O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de Porto Alegre. Sonia Rocha tem 50 anos, é carioca residente
em Porto Alegre, professora de Filosofia e crítica cinematográfica. Mestre em
Educação com ênfase em cinema (UERJ), doutoranda em Educação e Cinema (UFRGS).
Foi colaboradora nos veículos Almanaque
Virtual, IGGY, Telezoom TV e, atualmente, é editora o site Cinema & Movimento onde também
escreve críticas e análises de filmes.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
São várias as salas de cinema em Porto Alegre com qualidade
de programação e exibição. Logo, seria uma injustiça citar apenas uma. O
capitólio é um centro cultural que abriga uma das melhores programações de
cinema da cidade, sempre trazendo festivais de filmes de países de fora do
‘circuitão’ internacional como os de países africanos, da índia, da Líbia etc.
O CineBancários que só exibe cinema nacional, a Cinemateca Paulo Amorim, na
Casa de Cultura Mário Quintana, reduto de cinéfilos com palestras, exibições,
debates com diretores e atividades afins. Mas, o “crème de la crème” em minha
opinião é Guion Cinemas pois exibe filmes de arte ou filme de autor, como
queiramos chamar, que estão estreando no circuito. Cito como preferência porque
me remete ao Grupo Estação no Rio. Tem a mesma vibe, a mesma pegada, exibe os
mesmos filmes e me faz sentir em Botafogo, de vez em quando.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Esse é confissão de idade... O primeiro filme no cinema nem
sempre é aquele filmaço no que diz respeito aos aspectos técnicos. Mas, é o primeiro
filme...no meu caso foi Gremlins (1984)
do Joe Dante. Era adolescente, nunca
tinha visto uma tela tão grande, ouvido um som tão intenso e sentido o que é a
egrégora energética de muitas pessoas vibrando na mesma sintonia. Foi uma
experiência apaixonante e apavorante. Ver aqueles bichinhos lindinhos e
fofinhos se transformarem naqueles monstros horrendos depois de um banho mexeu
comigo. Hoje com o approach da Filosofia isso seria um argumento e tanto para
pensar a dualidade humana. Mas, cada coisa a seu tempo.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Essa é injusta... cinéfilo que se preze é volúvel gosta de
uns caras que ninguém conhece e que têm estilos completamente diferentes, E eu
não fujo à regra. Mas falar de um só é muito difícil.... Tenho uma relação de
amor e ódio com o dinamarquês Lars Von
Trier, curto a abordagem da escocesa Lynne
Ramsay, a faca afiada do russo Andrey
Zvyaintsev, e me descubro apaixonada pelo Kleber Mendonça Filho.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Preferência é uma coisa que não tem, necessariamente,
explicação. E no caso do crítico de cinema isso chega a ser até um pecado, de
tanto que trabalhamos o aspecto da ‘isenção’ até onde é possível. Contudo, como
espectadora, apesar de tantos filmes nacionais maravilhosos realizados nas últimas
duas décadas eu fico com Estômago
(2007) de Marcos Jorge, porque a
abordagem do filme me surpreendeu, as atuações são espetaculares,
principalmente a de João Miguel, que
tem se mostrado um monstro sagrado.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
O sufixo “Philia” tirado de uma obra de Aristóteles nos
remete a ‘amizade’, ‘amor’ ‘afeto’ (contextualizando com o nosso assunto,
porque na obra referida o âmbito era outro). Inserindo-o no meu cotidiano, na
minha prática de pesquisas com cinema e relação de espectadora, para mim cinefilía/ser
cinéfilo é quase que um exercício de devoção. Uma relação de profundo
envolvimento, respeito, sentimento de pertencimento, mergulho e, até, de
adoração.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Essa pergunta é pertencente à prática comercial do cinema, e
confesso que não tenho um conhecimento procedente sobre o assunto.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
Bah! perguntinha dolorosa.... Não exatamente, mas creio que
não o será como conhecemos hoje, e me explico: independente do momento
sanitário que vivemos hoje, silenciosamente, já havia um movimento que
facilitava o acesso do espectador a filmes de qualidade, com a segurança de
suas casas, com uma economia de recursos (como o jantar após o cinema, o
combustível, o estacionamento). Economicamente esse processo de esvaziamento da
sala escura já estava em processo lento. A aceitação de filmes de TV de uma
plataforma streaming em festivais de CINEMA, deu uma guinada, por dentro, nesse
processo. Em 2015 “Beasts of No Nation
de Cari Joji Fukunaga, foi
selecionado e premiado no Festival de Veneza. Em 2017 foi a vez de Okja de Bong Joon Ho, selecionado para o festival de cinema de Cannes,
inclusive concorrendo à Palma De Ouro. Esta ultrapassagem de fronteira
conceitual é um adendo importante para colocar nessa conta. Depois vieram
outros filmes e outros festivais de cinema selecionando e indicando para
prêmios de cinema filmes feitos para a TV. Hoje, somente uma das plataformas
streaming está com 35 produções indicadas ao Oscar. Esses pequenos detalhes,
cujos passos não nos damos conta e cujas consequências não enxergamos, à longo
prazo, contribuem para uma transição silenciosa do cinema para o streaming, com
nossas TVs cada vez maiores e mais tecnológicas. A pandemia, só veio jogar a pá
de cal na situação. Dentro do nosso modo de produção é inviável se manter as
despesas de uma sala física sem um retorno, e o tempo que isto está levando vai
acirrando uma crise financeira no setor, condicionando o espectador a exercitar
esse entretenimento em casa, inclusive devido as consequências econômicas para
o próprio espectador. Numa crise, os primeiros artigos a serem cortados são os
‘supérfluos’ e vivemos numa sociedade em que cultura é um artigo supérfluo.
Outro fator, muito importante, que indica essa transição são as grandes
produtoras de cinema como a Disney, a Warner, a Paramount etc. estarem criando
suas próprias plataformas digitais. É triste, mas só não enxerga quem não quer.
Se alguns paradigmas, independente do âmbito na sociedade, ao longo da
história, não tivessem sido quebrados
não estaríamos onde estamos em relação ao desenvolvimento de muitos aspectos de
nossas vidas, logo, é mal necessário. Não que eu defenda o caso, mas aceito.
Sobre o nosso sofrimento com esse processo, é natural. Toda geração de qualquer
tempo de transição sofre, luta e resiste. O que creio que será mantido são os
clubes de cinema, num movimento vintage com salas de exibição ‘gourmets’ para
não deixar a chama da experiência se apagar. Mas, cinema como conhecemos hoje,
creio que daqui há algum tempo já não teremos mais, infelizmente.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
K-Pax (2001) de Iain Softley.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não. A vida se impõe acima de tudo. O que estamos vivendo,
da forma que estamos vivendo é algo sem precedentes. Mesmo tendo registros de
outras pandemias na História da humanidade, pela nossa globalização o que está
nos acontecendo é uma coisa muito séria. Depois que tudo passar a gente junta
os cacos, se fortalece e vê o que faz. Agora está na hora de nos voltarmos para
dentro, curtirmos o audiovisual em nossas casas, pois a cultura nos salva da
vida e de nós mesmos. Depois a gente vê como fica.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
O cinema brasileiro tem adquirido uma qualidade tecnológica
e artística nas duas últimas décadas que é para ser aplaudida de pé. A questão
é que a cultura precisa de fomento e no momento político em que estamos esse
quesito está impedido, infelizmente. Mas, veja como temos garra, aos trancos e
barrancos saiu Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho, Babenco (2019) de Bárbara Paz e tantos outros documentários que vimos na edição de
2020 do É Tudo Verdade. Mas, sabemos
que nem só de vontade se vive e sem fomento a qualidade tende a cair. Essa é
minha visão sobre a questão no momento.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Irandhir Santos.
12) Defina cinema com
uma frase:
O cinema é uma experiência.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Estava eu em uma sessão de cinema matinê em um bairro
popular do Rio, assistindo à primeira sessão de filme blockbuster, não tão bem
cotado, sobre o qual eu iria fazer a crítica. Para melhor analisar os filmes
fico sempre na última fileira e no meio para ter uma visão mais ampla. Ao
terminar o filme sempre fico até o final dos créditos finais. Qual não foi
minha surpresa que uma outra pessoa lá frente ficou também. (isto não é tão
comum, mesmo entre os críticos). Achei legal. Veio o ‘lanterninha’’ e disse
para a pessoa que o filme já tinha terminado, a pessoa continuou lendo os
créditos. O rapaz insistiu dizendo que não tinha cenas finais. O rapaz
respondeu ao lanterninha’.... Mas, eu sei ler...e o clima pesou. Bem, antes que
o ‘lanterninha’ viesse para mim estragasse a minha experiência, que já não
tinha sido tão boa, saí à francesa. O filme não era lá essas coisas e não faria
muita diferença ler os créditos finais. Mas foi uma das poucas vezes que não o
fiz, por causa dos outros e num filme mais ou menos. Me marcou por isso. Ficou
faltando alguma coisa na minha ‘liturgia’ cinéfila naquele dia.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Desnecessário... Pronto falei!!... Mas, Perry Salles salvou
a lavoura.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não. Nunca nos esqueçamos que cinema é um produto. Uma coisa
é a atividade profissional da produção de um ‘produto’ outra é a forma com a
qual você escolhe curtir/consumir aquele ‘produto’.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Interessante, eu não tenho um filme que eu tenha achado o
pior filme que eu já tenha assistido ou o pior filme da minha vida. Tenho um
princípio comigo: não sou cineasta. Então, por mais que eu estude para entender
os processos semióticos, os de produção de sentidos etc. Eu não tenho como
qualificar alguma coisa que não domino, como pior. E como disse anteriormente,
procuro domar o meu capricho/gosto. Acho que tem sempre alguma coisa que não
alcancei e que se tivesse alcançado a experiência teria sido melhor. E sempre
tem alguma coisa que eu gosto, seja a fotografia, o roteiro, uma
atuação...então, evito o juízo de valor e fico com o que gosto. Logo, não
lembro mesmo de nenhum filme que tenha me causado essa sensação.... a de ser o
pior.
17) Qual seu documentário
preferido?
Sou muito fã de documentários e seria muito difícil escolher
algum antigo ou clássico. Gosto muito do documentarista chileno Patrício Guzman. Mas, vou ficar com o
mais recente, o da Romênia Collective
de Alexander Nanau, que está
concorrendo ao Oscar 2021. O longa é uma saga jornalística impecável.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim, Whiplash
(2014) de Damien Chazelle. Aquela
bateria elevou os meus níveis de endorfina.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Ooops!... Gostei de Senhor
das Armas (2005) de Andrew Niccol.
20) Qual site de cinema
você mais lê pela internet?
Costumo ler Omelete,
Adoro Cinema, Filme B e Observatório do cinema.