O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Fortaleza (Ceará).
Daniel Araújo, tem 33 anos. É jornalista,
realizador audiovisual, pesquisador e crítico de cinema. Especializando em
Cinema e Audiovisual pelo Centro Universitário 7 de Setembro. Integrou a
terceira turma do Curso de Realização em Audiovisual da Vila das Artes, tendo
participado e proposto projetos em diferentes campos desse fazer. Como crítico
de cinema afiliado à Associação Cearense de Críticos de Cinema, tem experiência
com júri de festivais internacionais, nacionais e regionais de cinema.
Atualmente mantém o projeto “Um Filme ou Dois”, que compõe um site e um perfil
no Instagram para reflexão sobre crítica cinematográfica em geral. No campo da
pesquisa, integra os grupos de pesquisa do Laboratório de Experimentações em
Audiovisual (LEEA) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colabora atualmente
com a Animus, publicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Gosto bastante das duas salas do Cinema do Dragão. Além de ser mantido pelo Governo do Estado do
Ceará, o equipamento tem a melhor programação da cidade com lançamentos não
comerciais e filmes que dificilmente entrariam em circuito nos demais cinemas
aqui de Fortaleza. Há todo um trabalho de curadoria feito especificamente para
o cinema e isso aumenta em muito a qualidade da programação ofertada. São as
melhores salas em termos de projeção e nível de som, ficando atrás somente das
salas Imax e X-Plus dos equipamentos mantidos nos shoppings.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Cidade dos Sonhos
(2001, de David Lynch). É meu filme
favorito da vida, e de fato foi a obra que me fez entender que o cinema é uma
linguagem múltipla e que pode sim unir elementos da sua carga do entretenimento
(no campo da discussão dos temas) e da reflexão crítica sobre a subjetividade
do ser humano.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Meu diretor favorito é o Andrei Tarkovsky. Meu filme favorito dele é O Espelho (1975).
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Arábia (2017) do Affonso Uchoa e do João Dumans. É um filme recente mas desde a primeira vez que vi me
tocou profundamente porque me evocou o mesmo sentimento que falei sobre o filme
do Lynch. O cinema brasileiro passa por uma das suas melhores fases em termos
de propostas de obras que lidam e confrontam diretamente todo um pensamento
hegêmonico de fazer e refletir o ato da realização audiovisual. O que Arábia
faz é colocar na tela a subjetividade do "bandido" que, para uma
parcela da população brasileira reacionária, só encontra lugar na morte. Ou
seja, o protagonista desse longa, Cristiano, é a pessoa não grata da nossa
sociedade. E que aqui ele é elevado à posição de senhor da sua própria
história. Para mim esse é um dos filmes mais importantes feito no Brasil desde
os anos 2000.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
É mais do que gostar de assistir filmes. É ver, claro. Mas
diz muito também de um modo de se colocar no mundo em favor do amor pelo cinema
e pelas artes do vídeo de modo geral (cinema não é só filme narrativo europeu e
ocidental). O cinéfilo tem de entender isso e estar aberto para a experiência
de modo amplo e isso inclui se permitir assistir cinema experimental, por
exemplo e ir além do contato estrito À ideia do filme em si. As séries também
são um ótimo exemplo disso e nos ensinam muito sobre linguagem e muitos outros
pontos de referência quando falamos em audiovisual.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Acho que enquanto proposta de mercado e negócio,
"entender" deveria ser um requisito no melhor dos mundos. A questão
passa mesmo pelo lance da gestão, entendo eu. Se o gestor "conhece"
ou não sobre cinema, talvez não chegue a ser uma questão. Do meu conhecimento,
isso só ocorre de fato em Fortaleza no Cinema
do Dragão através do trabalho feito pelo programador Pedro Azevedo. Dos cinemas de shoppings, eu desconheço se há alguém
que "entende" de cinema. As programações desses espaços são lançadas
semanalmente. Se elas ocorrem segundo uma curadoria, por exemplo, não consigo
afirmar. Mas quando comparamos a agenda de filmes de um cinema como o do Dragão
do Mar e com o de qualquer shopping da cidade, isso se torna latente.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
Primeiro, vamos pensar um segundo sobre o que seria a sala?!
A sala seria apenas o espaço institucionalizado hoje dos cinemas de rua ou
multiplexes? Se formos pensar para além dessa perspectiva, então a sala vai ser
um conceito perene, eterno, porque ela extrapola essa concepção, ao meu ver. Ou
seja, aquilo o que a gente pdoe chamar de Modelo de Representação Institucional
(MRI) se torna uma coisa outra. E a experiência da sala se reconfigura. Ela se
transmuta, como hoje já entendemos por meio de outros modos estabelecidos como
as sessões nos cineclubes, sessões ao ar livre a partir de projetos sociais em
bairros periféricos, como ocorre aqui em Fortaleza, por exemplo. A experiência
da sala de cinema, nesse caso, não morre e se democratiza, o que é o mais
importante.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Tio Boonmee, Que Pode
Recordar Suas Vidas Passadas (2010) do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não. Pelo menos aqui em Fortaleza isso não ocorreu. Somente
quando as primeiras pessoas começaram a se imunizar foi que os cinemas
reabriram com capacidade bem reduzida.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
É o melhor cinema do mundo. Os melhores diretores, os mais
criativos e politizados estão no Brasil. E por politização não devemos entender
só o realizador que lida com a política de modo mais direto como uma
realizadora como a Maria Augusta Ramos,
por exemplo. Há uma centena de realizadores de diversos cantos do país pensando
nossa cinematografia nas suas mais diversas dimensões, sejam elas afetivas,
sociológicas ou políticas mesmo. E tudo isso tem sido feito nos últimos cinco
anos e em meio a um cenário bem adverso onde um projeto de destruição da
cultura do País segue em curso. Mas nosso cinema é maior que isso e por isso
que ele segue tão forte e seguirá apresentando obras tão sólidas nos seus mais
distintos formatos e modelos de execução. Precisamos acreditar nisso ou a
batalha já está perdida.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Adirley Queirós,
realizador do Distrito Federal.
12) Defina cinema com
uma frase:
"É preciso confrontar as imagens vagas com ideias
claras" (Jean-Luc Godard)
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Certa vez fui a uma sessão assitir Dr. Sono (2019) e havia
uma senhorinha na sala. Ela tinha ido assistir ao filme sozinha. Era uma sessão
numa segunda-feira, às 13h30 da tarde. Ela era muito engraçada porque parecia
ter uns 99 anos, mas a despeito de tudo isso estava indo ao cinema sozinha ver
um filme de suspense legendado. Acho que foi uma das coisas mais inusitadas que
eu presenciei num cinema.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Nuca assisti o "Cinderela", mas está na minha
lista de filmes pra se assistir (um dia) hahaha.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não. Fazer cinema vai além da cinefilia. Qualquer pessoa
pode contar uma estória por meio de imagens no cinema. O que se é preciso é ter
a consciência de como você usa os elementos da linguagem para transpor isso na
execução do filme em si.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Não consigo lembrar um filme, mas odiei com todas as forças
aquele episódio do Black Mirror:Rachel,
Jack and Ashley Too (2019).
17) Qual seu
documentário preferido?
Cabra Marcado para
Morrer (1984) de Eduardo Coutinho.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim, para A Cidade
Perdida de Z, do James Gray.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Coração Selvagem
(1990), também dirigido pelo Lynch.
20) Qual site de
cinema você mais lê pela internet?
Na verdade, quero listar três: "Uma Mulher Com Uma Câmera", "Um Filme ou Dois"
(onde eu sou autor e escrevo hehe) e o Cinética.
21) Qual streaming
disponível no Brasil você mais assiste filmes?
Mubi.