Mostrando postagens com marcador Cinema Brasileiro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cinema Brasileiro. Mostrar todas as postagens

13/10/2023

, ,

Crítica do filme: 'Estranho Caminho'


Pai, você foi meu herói...pelo menos no meu sonhar. Detalhar cinematograficamente uma conturbada relação entre pais e filhos não é algo muito raro de se encontrar nas centenas de filmes que chegam nas prateleiras invisíveis dos streamings ou mesmo na sala de cinema. Mas, caro leitor, tem filmes que mostram essa temática de maneira tão bonita que durante um quase óbvio devaneio nos sentimos lutando para que as verdades sejam ditas. Esse é o caso de Estranho Caminho, premiado filme do diretor cearense Guto Parente, que teve sua estreia nacional durante o Festival do Rio 2023, que ainda encaixa em sua poesia em forma de narrativa os tempos de incerteza na mais recente pandemia que abalou o planeta.


Na trama, conhecemos um jovem (Lucas Limeira) cineasta que após longos anos volta para o lugar onde nasceu e morou para apresentar o seu mais recente trabalho em um Festival de Cinema. Com a pandemia da Covid batendo na porta, ele busca se encontrar com seu pai (Carlos Francisco) com quem não fala faz mais de uma década. Após uma tentativa quase frustrada, já que o pai se tornou uma pessoa cada vez mais reclusa, algumas situações peculiares começam a atingir seu caminho.


Exibido no Festival de Tribeca e selecionado também para o Festival de San Sebastián, ambos em 2023, vencedor de um prêmio no primeiro, Estranho Caminho é objetivo, poético, busca em seus brilhantes 83 minutos mostrar sentimentos perdidos, até mesmo escondidos, com um estopim que chega como flecha na vida de um jovem que não sabia muitas coisas que queria na relação sempre muito distante com o pai. A relação entre pai e filho é o alicerce de um roteiro que navega sempre com uma belíssima fotografia, que vai muito além do contorno das emoções, nos levando para curiosas surpresas com o andamento dessa história.


Sem esquecer de um contexto importante que o mundo viveu curtos anos atrás, a problemática da Covid e seus desenrolares, situações nos mostram o caos e o desespero dos atendimentos de uma doença que mudaram rumos de muitos. De uma relação familiar, passando por um surpreendente devaneio, em seu oitavo longa-metragem, Guto Parente busca resgatar a essência de uma relação destruída pela distância, brinca com o imaginário trazendo elementos do cinema experimental, associando o estranho ao desejo de se encontrar. Não tenham dúvidas, a magia do cinema está contida em todos os cantos desse brilhante filme brasileiro.



 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Estranho Caminho'

12/10/2023

, ,

Crítica do filme: 'O Dia que te Conheci'


Os caminhos inesperados do conhecer um novo alguém. Produzido pela Filmes de Plástico, produtora mineira que vem trazendo lindos filmes para o público desde 2009, O Dia que te Conheci é uma espécie de crônica cotidiana que de forma simples, simpática e objetiva nos faz refletir sobre questões da sociedade, da classe trabalhadora, dos encontros e desencontros que o destino apronta. Dirigido por André Novais Oliveira, esse projeto se torna uma caixinha de surpresas transformando um drama em um romance que atinge nossos corações.


Na trama, ambientada em uma Minas Gerais na atualidade, conhecemos Zeca (Renato Novaes), um simpático homem, imaturo, por muitas vezes inocente, descompromissado com o que pode vir no futuro, que trabalha na biblioteca de uma escola pública localizado longos quilômetros longe de sua casa. Um dia, por conta de seus constantes atrasos por um presente ligado à crises de sono intensas, é demitido de seu trabalho. No mesmo dia, pega uma carona com Luísa (Grace Passô) e entre desabafos e papos sobre diversos assuntos aos poucos um vai abrindo o coração para o outro.


Diálogos que nos transportam para a realidade de muitos trabalhadores brasileiros com um forte olhar para o cotidiano, as angústias, as aflições, os desencontros, as segundas chances, são vistos ao longo de singelos 71 minutos de projeção. Mas tudo isso é envolvido, conectado, por um ponto em comum entre os personagens, uma curiosa problemática com os remédios. Aqui, nosso campo de reflexão se torna mais amplo, profundo, as agonias de um mundo cada vez mais concorrido no campo profissional, as dores, os traumas, emoções conflitantes que levam ao caos emocional estão implicitamente ligadas ao uso desses medicamentos. Essa é uma questão importante para refletirmos.


A virada para uma história de amor, ou pelo menos o início de uma, é uma consequência de duas almas que se conectam, que observam e tentam entender o outro. É muito bonito a forma como essa construção é feita, não há malabarismos quando o discurso vai na raiz das emoções em cima dos caminhos inesperados do conhecer um novo alguém. As produções da Filmes de Plástico retratam como poucos o cotidiano, O Dia que te Conheci é mais um filme que na sua simplicidade tem muito a dizer.

Continue lendo... Crítica do filme: 'O Dia que te Conheci'

07/10/2023

, , ,

Crítica do filme: 'Sem Coração' (Festival do Rio 2023)


Tempo bom, tempo ruim, nas duas situações se aprende. Com passagem pelo prestigiado Festival de Veneza em 2023, o longa-metragem brasileiro Sem Coração desembarcou no Festival do Rio 2023 para sua première nacional. O projeto ambientado em uma Alagoas dos anos 90 aborda a descoberta da sexualidade na visão de uma jovem adolescente com o destino traçado longe do lugar onde foi criada. Escrito e dirigido por Nara Normande e Tião, o filme reforça o discurso das fases conturbadas da adolescência por meio de uma narrativa com altos e baixos.


Na trama, conhecemos Tamara (Maya de Vicq), uma jovem alegre e repleta de amigos que vive seus últimos momentos numa cidade no litoral de Alagoas, onde nasceu e foi criada. Certo dia, ela escuta falar de uma outra jovem, conhecida como ‘sem coração’ (Eduarda Samara), uma menina solitária que ajuda o pai pescador nos trabalhos profissionais. Aos poucos Tamara começa a desenvolver uma atração por essa jovem.


O imaginar, o sonhar e a realidade entram em choque, numa zona de conflito que busca ser o combustível da narrativa, por vezes confusa, outras alcançando o refletir com certo brilhantismo. O projeto caminha sobre a descoberta da sexualidade por alguns pontos de vistas, não só da protagonista, reforçando o discurso das fases conturbadas da adolescência. A amizade se torna uma força dentro do roteiro, nesse olhar social de interação a troca de experiências abrem margens para longos debates sobre a vida. Nesse último ponto, brilham jovens atores, rostos ainda desconhecidos do cinema brasileiro mas que estarão em breve em outras produções.


Pais e filhos, amizade, dúvidas, a violência, o preconceito, a desigualdade social, o roteiro abre seu leque para personagens e seus conflitos. Oriundo de um curta-metragem premiado no Festival de Cannes, uma extensão dessa história, Sem Coração, mesmo sem alcançar um clímax, se perdendo muitas vezes nas constantes subtramas que o envolvem, o filme consegue chegar ao objetivo de refletir sobre a vida na visão imatura de uma fase repleta de medos e incertezas sobre o futuro.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Sem Coração' (Festival do Rio 2023)

30/09/2023

,

Crítica do filme: 'O Estranho'


Em sua segunda exibição em território nacional, que aconteceu no CINEBH2023, o longa metragem O Estranho é uma profunda viagem de encontros do presente com o passado às margens das idas e vindas de um famoso aeroporto que fica em um território indígena. Os que passam e os que permanecem envolvidos com esse lugar ditam o ritmo de uma narrativa que vai do passado, passando pelo presente por meio de memórias e experiências. Rodado em 2021, exibido no Festival de Berlim, o projeto dirigido por Flora Dias e Juruna Mallon é bastante interpretativo.


Na trama, somos envolvidos por curiosos recortes que de alguma forma estão relacionados a uma área onde funciona um aeroporto de alta frequência, um enorme espaço ligado por meio do tempo com os indígenas. Nesse lugar de constantes transformações ao longo dos anos, percorremos retratos tocantes de pessoas que buscam responder a uma mesma pergunta: Como enxergar o mesmo lugar de formas diferentes?


O tempo como referência se torna um importante elemento para a narrativa. O refletir sobre essa obra é algo que se faz durante as horas que se seguem, é muita coisa para captar nesse longa atemporal. Outra deixa sobre a questão: o tempo passa por você mas como é a sua interpretação diária do que passa por você? Nesse ponto entram os personagens que se misturam junto às referências dentro de uma bolha interpretativa que deve gerar boas conversas sobre as individualidades do entendimento.


As horas correm, tudo passa por você mas como é a sua interpretação diária do que passa por você? Refletir no agora, o significado das palavras, brigas por uma necessidade de estar ali, o projeto ruma para uma questão existencial onde o espectador, cada qual com suas experiências, vai ao encontro das angústias dos personagens no presente, no ‘eu’ hoje e os seus encontros com o tempo.


A resistência indígena vira um complemento, um subtema para a narrativa, um recurso em forma de crítica que faz pensarmos bastante sobre o capitalismo e suas formas de usufruir do que muitas vezes não tem direitos. Com o presente esbarrando em pitadas de uma extensa linha temporal, O Estranho caminha lá de trás para encontrarmos soluções para frente.



Continue lendo... Crítica do filme: 'O Estranho'

27/09/2023

,

Crítica do filme: 'Zé'


O abdicar por acreditar. Mostrando mais um recorte dos horrores de um tempo que marcou uma das páginas mais tristes da história brasileira, o longa-metragem mineiro , filme de abertura do CINEBH 2023, se perde na redundância do seu principal objetivo como discurso. Demasiadamente longo, com seus 124 minutos de projeção, o arquétipo da narrativa toma um rumo maçante. Mas há pontos positivos: amplia o leque de análise para um momento marcante do nosso país, se torna ferramenta cultural de aprendizado se tornando uma obra que constará como consulta para futuras gerações entenderem esse conturbado momento. O roteiro assinado por Anna Flavia Dias e Rafael Conde, a direção é do último, um dos homenageados do CINEBH 2023.


Na trama, ambientada nos tempos sombrios da ditadura, conhecemos Zé (Caio Horowicz), um rapaz vindo de uma família de classe média, influente dentro do Movimento Estudantil, que se junta a amigos com o mesmo pensar revolucionário fazendo parte assim de um grupo de resistência contra a Ditadura. Quando o cerco aperta para ele e outros membros do grupo, Zé resolve viver na clandestinidade, nesse tempo desenvolve uma família ao lado da companheira Bete (Eduarda Fernandes) e precisa viver longe de tudo e todos, praticamente ficando sem contato com os pais. Com a vida rumando para o imprevisível, uma traição de alguém próximo ao grupo será o início de mais uma tragédia na vida dele.


Repetitivo, como se já soubéssemos o que viria a acontecer na sequência, perde a oportunidade de ser uma obra mais penetrante no nosso pensar dentro de uma enorme safra de ótimos filmes sobre o tema. A insistência em reforçar o discurso se torna desnecessária e quebra o ritmo da narrativa pois a montagem é confusa. A contextualização não se apresenta quando se pede, deixando a linha temporal uma gangorra de suposições. Talvez um bom complemento para tudo que assistimos seja ler o livro que fora inspirado. O filme é baseado na obra escrita pelo poeta cearense Samarone Lima, Zé José Carlos Novais da Mata Machado, uma Reportagem.


Como importância para a vasta filmografia brasileira, se coloca como mais uma ferramenta de consulta para futuras gerações que vão pesquisar sobre os horrores vividos nas décadas de 60, 70 e 80.  E isso é algo muito importante! Mesmo com questões na narrativa, esse é um longa-metragem que se coloca na lista dos filmes urgentes para conscientizar para que tempos como aqueles vividos por Zé nunca voltem para nosso cotidiano.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Zé'

03/09/2023

, ,

Crítica do filme: 'Carandiru'


A melhor coisa na cadeira é sair dela. Um dos filmes mais aclamados do cinema brasileiro das últimas duas décadas tendo como foco histórias de um lugar onde não se sabe onde a verdade está e impossível de prever como será o amanhã. Carandiru, dirigido por Héctor Babenco caminha por conflitos violentos, mentes perturbadas, ações impulsivas, dilemas, dentro do mais famoso presídio do país, o grande protagonista, que fechou as portas 21 anos atrás. Baseado no livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella, o projeto traça um raio-x da cadeia dentro da cadeia.


Na trama, conhecemos um médico (Luiz Carlos Vasconcelos) que embarca em uma jornada repleta de conflitos indo para ações em um presídio com o foco em um trabalho de prevenção à Aids entre a população carcerária. Nesse lugar, escutando histórias e mais histórias, vemos muitas vezes esse personagem, também o narrador, em conflito interno, debruçado no dilema se deve esquecer ou voltar.


Aqui o ambiente, o lugar, é o grande protagonista. O maior presídio da américa latina, até então com 7.000 presos encarcerados em celas pequenas, com uma nítida superlotação, que reúne todo tipo de criminosos. Tem contrabandistas de carros, assaltantes, assassinos, traficantes, pessoas que acabam passando por transformações de um sistema carcerário precário que isolam qualquer tipo de reabilitação social. Na prisão, viram os barra pesadas, os que viram religiosos, os apaziguadores mas sempre com segundas intenções, os inconsequentes, os contrabandistas, adjetivos que se adicionam como complemento de seus caminhos errados fora dali.


A jornada do médico, uma clara referência à Drauzio Varella, percorre como elemento propulsor da narrativa, corre em paralelo a tudo que assistimos. Há crítica por todos os lados, principalmente aos tratamentos dos que necessitam ajuda naquele lugar. Sarna, Aids, Tuberculose, as condições precárias de tratamentos são mostrados aos montes, entre tragédias e relatos surpreendentes.


Com um grande orçamento para produções na época, que girou em torno de 12 milhões de reais, em filmagens que levaram um pouco mais de quatro meses para serem feitas na verdadeira prisão de Carandiru, o projeto conta com grandes nomes do cinema brasileiro: Wagner Moura, Caio Blat, Lázaro Ramos, Aílton Graça, Milton Nascimento, Luiz Carlos Vasconcelos, Rodrigo Santoro, Milhem Cortaz, Gero Camilo, entre outros.


Carandiru é uma daquelas obras do nosso cinema que jamais vão sair de temas de debates, um filme atemporal que mostra verdades de uma sociedade em eternos conflitos.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Carandiru'

05/08/2023

,

Crítica do filme: 'O Acidente'


Nem tudo que a gente enxerga é real. Uma briga de trânsito acaba sendo um marco inicial de uma história de perdas, sexualidade, sentidos de família, que nos leva sob o olhar de uma protagonista em crise existencial que se joga em um curioso e improvável laço entre duas famílias. O Acidente, estreia na direção em longas de Bruno Carboni nos faz refletir sobre uma pergunta que percorre tudo que assistimos: Se conectar com outras histórias faz parte do nosso aprendizado?


Na trama, conhecemos Joana (Carol Martins), uma jovem que trabalha como tradutora e está grávida do primeiro filho com a namorada, Cecília (Carina Sehn). Certo dia, durante um trajeto ao trabalho de bicicleta, acaba se envolvendo em uma ríspida situação no trânsito, inclusive sendo atropelada. Ela resolve deixar pra lá, não que dar queixa, mas um vídeo da situação é publicado na internet fazendo a mudar de ideia e acaba entrando na vida da família que causou o acidente. Durante esse período, busca entender os personagens dessa história, principalmente o filho da mulher que a atropelou.


Tirar ou não satisfação numa questão de trânsito? Por mais que esteja certa, vale a pena se colocar em risco? Essas perguntas ficam em plano de fundo, escondem um olhar muito intimista sobre tudo que se desenrola a partir de uma variável incontrolável que contorna a sociedade. Partindo desse princípio, com uma narrativa que adota um ponto de vista exclusivo na protagonista percebemos um embarque no trauma dos outros fato que leva Joana remexer sobre seu próprio emocional, sua rotina, seus amores, seus dramas, suas perdas, suas escolhas.


Juíza da situação? Se conectar com outras histórias faz parte do nosso aprendizado? Quando entendemos melhor o detalhado recorte na vida de Joana, percebemos seu traçar paralelos a partir dos que cruzaram sua vida. A família em questão, vive em pé de guerra, com um pai militar rígido na educação de seu filho, uma mãe que está forte estresse, sem saber como agir. Nesse momento, o sentido de ser mãe aflora na jovem que logo se conecta com o filho do casal, como se tivesse algo a acrescentar, ou até mesmo uma troca de experiências, na rotina solitária do rapaz. O Acidente parte de uma situação extrema de violência para tantas outras, um olhar real sobre o viver, sobre o aceitar, sobre se conhecer.


Vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Beijing, o projeto faz parte da seleção do Festival de Cinema de Gramado na competição de longas gaúchos e estreia nos cinemas no dia 24 de agosto.



Continue lendo... Crítica do filme: 'O Acidente'

28/07/2023

, , , ,

Crítica do filme: 'O Lobo Atrás da Porta' *Revisão*


Do que o ser humano é capaz? Com um excelente roteiro, inspirado num caso que chocou o Brasil, conhecido como Fera da Penha, O Lobo Atrás da Porta completa 10 anos em 2023 sendo considerado por muitos um dos grandes filmes brasileiros da última década. Nos mostrando o sumiço de uma criança, um tenso interrogatório com versões de uma mesma história, o filme passa um raio-x na obsessão, impulsividade, na violência. Quem está mentindo? Qual a verdade? Ao longo dos 101 minutos de projeção detalhes de um chocante crime vão sendo revelados dentro de um alto clima de tensão.


Na trama, conhecemos Bernardo (Milhem Cortaz), um fiscal de uma empresa de ônibus, casado com Sylvia (Fabiula Nascimento) com quem tem uma filha. Quando a garota desaparece misteriosamente após ser pega por alguém na creche em que estava, Bernardo e Sylvia vão até a polícia onde um tenso interrogatório acontece. O delegado de plantão (Juliano Cazarré) começa a desconfiar de algumas versões da história e logo se descobre que Bernardo tem uma amante chamada Rosa (Leandra Leal) que também é convocada para prestar depoimento. O tempo passa e as verdades começam a aparecer.


Exibido em muitos festivais de cinema, inclusive no Festival de Toronto (onde estreou) e também no Festival do Rio (onde levou dois prêmios), O Lobo Atrás da Porta tem uma narrativa brilhante, tudo funciona para não deixar o clima de tensão escapar, onde o vai e vém nas histórias dos envolvidos acabam trazendo enormes surpresas. A traição é um ponto central, onde tudo começa, se desenvolve e termina, há um olhar minucioso para conflitos nos relacionamentos, onde o lado psicológico chama a atenção em relação as ações e consequências nas portas que são abertas para esses conflituosos personagens.


Rosa é a mais intrigante personagem, sonsa, obsessiva, dissimulada, se mostra capaz de qualquer coisa para não sair da sua bolha de carência que é repensada com a chegada de um novo amor, mesmo esse sendo casado e a usando como objeto de desejo. As reflexões sobre nossa sociedade e as formas de enxergar a violência, a vingança, se colocam sob as ações dessa chocante personagem. Brilha em cena Leandra Leal, uma das melhores atrizes em atividade no nosso cinema.


Escrito e dirigido pelo ótimo cineasta Fernando Coimbra, em seu primeiro longa-metragem, o filme teve orçamento abaixo dos 2 milhões de reais, muito abaixo de outras produções nacionais. O projeto nas bilheterias brasileiras alcançou nem 30.000 espectadores. O que gera várias perguntas: Por que as pessoas não foram assistir? Será que ainda existia/existe algum pré-conceito ou mesmo preconceito com as produções brasileiras no nosso próprio país? Quantas salas de cinema colocaram o filme? Será que as salas de cinema que não colocaram o filme em cartaz estavam repletas de produções internacionais? Para se pensar!


Para quem se interessou em conferir, o filme está disponível na Star Plus, na Netflix e na HBO Max.



Continue lendo... Crítica do filme: 'O Lobo Atrás da Porta' *Revisão*

27/07/2023

,

Crítica do filme: 'Depois de Ser Cinza'




A palavra certa que esclarece sentimentos. O perdão, as abruptas despedidas, a culpa, o adeus, como lidar com assuntos mal resolvidos, são alguns dos caminhos que passam Depois de ser Cinza longa-metragem dirigido por Eduardo Wannmacher, com roteiro de Leo Garcia. O projeto rodado em Porto Alegre e na Croácia, nos transporta para pontos de vistas de três personagens femininas apresentando com detalhes e inúmeras interpretações através de um mesmo homem que se relacionou com elas.


Na trama, conhecemos Raul (João Campos), um sociólogo gaúcho, com pós em antropologia, com intensas crises de ansiedade, perdido em histórias de amor no passado que não tiveram o final que queria. Num primeiro momento conhecemos seu encontro com a artista Isabel (Elisa Volpatto) na longínqua Zagreb, uma imigrante brasileira amargurada, inquieta que parece buscar encontrar sentidos para seu presente. Em meio a apresentação desses dois estranhos, mentiras, dificuldades em se abrir se colocam em evidência e assim vamos conhecendo também a história de Suzy (Branca Messina), uma estudante que extravasa seus vazios existenciais em festas e consumos desenfreados de seus vícios, presa na conflituosa relação com o pai, um pesquisador que já se foi, talvez o grande amor da vida de João. E em paralelo, chegamos na história de Manuela (Silvia Lourenço), uma terapeuta bem sucedida que não consegue se desprender da perda de um grande amor que agora está com sua irmã e num momento de sua vida também se envolve com João.


Os perigos de uma única verdade. A narrativa fragmentada em tempos onde giram em torno de fortes emoções à princípio pode parecer confusa mas os elos se encontram ao longo dessa história. E mesmo se perdendo na linha do tempo, o que importa é a força dos sentimentos que fazem nossos olhos cruzarem com o real sentido dessa história. O imaginário das relações e os embates com a dura realidade permeiam momentos chaves na vida de um protagonista que não se desprende de sua rotina de angústia. As transformações pessoais, que acontecem para todos os personagens, ganham luz principalmente através do olhar das mulheres que cruzam o caminho do protagonista.


Ebulições emocionais, pessoas em conflitos, qual o limite para o vazio existencial? O que é interpretado como ajuda ou como necessidade? Através de olhares distintos rumamos à melancolia, até mesmo um estado de tristeza profunda tendo como pilar central o não se conformar. Depois de ser Cinza, brinda o público com cenas belissimamente bem filmadas sem esquecer do refletir de que na vida nem tudo são flores sendo importante as alegrias e tristezas que lidamos pela nossa jornada emocional.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Depois de Ser Cinza'

14/07/2023

,

Crítica do filme: 'Cadê o Amarildo?'


Um caso que chocou o Brasil e até hoje com pontas soltas. Trazendo para o público mais um olhar para uma história que completa 10 anos em 2023, uma abordagem policial feita por membros da UPP da rocinha, no Rio de Janeiro e o sumiço de um ajudante de pedreiro, o novo documentário da Globoplay Cadê o Amarildo? ao longo das quase duas horas de projeção, busca encontrar mais respostas através de depoimentos da família, das autoridades policiais da época, de testemunhas nunca ouvidas e do julgamento de policiais envolvidos em uma ação que até hoje parece ter peças que não se encaixam. A dor e o sofrimento dos familiares também é mostrada, uma busca por justiça constante ao longo de todo esse tempo.


O contexto por aqui é muito importante para entendermos melhor tudo que se passou. Implementada em 2008 no Estado do Rio de Janeiro, no governo do ex-governador e depois condenado pela justiça Sergio Cabral, as Unidades de Polícia Pacificadora, conhecidas por UPP, eram uma aposta das autoridades do Rio de Janeiro para o combate ao tráfico de drogas nas favelas cariocas e uma melhor relação entre os moradores e a polícia. Dentro desse cenário e uma pressão por resultados da polícia na maior favela carioca desencadeou uma série de ações que culminou na abordagem e sumiço de Amarildo.


O documentário, produzido pelo Jornalismo da Globo, busca recriar o passo a passo de Amarildo na noite do sumiço, contando também com uma reconstituição com atores e um cenário virtual. Depoimentos na justiça de todos os envolvidos e autoridades da época são mostrados, além dos pontos de vistas de quem acompanhou o caso desde seu início. Alguns desses depoimentos são impactantes, chocantes, até mesmo contraditórios. Dá pra sentirmos um pouco da dor de uma família que perdeu um membro querido de forma tão violenta e até hoje não foi indenizada pelo Estado.


Com direção de Rafael Norton, direção de produção de Clarissa Cavalcanti e roteiro de Andrey Frasson e João Rocha, o documentário tem o mérito de conseguir criar uma narrativa cinematográfica interessante, pulsante, com um trabalho de pesquisa e investigação jornalística que se destacam, não deixando de mostrar detalhes importantes desse caso que é uma emblemática crítica social e política em um país que se pergunta há 10 anos: Cadê o Amarildo?

 

 

 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Cadê o Amarildo?'

09/05/2023

,

Crítica do filme: 'O Homem Cordial'



O passado que tentam apagar. Como justificar? Trazendo para reflexões questões sobre injustiças sociais, preconceitos, o cancelamento pelas redes sociais, em uma noite atrás de respostas pelas ruas de São Paulo, acompanhamos um homem que após um vídeo viralizar, acaba condenado por parte da opinião pública em uma situação envolvendo a morte de um policial. Dirigido por Iberê Carvalho e com roteiro do mesmo junto do uruguaio Pablo Stoll (cineasta que dirigiu e roteirizou o aclamado filme Whisky), O Homem Cordial mostra toda a angústia de uma noite de descobertas.


Na trama, conhecemos Aurélio (Paulo Miklos), o vocalista e rosto mais conhecido de uma banda de rock que recentemente voltou aos palcos desde o final dos anos 90. Durante um show, um vídeo viraliza, transformando Aurélio em um condenado por parte da opinião pública em uma situação envolvendo um polícia. Logo o protagonista sente a forte repercussão do caso e também a covardia do julgamento público. Assim, ele embarca em uma noite de descobertas, tensão, busca por respostas, onde vai entender mais de perto o caos social que passam imperceptíveis aos seus olhos.


O protagonista passa por um processo de transformação na sua ótica em relação a sociedade em que está inserido. Algumas lacunas são preenchidas pela obviedade, não são ditas, nem mostradas, o espectador constrói sua visão na maneira dele pensar: antes um roqueiro cheio de atitude cantando em alto e bom som suas versões sobre a limitada visão que tinha sobre os problemas sociais. Tudo isso muda com a situação que passa, percebe que o buraco é muito mais embaixo.


Angustiante. Essa é uma palavra que caminha nas linhas do roteiro. Dentro de um recorte profundo sobre as diferentes formas de olhar ao próximo, muitos temas circulam nos menos de 90 minutos de projeção. A violência policial, o pré-julgamento, a obsessão pela comunicação superficial dos fatos que se transformavam em fake news nas mãos de quem usufrui da gangorra do narcisismo descarado. Em plena luz do dia, ou numa noite qualquer, alguns desses angustiantes temas circulam por situações em vários lugares de nosso país.


Premiado em Gramado e Marsele, O Homem Cordial é um retrato de nosso olhar desigual, de nossas imperfeições como sociedade trazendo aos olhos do público um debates importantes.



 

Continue lendo... Crítica do filme: 'O Homem Cordial'

04/05/2023

,

Crítica do filme: 'A Primeira Morte de Joana'


As primeiras descobertas da vida. Sob o olhar delicado da juventude e todo o leque de variáveis que formam uma trajetória, o longa-metragem A Primeira Morte de Joana, vencedor de alguns prêmios nos mais de 35 festivais onde fora exibido, busca nos seus menos de 90 minutos refletir sobre vários temas que vão desde a descoberta da sexualidade até enormes questionamentos a partir do falecimento de uma parente, uma tia-avó artesã da qual era próxima. Dirigido por Cristiane Oliveira, a trama navega no pensar espontâneo, baseada na visão que a protagonista possui até ali do mundo que gira ao seu redor.


Na trama, conhecemos Joana (Letícia Kacperski), uma jovem, filha de pais separados, descendente de alemães que mora em uma casa na beira da estrada, numa pequena cidade, onde todos se conhecem. Após o falecimento da sua tia-avó, algo desperta nela, fazendo com que se coloque em enfrentamentos nos longos debates que tem com a sua família. Ao mesmo tempo, sua amiga Carolina (Isabela Bressane) se envolve em um boato que a faz refletir sobre sexualidade.


Ambientada no final do verão de 2007, no sul do país, em uma comunidade descendente de alemães. O projeto possui um ritmo lento, busca a atenção nos detalhes sob a ótica de uma adolescente que se vê renascer através de um novo olhar que a domina através de enfrentamentos que aparecem por seu caminho. Sua jornada começa com o entendimento do luto, onde curiosidades sobre tia-avó artesã da qual era próxima a faz conhecer melhor sua família e alguns pequenos segredos que se escondem num alicerce conservador que domina o tom dos moradores do lugar. Em um lugar de ventos constantes, logo se vê em confronto com o que pensam sobre a amiga Carolina, o que a faz renascer e amadurecer sobre o ainda prematuro conhecimento da sexualidade.


Esse interessante longa-metragem de Cristiane Oliveira, leva o espectador a uma caminhada enriquecedora, principalmente para aqueles que possuem um olhar atento para refletir sobre o amadurecimento e quem ainda consegue se emocionar com a simplicidade do afeto.



Continue lendo... Crítica do filme: 'A Primeira Morte de Joana'

22/04/2023

,

Crítica do filme: 'Dissonantes'


Quem vive de passado é museu. Contornando os paralelos entre sonhos e oportunidades na visão de um desajustado que tinha uma banda de rock promissora nos anos 90, o longa-metragem Dissonantes, que teve uma rápida passagem nos cinemas brasileiros (em uma parceria exclusiva com apenas uma rede de salas de cinema), é uma comédia dramática que anda no compasso da melancolia buscando criar suas reflexões nas frustrações dos personagens. O roteiro ainda encontra espaço para uma forte crítica em cima do artista como produto de mercado. A direção do projeto é de Pedro Amorim.


Na trama, conhecemos Paulo (Marcelo Serrado), um homem de meia idade imerso nas desilusões dos sonhos perdidos. Ele tinha uma banda de rock algumas décadas atrás chamada Super Fuzz, na qual era guitarrista e vocalista. O empreendimento musical não foi pra frente e nos dias atuais ele vive em situação difícil: com aluguel atrasado, sem muitas perspectivas de continuar no complicado mercado fonográfico, além de ter que lidar com o sucesso de outros integrantes da banda que encontraram espaço em um reality musical. Para complicar mais ainda sua situação, seu relacionamento de 18 anos com Clara (Maria Manoella) se desfaz, o levando a uma tristeza profunda. Certo dia, ele conhece Loly (Thati Lopes), uma criativa artista que vira um produto da indústria nas mãos de seu antigo parceiro musical. Paulo e Loly percebem que juntos podem encontrar algum sentido para as soluções de seus respectivos conflitos.


A crise de meia idade no compasso da melancolia transforma a narrativa em uma lenta análise sobre o vazio existencial. O protagonista é um acomodado nas suas frustrações, imagina que as coisas vão cair do céu e assim o tempo foi passando. Abandonado aos poucos por todos que eram próximos, seu choque de realidade acaba acontecendo quando conhece Loly, e nas aflições que encontram horizontes em comum. Não há uma óbvia desconstrução do personagem, o que talvez esconda ou mesmo não alcance o clímax para a trama.


Há uma interessante crítica sobre a situação do artista como produto de mercado. Como o filme mostra, alguns produtores investem suas apostas em caminhos que muitas vezes não são os que os detentores do talento querem e nessa gangorra as opções podem ser: fazer sucesso se caracterizando como algo que não queria ou mesmo buscar o cenário independente para brilhar e chegar as grandes audiências. Essas ‘leis do mercado’ podem ser avassaladoras para o artista. Por aqui, os dois personagens atravessam de suas formas embates contra esse mercado.


Dissonantes agora está disponível no streaming da Star Plus e pra você que gosta de assistir a filmes brasileiros que buscam reflexões sobre sonhos e oportunidades, esse pode ser o filme que você está procurando.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Dissonantes'

30/03/2023

,

Critica do filme: 'Bar Esperança, o Último que Fecha'


Lançado no início da década de 80, um dos grandes clássicos da comédia brasileira, Bar Esperança, nos leva até os saudosos tempos da clássica boemia carioca. Falando sobre diversos assuntos que vão desde os bastidores do cenário artístico da época até mesmo a causa indígena, passando por um recorte de uma crise conjugal, o longa-metragem dirigido e protagonizado por Hugo Carvana tem um elenco maravilhoso com destaque para a outra protagonista, a fabulosa e inesquecível Marília Pêra. De Caetano à Gretchen, a trilha sonora também ganha destaque dentro de uma empolgante narrativa.


Vencedor de vários Kikitos no Festival de Cinema de Gramado, Bar Esperança nos leva a um badalado estabelecimento no número 39 de alguma das famosas ruas do bairro de Ipanema, na zona sul carioca de décadas atrás. Nesse lugar, encontramos diversos personagens que se reúnem noite após noite para tomar aquela cervejinha, ouvir música e papear sobre os mais diversos assuntos que envolvem a sociedade. Tem artista, tem camelô, tem jornalista do Pasquim. Assim conhecemos mais profundamente o relacionamento conturbado de Ana (Marília Pêra) e Zeca (Hugo Carvana), uma atriz que trocou o cinema pela televisão e um operário da dramaturgia, um escritor, num presente de desilusão na profissão. Quando a dona do bar esperança, cansada, desiludida, sozinha nos negócios da família, resolve vendê-lo, os assíduos frequentadores resolvem se unir contra a demolição ou até mesmo num último encontro.  


Já nos tempos da televisão colorida mas ainda na época do Telex e da ditadura, esse bar (assim como tantos outros por aqueles tempos), uma espécie de catedral da boemia carioca, era a fonte de informação de muitos, uma troca de experiências que de alguma forma fazia a vida fazer mais sentido. Os dramas, os conflitos, eram vistos diariamente, os duelos de argumentações sobre causas políticas, sociais, também faziam parte de qualquer uma rodinha de bate-papo do local. A narrativa abre um pequeno espaço para falar também sobre Gentrificação, aqui na aquisição do bar por um grupo de investidores que querem criar um shopping center no lugar. Há espaço também para as causas indígenas, uma profunda crítica social ligado ao descaso.


Um cacique demitido da própria tribo. A crise conjugal ganha maiores espaços e acaba se tornando o grande alicerce do roteiro. Ana e Zeca estão em um momento sem se entenderem, deixando a pressão que sofrem nos seus respectivos trabalhos influenciarem o cotidiano em um Brasil à beira de transformações. As tomadas de decisões ditam o ritmo da narrativa, que nos leva a subtramas que envolvem o cenário artístico instável numa época onde a televisão era a grande porta de entrada para a fama e onde alguns atores faziam de tudo para conseguirem seguir na profissão.


Você é meu caminho. Meu vinho, meu vício. Na trilha sonora, a música de Caetano Veloso Meu bem, meu mal se torna um ponto importante sob a ótica da crise conjugal e o misto de sentimentos provocados por esse conflito. Também ouvimos o clássico de Gretchen, Conga, Conga, Conga além de uma das mais emblemáticas marchinhas de carnaval, Bandeira Branca (essa já no desfecho).


Anos atrás, o filme entrou na lista da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Essa obra-prima do nosso cinema, pouco visto pelas novas gerações, completa 40 anos em 2023 sem perder o fôlego nem sua capacidade de refletir sobre tudo que acontece até hoje ao nosso redor.



Continue lendo... Critica do filme: 'Bar Esperança, o Último que Fecha'

21/03/2023

, ,

Crítica do filme: 'O Rio do Desejo'


A angústia do desejo. Tema de várias obras ao longo do desenvolvimento da humanidade, a traição, o desejo, o amor proibido se chocam em conflitos quase sempre amargurados onde os pontos de vistas se tornam a estradas para reflexões. O Rio do Desejo, do ótimo cineasta Sérgio Machado, nos leva para esse paralelo, uma jornada muito bem construída, objetiva, que busca criar um recorte dentro do universo abstrato do desejo na visão de um quadrado amoroso. Baseada em um conto chamado O Adeus do Comandante da obra A Cidade Ilhada do escritor amazonense Milton Hatoum, o filme consegue dar vida, movimento, a sentimentos conflitantes.


Na trama, conhecemos o capitão da polícia Dalberto (Daniel Oliveira) um homem sério que resolve abandonar a corporação e comprar um barco depois de se apaixonar perdidamente pela bela e alegre Anaíra (Sophie Charlotte). Ainda em fase de mudança de vida, Dalberto resolve levar a amada para morar por um tempo na casa onde vive com os dois irmãos, Dalmo (Rômulo Braga) e Armando (Gabriel Leone), o primeiro um fotógrafo que tem um pequeno empreendimento na cidade, o outro um amante do universo musical que faz apresentações com sua banda. Mas a aparente harmonia é colocada à prova quando Dalberto precisa fazer uma viagem de quase dois meses e Anaíra começa a se aproximar de Dalmo e principalmente Armando.


Os pontos de vista dos ótimos personagens criam recortes instigantes no quadrado amoroso estabelecido. Os laços dos irmãos são rompidos com a presença de Anaíra, esse é o estopim que navega durante todo o clímax. O ciúmes, o proibido, tornam-se elementos constantes na trajetória de cada um deles. Dalberto se vê completamente perdido em seu descontrole, o irmão do meio embarca no desconhecido onde o perdoar não é uma opção. Dalmo, o mais velho se vê no cárcere do voyeurismo buscando a razão, estando próximo do seu desejo mas mantendo distância na realidade dura que chega na sua frente, prefere o sofrer. Armando é o lado da imaturidade misturado com inocência do lado desbravador de um primeiro intenso amor. Anaíra, o ponto de interseção dessa história, se vê em enorme conflito, se sentindo abandonada, aflorando seus desejos a cada novo pensamento de desilusão.


Essa reflexiva obra, que já foi até questão de vestibular em 2017 na UFN (Universidade Franciscana), teve uma carreira internacional consolidada passando por alguns festivais, e inclusive já está vendida para muitos países (terá exibições em cinemas, da Coreia do Sul, Japão, França, Itália, Portugal).


Com filmagens na bela Itacoatiara (AM), um pouco antes da chegada da Pandemia da Covid-19, O Rio do Desejo se constrói em torno da iminência da tragédia, através dos conflitos, ações e consequências, de personagens amargurados dentro de laços fortes que são quebrados. A narrativa, muito bem construída, apresentação a situação sem esquecer de contextualizar elementos para a história, acelera para seu competente clímax que perdura nas linhas da melancolia deixando um profundo retrato que envolve essa família.



Continue lendo... Crítica do filme: 'O Rio do Desejo'

10/11/2022

,

Crítica do filme: 'Aldeotas'


A longa caminhada de uma amizade por meio de memórias. Baseado em uma premiada peça teatral criada no ano de 2004 pelo ator e diretor Gero Camilo, Aldeotas se propõe a um exercício constante e bastante criativo de complemento com o imaginário apresentando em curtos recortes momentos chaves na vida de dois amigos que se reencontram no funeral de um deles. Dirigido e protagonizado pelo próprio Gero Camilo, ao lado de Marat Descartes, intérpretes da montagem original da peça teatral, Aldeotas busca nas memórias um alicerce para sua poesia sobre amizade.


Na trama, que teve sua estreia mundial na Mostra de São Paulo, vamos acompanhando algumas fases na vida dos amigos Levi (Gero Camilo) e Elias (Marat Descartes) que se reencontram por meio de memórias após o primeiro, depois de um longo hiato sem se falarem pessoalmente, volta para o funeral do segundo. Eles moraram na infância e adolescência na cidade de Coti das Fuças, no interior do Brasil, um lugar conservador em uma época de pouca liberdade para os sonhadores. As descobertas, os amores, as dores, as alegrias, as decepções, os sonhos, a opressão, os abusos, a busca pela liberdade, a vontade contagiante de conhecer o mundo são apresentados ao público através das lembranças.


O abstrato universo da saudade se mostra presente em cada cena mesmo que a troca de experiência seja a chave para se conectar com essa impactante narrativa. Se despedir de um amigo, dar cabo de uma saudade, joga Levi em uma estrada de retorno para a cidade onde momentos de todos os tipos reaparecem. A adolescência cheia de variáveis, escolhas que acabam sendo rupturas, os traumas por não ser aceito, a busca por explicações sobre o inexplicável. As visões de compartilhamentos de experiências em uma cidade conservadora são compostas por uma linha definida da linguagem exercendo forte preponderância dentro de uma função poética, aguçando assim o imaginário do espectador.


O uso de poucos elementos como base de algum tipo de expressão poética transformam a caminhada desse filme em uma interação para o espectador como se estivesse em um teatro, onde a imaginação nos leva ao refletir por meio de uma estrada de pensamentos sobre amizade e momentos chaves na vida de duas almas que de alguma forma se completam através das experiências que tiveram na infância e na adolescência. Emocionante em momentos pontuais, o filme gera reflexões sobre os tempos da imaturidade e a necessidade de se tornar uma fortaleza madura para se proteger dos avanços de conflitos que não se consegue enfrentar.


Aldeotas e suas diversas interpretações mexem com nosso refletir nos levando a pensar sobre memórias e saudade, até mesmo de tempos lá atrás, mostrando que a distância, o silêncio, podem ser uma enorme ferramenta de entendimento sobre as linhas de qualquer história.


Continue lendo... Crítica do filme: 'Aldeotas'

09/11/2022

,

Crítica do filme: 'Nada é por Acaso'


Aprenda pelas experiências e siga o caminho do bem. Aguardada adaptação literária de um livro da escritora espiritualista Zíbia Gasparetto, Nada é por Acaso busca mostrar que um dos caminhos rumo ao equilíbrio é trocar os desconfortos da mentira pela paz da verdade. O filme gira em torno do sofrimento humano, das perdas, das fraquezas, da sensação de angústia, das barreiras criadas entre os seres humanos e muitos conflitos que surgem por situações mal resolvidas. Vamos vendo os desenrolares de uma série de situações presas à um passado que gera consequências num presente. Em busca de soluções, um laço oriundo de um outro plano mostra que destinos estavam cruzados em outras vidas e agora a espiritualidade dá a chance de esclarecimentos. A direção é de Márcio Trigo.


Na trama, começamos conhecendo Marina (Giovanna Lancelotti) que após um ano longe da família, volta à cidade de Castro, no interior do Paraná. Um ano depois já estão em Curitiba, monta um escritório voltado ao direito empresarial. Durante esse período seu irmão Cícero acaba sendo guiado para um centro espírita após uma situação onde recebeu uma mensagem para a irmã. Ela também conhece um terapeuta por quem se apaixona, Rafael (Rafael Cardoso).  Em paralelo, conhecemos uma outra mulher, Maria Eugênia (Mika Guluzian), rica, que mora em uma casa aconchegante, casada com o Henrique (Tiago Luz), namorado dos tempos de pré-vestibular e com um filho pequeno chamado Dionísio. Ambas começam a frequentar um centro de estudos espíritas e algumas questões do passado delas vão aos pouco se revelando.


Amar as verdades e as mentiras. Todos os personagens estão ligados de alguma forma em pontos de interseção que torna a narrativa repleta de conflitos cíclicos. Há muita informação sobre os muitos personagens que são bem desenvolvidos ao longa de toda a história. Aos poucos as peças vão sendo apresentadas através da angústia que todos sofrem, esse elo acaba sendo o ponto de união entre esses corações doloridos que buscam explicações no espiritismo.


Os caminhos da verdade pode ser uma jornada árdua mas libertadora. De forma muito honesta, a inserção de alguns conceitos do espiritismo aqui é feito de maneira bem delicada mostrando uma visão sobre as maneiras que a natureza humana reage quando se sente em confronto com traumas que num primeiro momento parecem sem solução.


Nada é por Acaso é a primeira adaptação de um romance de Zibia Gasparetto para os cinemas, um projeto que chega com seu refletir através das experiências de personagens que buscam seguir em frente através de laços que eles descobrem através de um novo caminho na eterna arte de entender a existência.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Nada é por Acaso'

07/11/2022

,

Crítica do filme: 'A Mãe'


A força maternal numa busca imprevisível pela verdade. Premiado no Festival de Gramado e de Vitória, o novo longa-metragem do cineasta Cristiano Burlan, A Mãe, nos leva até a periferia da maior cidade do país onde somos guiados para momentos de tensão, dor, sofrimento, de uma busca desesperada de uma mãe por um filho que desapareceu do dia para noite e se vê em conflitos com vários lados de uma violência constante. No papel principal, a premiada atriz brasileira Marcélia Cartaxo mais uma vez comove o espectador com uma atuação emocionante.


Na trama, conhecemos Dona Maria (Marcélia Cartaxo), uma nordestina, de Cajazeiras (Paraíba) que mora em uma casa humilde na periferia de São Paulo faz alguns anos, lugar onde mora com o único filho, o adolescente Valdo, desde que ele tinha três anos. Ela é camelô pelas ruas do centro. Certo dia, após o filho sair para se divertir e ir tentar a sorte numa peneira de futebol, ele desaparece levando Maria a uma busca incansável para saber todas as verdades desse desaparecimento. Durante essa árdua estrada onde poucos a ajudam, acaba entrando em conflito com traficantes e com a polícia.


A narrativa navega por um recorte de um Brasil da burocracia, da insensibilidade, do medo, da mentira, do conflito de interesses. Dona Maria é uma nordestina que tenta sobreviver ao caos urbano da maior cidade do país, onde os preços só aumentam, onde o preconceito está por perto, onde a justiça se mostra para poucos, onde inocentes se veem presos em guerras urbanas, onde a polícia nem sempre protege, onde a violência é contínua e vem de todos os lados. Envolto a isso, Maria enfrenta o mistério de uma perda, um alguém que ela não poderá se despedir, mesmo assim não desgruda do pensamento de buscar a verdade que acaba culminando em uma espécie de grito de socorro em uma verdadeira reação contra a violência do Estado. No projeto, muito bem dirigido por Burlan, há menção a uma organização chamada ‘Mães de Maio’ composta por mães, familiares e amigos de vítimas de crimes cometidos em maio de 2006 em São Paulo, crimes esses ligados à violência policial.


A Mãe, que também foi exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é um retrato comovente de uma mulher que luta contra os absurdos da violência policial em busca de conseguir seguir em frente após parte dela desaparecer em uma cidade que para muitos é sinônimo de medo.



Continue lendo... Crítica do filme: 'A Mãe'
, ,

Crítica do filme: 'Paloma'


O desabrochar de um sonho. Vencedor do Prêmio de Melhor Atriz e Melhor Longa-metragem da mostra competitiva da Première Brasil do Festival do Rio de 2022, Paloma nos leva para uma história, baseada em uma notícia de jornal, sobre uma mulher transexual que tem o sonho de se casar na igreja. Dirigido pelo experiente cineasta pernambucano Marcelo Gomes, o projeto apresenta uma forte protagonista em uma jornada de conflitos, incertezas, amores, traições, que fortalece a força da fé num recorte sensível e profundo sobre os desenrolares do desabrochar de um sonho.


Na trama, conhecemos Paloma (Kika Sena), mãe da pequena Jenifer que mora com o companheiro Zé (Ridson Reis) em uma casa humilde em Saloá, município de Pernambuco, uma pequena cidade nordestina com pouco mais de 15.000 habitantes. Paloma é transexual e trabalha diariamente como agricultora (numa colheita de mamão) e de vez em quando faz bico como cabeleireira. Ela tem um desejo dentro dela que acaba saltando em seu presente: ela quer se casar na igreja de véu e grinalda. Em uma conversa com o padre da cidade, ela fica sabendo que somente o papa poderia dar autorização para ela casar na Igreja. Assim, resolve escrever uma carta para a maior autoridade católica do planeta. A partir dessa iniciativa, conhecemos alguns conflitos que a protagonista atravessa na caminhada para seus sonhos e sem nunca perder sua fé.


Também exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Paloma contorna as linhas sempre dolorosas do preconceito mas aqui combatidas com uma força impressionante de uma alegria genuína. De forma contagiante parece convencer, até mesmo inspirar, a todos ao seu redor para embarcar no seu sonho. Mas a estrada é cheia de obstáculos, a impunidade de uma violência desumana está muito próxima. Essa filha de Deus como qualquer outra pessoa busca uma aceitação dentro de um cenário conservador que muitas vezes parece não enxergar que o amor está em toda e qualquer relação de duas almas que se amam. 


Sua relação com Zé também tem grande profundidade na narrativa. Há muito amor nesse lar mas também conflitos sobre o principal sonho de Paloma. Por exemplo: a mãe de Zé não aceita essa relação e isso vira um outro conflito com o circo midiático que acaba se estabelecendo com o casamento. Há também escolhas que a protagonista faz pelo caminho, como seu relacionamento relâmpago com um terceiro, erros e acertos que aqui são empurrados pela força dos seus desejos. Kika Sena se doa completamente a sua personagem em uma interpretação emocionante que ficará gravada para sempre na memória do cinema brasileiro.


Quando a realização chega em paralelo ao seu sonho (o sacramento sagrado do patrimônio), parece um momento de descobertas mais sombrias e preconceituosas de um entorno conservador, preconceituoso, que dilacera sua felicidade mas sem nunca deixar de seguir em frente como todos que sabem lutar pela sua verdade. Paloma chega ao circuito exibidor brasileiro em novembro, uma oportunidade para todos assistirem mais uma impactante obra-prima do cinema brasileiro.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Paloma'

05/11/2022

,

Crítica do filme: 'Diário de Viagem'


O grito que ninguém escuta. Abordando conflitos intensos entre a mente e o corpo na perspectiva de uma jovem adolescente, o longa-metragem brasileiro Diário de Viagem começa sua jornada em meados da década de 90, na época de criação do plano real. O recorte aqui é na fase adolescente, no ensino médio, aos olhos de uma personagem em conflito, que não sabe o que gosta, o que quer, se sente perdida em seu pensar com o peso de não conseguir se relacionar, como se todos não a entendessem. O epicentro desses conflitos é em relação ao transtorno alimentar. Viver essa fase em total solidão. É duro, angustiante, a narrativa caminha nessa estrada de forma profunda. Escrito e dirigido pela cineasta Paula Kim, o filme é baseado na adolescência da própria diretora.


Na trama, conhecemos Liz (Manoela Aliperti), uma jovem, filha única, que gosta de Nirvana, Paralamas e está prestes a embarcar para uma oportunidade que poucos possuem, a de um intercâmbio e conhecer culturalmente um novo país (no caso, a Irlanda), além de estar em uma reta de oportunidades para trocas de experiências com jovens de outros países e modos de pensar diferentes do dela. A protagonista possui um transtorno alimentar, fato que a faz, desde algum tempo, caminhar numa estrada de não aceitação do seu corpo. Quando ela retorna de viagem, a situação parece piorar e a protagonista acaba numa profunda tristeza que abala a si mesma e a todos ao seu redor.


A obra O Retrato de Dorian Gray, mencionada logo nos minutos iniciais, já mostrava, como uma espécie de abre-alas, que iríamos caminhar em uma história sobre a mente e os paralelos com o corpo num corredor de medo e aflição tendo a busca pela perfeição (no caso aqui: não engordar) sendo algo constante, intenso e muitas vezes inconsequente. A protagonista não sabe o que gosta, o que quer, se sente perdida em seu pensar com o peso de não conseguir se relacionar, como se todos não a entendessem. Viver essa solidão é duro, angustiante. Os conflitos há levam a estar rodeada de limitações, aos que se aproximam ela logo se afasta. Socializar acaba sendo uma grande dificuldade para a jovem que se fecha em seu próprio labirinto. Vale o destaque para a ótima atuação da atriz Manoela Aliperti.


As variáveis que cercam a protagonista acabam encontrando seu espaço na narrativa de forma contundente. O maior exemplo são os pais dela, que percebem que há algo de errado mas demoram pra agir, não sabendo na maior parte do tempo lidar com aquela situação, caminhando para um iminente conflito. Além disso, toda a situação abala a família, levando a mãe ao desespero e o pai a momentos de explosão e descontrole (o alcoolismo se mostra presente inclusive). Com o físico e o psicológico abalado, sua desgastante rotina a coloca em momentos de mais tristezas na escola, onde o bullying aparece.


Falado em português e inglês nos primeiros minutos (por conta da viagem que a adolescente faz), Diário de Viagem é um profundo drama, borbulha nas emoções dilacerantes de uma jovem com um distúrbio alimentar que paralisa sua vida. O objetivo de conscientizar para a anorexia nervosa, que afeta tantos na realidade, é atingido, deixando o público em uma reta de reflexões sobre o assunto.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Diário de Viagem'