O eu interior que provoca reflexões também através do olhar do outro. Instigantes diálogos que giram em torno de momentos de reflexões e decisões de uma personagem que parece buscar construir narrativas para um melhor entendimento do seu momento atual como mãe, esposa, filha e amiga, assim começamos falando sobre esse profundo drama existencial chamado Desterro. Exibido no Festival de Cinema de Roterdã, onde teve sua primeira exibição, essa co-produção Brasil, Argentina e Portugal encosta na filosofia, no sentido de descobertas sobre valores, conhecimentos e formas de entender o viver que acontece ao seu redor. O título do filme, Desterro, tem seus vários sentidos quando pensamos sobre o que vemos ao longo dos 123 minutos de projeção. Aqui se mistura em fatores que indicam o momento de solitude, um isolamento voluntário, e também na ação de sair do lugar onde mora por vontade própria.
Dirigido pela cineasta Maria
Clara Escobar, em seu primeiro longa-metragem de ficção como diretora, o
filme nos leva para a história de Laura (Carla
Kinzo) que está num relacionamento há oito anos com Israel (Otto Jr.) com quem tem um filho. Ela se
vê paralisada diversas vezes pelas dúvidas e formas de entender a sua vida. Além de tudo, entender um lugar que já tentou olhar demais acaba sendo o ponto
de ruptura que chega para a personagem. Certo
dia, resolve sair de casa, embarcando em uma viagem sem avisos, deixando Israel
e seu filho, em busca de reconectar consigo mesma. As imagens aqui dizem
muito, muitas vezes sem falas, é um recorte profundo que muitas vezes pode
parecer um quebra-cabeça para o espectador pois a narrativa gira em torno de
uma personagem em conflito.
O roteiro, assinado pela própria diretora que conta ainda
com a colaboração da protagonista Carla
Kinzo e do cineasta Caetano Gotardo,
é muito interessante, traça paralelos que se convergem em recortes temporais
sob pontos de vista distintos. Assim, vamos caminhando nessa narrativa, num
primeiro momento entendendo o contexto em que se encontra Laura e num segundo
momento o reflexos de suas decisões aos olhos do companheiro Israel.
Será um confronto entre o concreto e o abstrato? O incômodo
parece cercar a personagem Laura, seja nos diálogos com os pais que sempre
falam as mesmas coisas sobre casamento e parecem implicar dentro de uma veia
conservadora na maneira de entenderem sobre relacionamentos, seja nos papos na
cozinha com o seu companheiro, uma pessoa que parece distante, acomodado na sua
irreversível praticidade de seu entendimento do mundo. Há também o olhar
curioso sobre histórias que acabam cruzando seu caminho, como um papo entre duas mulheres no metrô ou nos depoimentos de passageiras de
um ônibus.
Quando a resposta é o silêncio que atravessa a madrugada. Um
dos caminhos para um entendimento melhor da protagonista chega em torno dos inúmeros
diálogos sobre situações do cotidiano, seus e dos outros, e também na busca de
reflexões sobre determinados recortes de suas idas e vindas. Seu pensar transborda
em determinado momento, um fator irrecuperável de seu momento presente, do
simples fato de não conseguir mais caminhar na sua monotonia gritante que logo
se torna evidente mas já era iminente. A partir daí, escolhas chegam na sua
frente dentro da liberdade de seu caminho, da sua estrada, gerando
autodescobertas.
Desterro é um
trabalho que vai te conquistando aos poucos, parece instigar o espectador para
a necessidade de alguns em refletir sobre o seu próprio eu interior e também através
do olhar do outro.