11/10/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #529 - Daniel Araújo


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Fortaleza (Ceará). Daniel Araújo, tem 33 anos. É jornalista, realizador audiovisual, pesquisador e crítico de cinema. Especializando em Cinema e Audiovisual pelo Centro Universitário 7 de Setembro. Integrou a terceira turma do Curso de Realização em Audiovisual da Vila das Artes, tendo participado e proposto projetos em diferentes campos desse fazer. Como crítico de cinema afiliado à Associação Cearense de Críticos de Cinema, tem experiência com júri de festivais internacionais, nacionais e regionais de cinema. Atualmente mantém o projeto “Um Filme ou Dois”, que compõe um site e um perfil no Instagram para reflexão sobre crítica cinematográfica em geral. No campo da pesquisa, integra os grupos de pesquisa do Laboratório de Experimentações em Audiovisual (LEEA) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colabora atualmente com a Animus, publicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Gosto bastante das duas salas do Cinema do Dragão. Além de ser mantido pelo Governo do Estado do Ceará, o equipamento tem a melhor programação da cidade com lançamentos não comerciais e filmes que dificilmente entrariam em circuito nos demais cinemas aqui de Fortaleza. Há todo um trabalho de curadoria feito especificamente para o cinema e isso aumenta em muito a qualidade da programação ofertada. São as melhores salas em termos de projeção e nível de som, ficando atrás somente das salas Imax e X-Plus dos equipamentos mantidos nos shoppings.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Cidade dos Sonhos (2001, de David Lynch). É meu filme favorito da vida, e de fato foi a obra que me fez entender que o cinema é uma linguagem múltipla e que pode sim unir elementos da sua carga do entretenimento (no campo da discussão dos temas) e da reflexão crítica sobre a subjetividade do ser humano.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Meu diretor favorito é o Andrei Tarkovsky. Meu filme favorito dele é O Espelho (1975).

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Arábia (2017) do Affonso Uchoa e do João Dumans. É um filme recente mas desde a primeira vez que vi me tocou profundamente porque me evocou o mesmo sentimento que falei sobre o filme do Lynch. O cinema brasileiro passa por uma das suas melhores fases em termos de propostas de obras que lidam e confrontam diretamente todo um pensamento hegêmonico de fazer e refletir o ato da realização audiovisual. O que Arábia faz é colocar na tela a subjetividade do "bandido" que, para uma parcela da população brasileira reacionária, só encontra lugar na morte. Ou seja, o protagonista desse longa, Cristiano, é a pessoa não grata da nossa sociedade. E que aqui ele é elevado à posição de senhor da sua própria história. Para mim esse é um dos filmes mais importantes feito no Brasil desde os anos 2000.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É mais do que gostar de assistir filmes. É ver, claro. Mas diz muito também de um modo de se colocar no mundo em favor do amor pelo cinema e pelas artes do vídeo de modo geral (cinema não é só filme narrativo europeu e ocidental). O cinéfilo tem de entender isso e estar aberto para a experiência de modo amplo e isso inclui se permitir assistir cinema experimental, por exemplo e ir além do contato estrito À ideia do filme em si. As séries também são um ótimo exemplo disso e nos ensinam muito sobre linguagem e muitos outros pontos de referência quando falamos em audiovisual.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acho que enquanto proposta de mercado e negócio, "entender" deveria ser um requisito no melhor dos mundos. A questão passa mesmo pelo lance da gestão, entendo eu. Se o gestor "conhece" ou não sobre cinema, talvez não chegue a ser uma questão. Do meu conhecimento, isso só ocorre de fato em Fortaleza no Cinema do Dragão através do trabalho feito pelo programador Pedro Azevedo. Dos cinemas de shoppings, eu desconheço se há alguém que "entende" de cinema. As programações desses espaços são lançadas semanalmente. Se elas ocorrem segundo uma curadoria, por exemplo, não consigo afirmar. Mas quando comparamos a agenda de filmes de um cinema como o do Dragão do Mar e com o de qualquer shopping da cidade, isso se torna latente.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Primeiro, vamos pensar um segundo sobre o que seria a sala?! A sala seria apenas o espaço institucionalizado hoje dos cinemas de rua ou multiplexes? Se formos pensar para além dessa perspectiva, então a sala vai ser um conceito perene, eterno, porque ela extrapola essa concepção, ao meu ver. Ou seja, aquilo o que a gente pdoe chamar de Modelo de Representação Institucional (MRI) se torna uma coisa outra. E a experiência da sala se reconfigura. Ela se transmuta, como hoje já entendemos por meio de outros modos estabelecidos como as sessões nos cineclubes, sessões ao ar livre a partir de projetos sociais em bairros periféricos, como ocorre aqui em Fortaleza, por exemplo. A experiência da sala de cinema, nesse caso, não morre e se democratiza, o que é o mais importante.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010) do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Pelo menos aqui em Fortaleza isso não ocorreu. Somente quando as primeiras pessoas começaram a se imunizar foi que os cinemas reabriram com capacidade bem reduzida.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

É o melhor cinema do mundo. Os melhores diretores, os mais criativos e politizados estão no Brasil. E por politização não devemos entender só o realizador que lida com a política de modo mais direto como uma realizadora como a Maria Augusta Ramos, por exemplo. Há uma centena de realizadores de diversos cantos do país pensando nossa cinematografia nas suas mais diversas dimensões, sejam elas afetivas, sociológicas ou políticas mesmo. E tudo isso tem sido feito nos últimos cinco anos e em meio a um cenário bem adverso onde um projeto de destruição da cultura do País segue em curso. Mas nosso cinema é maior que isso e por isso que ele segue tão forte e seguirá apresentando obras tão sólidas nos seus mais distintos formatos e modelos de execução. Precisamos acreditar nisso ou a batalha já está perdida.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Adirley Queirós, realizador do Distrito Federal.

 

12) Defina cinema com uma frase:

"É preciso confrontar as imagens vagas com ideias claras" (Jean-Luc Godard)

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Certa vez fui a uma sessão assitir Dr. Sono (2019) e havia uma senhorinha na sala. Ela tinha ido assistir ao filme sozinha. Era uma sessão numa segunda-feira, às 13h30 da tarde. Ela era muito engraçada porque parecia ter uns 99 anos, mas a despeito de tudo isso estava indo ao cinema sozinha ver um filme de suspense legendado. Acho que foi uma das coisas mais inusitadas que eu presenciei num cinema.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Nuca assisti o "Cinderela", mas está na minha lista de filmes pra se assistir (um dia) hahaha.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não. Fazer cinema vai além da cinefilia. Qualquer pessoa pode contar uma estória por meio de imagens no cinema. O que se é preciso é ter a consciência de como você usa os elementos da linguagem para transpor isso na execução do filme em si.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Não consigo lembrar um filme, mas odiei com todas as forças aquele episódio do Black Mirror:Rachel, Jack and Ashley Too (2019). 

 

17) Qual seu documentário preferido?

Cabra Marcado para Morrer (1984) de Eduardo Coutinho.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Sim, para A Cidade Perdida de Z, do James Gray.  

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Coração Selvagem (1990), também dirigido pelo Lynch.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Na verdade, quero listar três: "Uma Mulher Com Uma Câmera", "Um Filme ou Dois" (onde eu sou autor e escrevo hehe) e o Cinética.

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Mubi.