhia.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Gosto muito do Reserva Cultural, que é um cinema pequenininho, mas sempre muito preocupado em trazer aqueles “achados”, que não estão passando em nenhum outro lugar. O Espaço Itaú do shopping Frei Caneca também tem uma programação ótima, e é um dos cinemas que mais recebem as sessões da Mostra (Internacional de Cinema de SP), uma verdadeira tradição de todo cinéfilo paulistano!

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Estava pensando nisso esses dias: lembro do impacto que foi assistir a Matrix nos cinemas, quando eu tinha meus 11, 12 anos. Eu sei, é um filme mainstream, mas foi a primeira vez em que me senti verdadeiramente impactada, que saí do cinema questionando tudo à minha volta – minhas escolhas, minhas ideias, minha realidade. É claro que, na época, eu tinha uma visão muito mais literal das questões colocadas pelas Wachowski, mas lembro que foi como um despertar: para o poder do cinema em influenciar a moda, o comportamento, os assuntos discutidos em mesas de bar; e para o poder da ficção científica em colocar em diálogo ficção e filosofia. Hoje, o gênero virou meu tema de pesquisa no mestrado.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Nunca tive um filme nem diretor favorito, mas atualmente gosto muito do Damien Chazelle (La La Land é só amor) e do Denis Villeneuve (A Chegada é uma das melhores coisas que vi nos últimos anos). Também tenho um carinho especial pela obra mais inicial do Tim Burton.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Gostei demais de As Boas Maneiras. É um filme com um quê de fábula de horror que toca em questões sociais de um jeito muito delicado. Adoro essa tendência contemporânea de filmes e séries explorando o lado fantástico das crenças brasileiras com uma ambientação urbana e atual.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Cinema sempre foi uma coisa muito rotineira para mim: meus pais sempre tiveram o hábito de ir comigo e com meu irmão ao cinema, ou assistir a filmes em casa, todo mundo junto na sala na sexta-feira à noite, sabe? Então levei muito tempo para perceber o quanto aquilo era importante. E por muito tempo vi as pessoas à minha volta considerando “cinéfilo” só aquele que vê absolutamente TUDO, e que conhece todos os clássicos, diretores e movimentos  – em outras palavras, o cinéfilo acadêmico. Mas para mim não é isso: cinéfilo é alguém que enxerga no cinema (seja na tela grande, seja na televisão de casa) algo tão essencial quanto comer, dormir ou trabalhar. Alguém que vê um filme e sente a necessidade de digeri-lo: pensar sobre ele, escrever ou conversar, entender onde ele se encaixa na sua vida e no mundo; ou apenas sentir, e levar esse sentimento para o restante da vida.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

“Entender” de cinema é uma armadilha, né? Pois cinema pode ser arte, mas também é parte de uma indústria de entretenimento. Sempre foi. E acredito que a maior parte dos cinemas que existem hoje, que são grandes redes em shoppings, têm a programação feita por pessoas que entendem de números nessa indústria de entretenimento. Elas não veem os filmes por sua qualidade técnica, inovação ou relevância, mas pelo potencial comercial, e sua programação agrada a quem busca justamente esse lado do cinema – o espetáculo, as grandes estrelas, as franquias, o riso fácil, o alívio no fim do dia. Faz parte, né? O importante é ter espaço para todos os tipos.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Algum dia, tudo vai acabar… Rs brincadeira. Mas acho que pode acabar sim. Não porque o público não vai querer mais, mas porque o mercado vai decidir que isso não é tão lucrativo, como aconteceu com as locadoras e talvez aconteça com as livrarias. Espero que não? Espero que não! Mas vai ser preciso uma parceria inteligente – e não a briga que está acontecendo – entre os streamings e os cinemas para que um deles não morra.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Olha, eu adorei Poderia me perdoar?, da Marielle Heller. É um drama bem sarcástico inspirado na história real de uma escritora que, sem conseguir emplacar seus livros, começa a falsificar cartas de escritores famosos e vendê-las no mercado de luxo. Faz pensar muito no quanto valorizamos certas coisas mais pelo nome do que pelo conteúdo.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Eu pessoalmente não tive coragem de voltar às salas quando elas reabriram durante a pandemia, e estou arrasada por não poder ver Nomadland ou Bela Vingança, porque só estarão nos cinemas, mas entendo o perigo que não abrir representa para as salas neste momento. Talvez pudéssemos pensar em sessões ao ar livre, ou em parcerias entre as redes e algumas plataformas digitais para que a rotina de estreias não ficasse tão prejudicada. 

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Não posso falar tanto pelos lançamentos de 2020 para cá, porque fiquei um pouco por fora em razão da pandemia e do mestrado, mas acho que o cinema brasileiro anda numa fase muito boa, criativamente. Temos um novo horror muito interessante, um retorno às nossas raízes mais místicas misturadas a um suspense aprendido com o cinema internacional, e temos um humor mais ácido também… É como se a nossa veia política e documental estivesse se misturando a novas linguagens e gêneros, ampliando as possibilidades. Infelizmente, falta financiamento e incentivo, então são poucos títulos que conseguem o destaque de um Bacurau, por exemplo. Mas acho que teremos muita coisa boa chegando na forma de séries e minisséries. Não é bem cinema, mas vai ser importante para o nosso audiovisual.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Não sou das espectadoras mais fiéis, nunca acompanho a “filmografia inteira” de ninguém... Mas adoro os filmes do Marco Dutra, por exemplo.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Aí complicou, hein? rs  Vamos tentar:

 

Um mergulho num universo que não existe, mas que ganha vida dentro de uma tela iluminada no meio de uma sala escura.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Durante uma exibição para a imprensa de um filme da franquia Anjos da Noite, alguém fez um comentário bem alto sobre o cabelo de uma personagem, e isso quebrou totalmente o gelo. Daí em diante, essa virou uma sessão comentada, com risadas e reações coletivas como se estivéssemos numa sala de estar.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras…

Nunca vi, mas na minha cabeça ele é um meme em forma de filme.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Bom... É sempre melhor quando você tem amor pelo que faz, né? No cinema, às vezes o diretor é “apenas” o diretor, alguém que executa tecnicamente a visão do roteirista ou até do produtor, mas que não coloca muito de si no trabalho, nem questiona nada. O que é OK, para um filme sem grandes pretensões. Mas, quando o diretor é cinéfilo, ele vai trazer uma bagagem de referências que vão transformar o filme, e vão dar muito mais sustentação ao que está sendo dito e mostrado ali.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

A briga é feia. Só saí do cinema no meio de um filme em duas ocasiões: vendo Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola e Uma Ladra sem Limites. Mas, em casa, não consegui completar 5 minutos de Cats.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Sou fã de Ilha das Flores, do Jorge Furtado, mas, recentemente, adorei Espero Tua (Re)Volta, da Eliza Capai.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Já, em Star Wars: O Despertar da Força. Estava empolgada, fazia tempo que não via um Star Wars no cinema, sabe como é.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Adaptação, sem sombra de dúvida!

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Mais uma vez, não sou nada fiel, então vou listar um monte de coisas legais. Tem um quadro da Variety, por exemplo, que eu adoro, em que atores entrevistam atores! Chama Actors on Actors. Também dou sempre uma olhada no The Guardian, Indiewire, Entertainment Weekly, Collider, CinemaBlend, pra ter uma ideia das notícias mais hollywoodianas. Recentemente, tenho gostado do Filmmelier, ótimo pra descobrir onde está passando algum filme, e tenho acompanhado bastante no Instagram os perfis OQVer Cinema & Streaming, O Cara da Locadora e o Cinevitor, que me atualiza como ninguém sobre os festivais. Também adoro os vídeos da Barbara Demerov e da Flavia Guerra. No Facebook, o perfil do SuperCinema traz vídeos de bastidores mostrando como são feitas algumas filmagens bem complicadas, e é viciante. Também recomendo o Feito Por Elas, que é um podcast só sobre mulheres que fazem cinema. Ufa!