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27/12/2023

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Crítica do filme: 'Doente de Mim Mesma'


Uma lupa no narcisismo. Indicado para Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes em 2022, o longa-metragem norueguês Doente de Mim Mesma explora um retrato caótico sobre o egoísmo, o narcisismo, a inconsequência de uma protagonista e sua necessidade obsessiva por atenção. Escrito e dirigido pelo cineasta Kristoffer Borgli, a narrativa, de forma acertada e eficiente, nos leva para um verdadeiro tour pela mente conturbada de uma mulher com um sério transtorno de personalidade gerando reflexões por todos os lados.

Na trama, conhecemos Signe (Kristine Kujath Thorp), uma jovem que está em um relacionamento com o artista Thomas (Eirik Sæther). Os dois vivem juntos faz algum tempo e possuem uma relação estranha, repleta de disputas, competitiva ao extremo. Quando Thomas começa a fazer muito sucesso na sua área, Signe entra em um colapso emocional e começa a fazer de tudo por atenção rumando rapidamente para um show de situações constrangedoras.

Uma pergunta que pode chegar na sua reflexão é: O projeto aborda um transtorno de personalidade? A resposta é: Sim! O narcisismo é considerado um transtorno mental, já estudado por Freud e parte dos estudos da teoria psicanalítica. Aqui nesse longa-metragem, a associação ao termo mencionado é profunda, com riqueza de detalhes, além de associações brilhantes com suas alucinações que nos mostram seus pensamentos, sua mente compulsiva. Isso tudo fruto de uma narrativa inteligente que guia o espectador de forma didática a complexidades da mente humana.

O roteiro tem o mérito de conseguir chegar até as consequências para a personagem por meio de uma narrativa que se joga na estrada sempre difícil da perspectiva única, aqui de uma protagonista guiada pela sua montanha russa de emoções. Corroendo relações com os próximos, praticamente inventando novos personagens de si mesma numa bolha criada onde não há espaço para o outro, sofrendo com uma disputa imposta no próprio relacionamento, chegamos nas consequências dos atos onde lacunas de alguns porquês são precisamente preenchidas. Mas aqui o entendimento é de cada um.

Doente de Mim Mesma, título mais certeiro impossível, pode ser um visto também como algo mais amplo, até mesmo uma parte do retrato de uma geração que busca a atenção, ser o centro das atenções. A necessidade destrutiva de competição que logo vira inveja e impulsos destrutivos de relações, piorado pelo avanço da tecnologia e principalmente as redes sociais, é um ponto importante para pensarmos sobre nossa sociedade atual e as incertezas de um futuro que é logo ali. Pra quem se interessar, o filme está disponível no ótimo catálogo da MUBI.


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17/12/2023

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Crítica do filme: 'Uma Lição de Amor' (2021)


Pai, você foi meu herói, meu bandido. Nas histórias mais simples encontramos reflexões para toda uma vida. Longa-metragem belga escondido no catálogo da Prime Video, Uma Lição de Amor (sim, homônimo daquele lindo filme com Sean Penn), dribla o tom melancólico para uma direção mais objetiva na construção de um relacionamento antes distante, agora com uma segunda chance. O filme, produzido pelos irmãos Dardenne, e dirigido pela cineasta Amélie van Elmbt, em seu segundo longa-metragem da carreira, pode ser definido como um retrato delicado sobre um enorme conflito de um homem e suas escolhas.


Na trama, acompanhamos Antoine (Thomas Blanchard) um jovem que teve escolhas difíceis no passado que retorna para a cidade onde nasceu e foi criado logo procurando Camile (Judith Chemla), sua ex-namorada e sua filha, a pequena Elsa que nunca conheceu. Quando Camille resolve deixar Elsa com Antoine, o protagonista embarca em uma jornada de descobertas sobre o valor de ser um pai presente.


Como reestabelecer laços nunca antes construídos? A jornada egoísta de Antoine, que abandonou a namorada e a filha para ir atrás de seus sonhos profissionais ganha um enorme foco na narrativa que busca caminhar na construção de um alguém que aos poucos vai percebendo o tempo que perdeu. Será ele um grande vilão? Merece uma segunda chance? Já que não é possível voltar no tempo, o que fazer? O que é ser pai? As perguntas são inúmeras e muitas dessas são preenchidas com um olhar delicado para o enorme conflito que se estabelece.


A figura da mãe na história é super importante, muitas vezes dizendo muito com o olhar se vê em dilemas por estar em dúvidas se deixa ou não o homem que a abandonou fazer parte da vida da filha que nunca quis conhecer. Pelas entrelinhas e nos intensos diálogos percebemos um passado de dor e luta pra criar a filha sozinha.


Filmado em lindas locações da cidade de Bruxelas, na Bélgica, Uma Lição de Amor retrata o abandono traumático mas também as novas oportunidades que o destino deixa no nosso caminho. Lindo filme.



 
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14/12/2023

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Crítica do filme: 'Asas do Desejo'


A mais bela poesia sobre a existência. Lançado no final da década de 80 e ainda ambientado em uma Berlim dividida pelo famoso muro que consta em todos os livros de história, a obra-prima do cineasta alemão Wim Wenders, Asas do Desejo, nos leva para uma série de reflexões sobre a existência entre anjos querendo o viver e almas perdidas quase sempre em desespero. Indicado para a Palma de Ouro em Cannes no ano de 1987 e vencedor do prêmio de melhor diretor no mesmo festival, esse filme consta na lista de muitos como um dos melhores da história do cinema.


Na trama, conhecemos um anjo chamado Damiel (Bruno Ganz) e outro chamado Cassiel (Otto Sander) que passeiam por uma Berlim do lado ocidental, friorenta, ao lado de outros iguais, observando o cotidiano dos mortais que não podem lhe enxergar. Damiel está no limite, de saco cheio da vida eterna. Seu maior desejo é se tornar um humano mortal algo que só cresce quando se apaixona por uma trapezista de circo chamada Marion (Solveig Dommartin).


A narrativa, a maneira como é contada essa história, é repleta de metáforas com teor filosófico, numa afiada linha contemplativa, que nos fazem refletir sobre algumas questões da mortalidade dentro de um conjunto de ações que andam de mãos dadas com a evolução de uma sociedade que erra e acerta na mesma proporção. A visão de fora, no caso de um anjo, acaba sendo a cereja do bolo. Mesmo sabendo de todos os problemas que abalam os corações aflitos, quem está na eternidade quer se jogar na mortalidade. Essa distância entre dois pontos antagônicos, o mortal e o imortal, ganham novos olhares.


Esse transporte das emoções para a tela é sempre um caminho complexo. Mas por aqui tudo é feito com uma simplicidade aliada a uma inteligente emocional que fazem um tour de 360 graus quando pensamos em conflitos e o espaço/tempo. As interpretações serão diversas, cada um vai sentir esse filme de uma forma de diferente de acordo como seu modo de enxergar o mundo.


O filme termina dizendo que sua história continua. É verdade. Uma continuação lançada cinco anos depois, Tão Longe, Tão Perto, complementa a fantasia e as reflexões propostas nos mostrando o desenvolver dos principais personagens que vemos por aqui. Foi também uma inspiração para uma outra obra, dessa vez hollywoodiana, protagonizada por Meg Ryan e Nicolas Cage lançada 25 anos atrás, Cidade dos Anjos.


Wenders, hoje perto dos 80 anos, deve aparecer em muitas listas nesse ano com o também belíssimo Perfect Days que tem muitos paralelos com essa obra aqui. Ele é um eterno seguidor de outros monstros sagrados da cinematografia mundial, inclusive essa obra-prima é dedicada a alguns dos seus maiores ídolos: o japonês Yasujirô Ozu, o francês François Truffaut e o russo Andrei Tarkovsky. Esses dois últimos falecidos anos antes do lançamento de Asas do Desejo.


Para quem se interessar, o filme está disponível no catálogo da Prime Video e também do Telecine. Vejam que não vão se arrepender!

 


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08/11/2023

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Crítica do filme: 'Obrigado, Rapazes'


A liberdade para quem se acostumou com a reclusão. Integrante da ótima seleção do Festival de Cinema Italiano 2023, a comédia com fortes traços de drama existencial Obrigado, Rapazes foca seus esforços para refletir sobre o papel da arte e o significado de uma mudança no olhar para a realidade. Invocando um dos maiores dramaturgos do século XX para encontrar sentidos para abaladas trajetórias de vida, a narrativa rumo para a esperança através de uma jornada de descobertas por meio de um protagonista que percebe rapidamente a troca mútua que o espera. Remake do longa francês A Noite do Triunfo, Obrigado, Rapazes tem uma singela poesia, cheia de metáforas, que nos aproxima dos personagens a todo instante.


Na trama, conhecemos Antonio (Antonio Albanese), um experiente ator, pai de uma jovem, já na casa dos 30 anos que mora no Canadá, que trabalha no seu presente como dublador de filmes para adultos e parece não estar nada feliz com os rumos que sua vida e carreira levaram. Certo dia, após receber uma ajuda de um amigo dono de teatro, tem a chance de um novo trabalho como professor de um curso de teatro dentro de um presídio italiano. Assim, conhece alguns presidiários mais a fundo, os ajudando a encenar a peça Esperando Godot, do autor irlandês Samuel Beckett. Será esse o empurrãozinho que precisavam para enxergar suas vidas com outros olhos?


A prisão como um lugar de esperança na reabilitação. A dramédia invoca uma obra escrita no final da década de 40, uma das mais famosas do autor Samuel Beckett, com uma história que diz muito do que vemos na trajetória dos personagens. O valor da arte como elemento agregador na reabilitação é uma das reflexões mais interessantes que o longa-metragem dirigido por Riccardo Milani nos leva. A ressignificação da vida por aqui é um mola propulsora para debates existencialistas.


A contextualização e atualidades são resgatadas nas entrelinhas de uma narrativa que foge do riso fácil, onde o drama e a busca pela esperança contornam as desconstruções dos personagens. Temas sobre a sociedade atual não são esquecidos. Além da própria reflexão sobre a ressocialização dos presos, a imigração também ganha holofotes, além das oportunidades de trabalho. O professor Antonio acaba sendo um espelho que reflete na vida dos presos, numa relação mútua na busca pelo tão sonhado encontro com a esperança pelos caminhos de direção da própria vida.


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Crítica do filme: 'A Sombra de Caravaggio'


Os detalhes que fazem a perfeição. Um dos destaques da seleção do Festival de Cinema Italiano 2023, excelente mostra de filmes gratuita com exibições em algumas salas e online, A Sombra de Caravaggio nos mostra alguns recortes da vida de Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, um influente pintor do final do século XVI e início do XVII que marcou a arte barroca em todo o mundo com uma extensa obra que buscava a associação do que era divino e do que era humano numa época onde a igreja católica mandava e desmandava na Itália. Dirigido pelo cineasta italiano Michele Placido, a narrativa se joga pelas imagens e movimentos de elementos emocionais conflitantes, característicos do protagonista.


Na trama, conhecemos parte da vida de Caravaggio (Riccardo Scamarcio), um famoso pintor que fez carreira na Itália e usava sua maestria arte como uma espécie de desabafo pelas associações que traçava em relação a tudo que via. Transformando em arte, a dor e angústia da humanidade, navegamos na fase final de vida do artista quando conseguiu abrigo após ser acusado de assassinato chegando à Nápoles em 1609, à espera de um perdão papal. Em paralelo a isso, acompanhamos a investigação da Igreja Católica, na figura do enigmático Ombra (Louis Garrel), para saber se o protagonista merece ou não o perdão.


O fascínio, o amor, o ódio. Elementos emocionais conflitantes guiavam a trajetória da genialidade de um artista complexo, intrigante, muitas vezes provocado, punido, senhor de grandes angústias numa reta em busca de validar seu espírito livre o que o levara para os lados interpretativos da inconsequência. Amados por alguns, odiados por tantos outros, Caravaggio era uma figura difícil de ser definida. Talvez por isso a narrativa se fixa nos diversos conflitos nessa fase de vida que o filme retrata, consumido pela angústia de não saber seu destino, andando entre Milão, Nápoles e Malta, criando arte a partir de expressões marcantes com referências em pessoas que encontrava nas noites em que não dormia.


Um dos inúmeros pontos positivos desse filme é o alcance de um poderoso recorte de uma época. Em paralelo a história do artista, enxergamos o olhar da Igreja Católica, até então definidora de destinos com seu poder de punição, sem saber o que fazer com um talento reconhecido por todos que apresentava suas obras ligadas ao divino de uma forma nunca antes vista. A personificação disso chega na figura sombria do personagem de Louis Garrel. Há também o olhar da alta sociedade sobre a situação do pintor, protegido em grande parte por famílias influentes, adoradores de seus trabalhos, ao longo de toda a Itália, como a influente Família Colonna aqui mencionada pela personagem de Isabelle Huppert, Costanza.


Com direito a intensos duelos de espadas, passagens históricas das origens de alguns obras lembradas até hoje e grandes imagens que representam o conjunto de angústias de um homem em eterno conflito, A Sombra de Caravaggio busca apresentar os fatos que compõem a reta final de vida do artista que marcou o movimento barroco.




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25/06/2021

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Crítica do filme: 'Äiti''


O medo do confrontar para se achar algum oásis dentro dos porquês. Há uma hipocrisia em uma sociedade que não aceita perdoar? Fazendo refletir sobre várias questões existenciais mesmo tendo o foco completo em uma introspectiva protagonista que carrega uma enorme culpa nas costas, Äiti, filme finlandês caminha sobre os reflexos da hipocrisia dentro de uma angústia profunda que dita o compasso de todo o desenrolar que vemos. Mesmo não estando escancarada, o filme pergunta a todo instante o que diabos aconteceu no dia da tragédia que passa a personagem principal mesmo que seu roteiro deixe essa questão, para alguns, importante, em segundo plano. Um belo trabalho, escrito e dirigido pelo cineasta finlandês Samppa Batal.


Na trama, conhecemos Eeva (Jaana Saarinen), uma mulher que sai da prisão após ser acusada de cometer um crime. No início não sabemos direito sobre essa mulher, conforme o tempo passa acompanhamos sua luta para um encontro com sua filha, os confrontos com vizinhos e pessoas que acompanharam anos atrás a tragédia que marcou para sempre a sua vida.  Sendo explusa de hotel, e quase não conseguindo nenhum bico para se sustentar, a única pessoa que a trata bem é o seu novo empregador, que passou por um trauma ligado à mãe anos passados e talvez por isso consiga se conectar com a história e principalmente a busca da protagonista numa melhor relação com a filha.


Talvez você não a queira como sua mãe mas você é filha dela. Esse embate sobre a questão acontece mais nos pensamentos e novas descobertas da protagonista, reunindo em ações quase desesperadas todo o sentimento de saudade que sente por sua filha. Entendemos melhor isso quando descobrimos o que ocorreu para ela ser presa e ficar tanto tempo longe da filha. Buscando se reestabelecer na sociedade após sair da prisão condenada por assassinato o marido acaba descobrindo que não para de ser Julgada dentro de uma pena sem fim, jogada para escanteio pelos que conheceram a tragédia. Esse arco, bastante composto de reflexões, acaba nos levando a uma jornada amargurada nos fazendo refletir sobre segundas chances.



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07/06/2021

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Crítica do filme: 'Eu Estava em Casa, Mas...'


A busca da própria verdade pessoal. Ganhador do Urso de Prata de Melhor Direção (Angela Schanelec) em Berlim no ano de 2019, Eu Estava em Casa, Mas... é um curioso longa-metragem alemão de planos quase estáticos, muito atento aos detalhes. Mas a questão é essa: que detalhes seriam esses? Alguns vão achar que é um filme sobre o nada, outros uma mera e caótica tentativa de trazer para debate conflitos que podemos enxergar na realidade, na vida real, ligados à família, pais e filhos, dentro de um panorama europeu. Em certo momento, possui uma certa desponderação sobre a arte rebatendo a pergunta: O quão raso e vazio pode ser o atuar perante os olhos de quem não consegue conscientizar? Estreia nos cinemas no dia 10 de junho.


É difícil até definir a trama. Basicamente gira em torno de uma mulher chamada Astrid (Maren Eggert), mãe de duas crianças, viúva faz dois anos de um ex-diretor de teatro, consumida por problemas pessoais e dificuldades de interagir, seja em casa na educação de seus filhos, seja na rua com terceiros. Seu filho mais velho some por um tempo e reaparece todo sujo, gerando debates sobre o ocorrido na escola. Os dias passam e Astrid busca compreender a vida sob várias óticas.


As imagens possuem grande força quando paramos e buscamos compreender os personagens e as referências que produzem. Obviamente é um quebra-cabeça com peças faltando, o exercício se torna preenchermos as lacunas a partir do que entendemos. Parece que estamos folheando um complicado livro de filosofia onde as reflexões chegam por meio de metáforas enigmáticas. Há um movimento sobre a solidão, o estar só, isso é uma certeza a partir da sofrida personagem que parece estar em volta de uma depressão constante, perdida no seu tempo como mãe, como mulher, com seu pensar crítico sobre uma sociedade e seus mínimos detalhes (parábola da bicicleta que permeia o roteiro).


De sentido concreto, há espaço para um intenso debate sobre a arte e alguns dos seus significados. Os paralelos sobre a essência da razão individualista, das inúmeras formas de interpretar, o raso e o vazio e principalmente as emoções que a arte nos traz. Em certo ponto parece até uma conversa com o espectador, principalmente na parte ao redor disso que transborda na paciência.


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06/06/2021

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Crítica do filme: 'Black - Amor em Tempos de Ódio'


Os chocantes tempos onde a inconsequência beira ao caos violento de vidas perdidas. Um filme forte, impactante, que mostra a falta de limites do ser humano que só conhece a violência como resposta a qualquer pergunta, Black - Amor em Tempos de Ódio traz para a ficção ações de vândalos, ladrões, traficantes de gangues de jovens em Bruxelas. Há um paralelo com a realidade conforme entendemos nos créditos finais. O filme busca também uma crítica para a ineficácia da polícia nas tentativas de mudanças de comportamentos, em leis não eficientes para o controle de uma situação que está completamente descontrolada. Um explosivo e dramático trabalho da dupla de cineastas Adil El Arbi e Bilall Fallah. Disponível no catálogo do streaming Reserva Imovision.


Na trama, conhecemos Marwan (Aboubakr Bensaihi), um jovem descendente de marroquinos que faz parte de uma gangue que rouba por toda Bruxelas. Em paralelo, conhecemos a também jovem negra Mavela (Martha Canga Antonio) que acaba de iniciar em uma outra gangue, rival da do primeiro. Eles acabam se conhecendo e se apaixonando. Encaram diariamente o certo e o errado bem na frente deles com escolhas podendo serem feitas mas consumidos por razões e emoções que vão desde suas origens até mesmo o eterno conflito do ser humano em ter status, ser o maioral, não importando as formas como se chegam até os objetivos. Mas com a polícia no pé das gangues deles (respectivas) e um eminente confronto violento entre as duas facções, o casal de apaixonados precisará encontrar saídas para se manterem juntos e vivos nessa história.


O subtítulo não poderia ser melhor: O amor em tempos de ódio. Somando a isso, rebeldia, guerras movidas a raça, preconceito, o longa-metragem ao longo de uma hora e meia, mostra a visão de homens e mulheres perdidos na inconsequência, no ganho fácil com um olhar para a violência como algo comum. Dentro dessa ótica, refletimos sobre a tão comentada cultura da violência com exemplos negativos a cada frame. Pelo chocar, Arbi e Fallah buscam o refletir. Até quando jovens, não só na Bélgica, mas pelo mundo, vão perder suas vidas para a banalidade de influências ruins? Onde a sociedade e as forças policiais, que devem proteger, podem se inserir para ajudar nessa situação? Leis mais rígidas? Acompanhamento com psicólogos? Mais tempo no xadrez? Há exemplos de redenção em meio a esse caos? Pra se refletir!

 

 

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04/06/2021

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Crítica do filme: 'Holiday'


O paradoxo entre luxo e a violência sem limites. Após dois curtas-metragens e ter assinado o roteiro do polêmico filme Border, a cineasta sueca de 43 anos Isabella Eklöf chega ao seu primeiro longa-metragem na direção dando um grande bico na porta contando a trajetória de uma ingênua jovem e seu relacionamento abusivo com um gângster durante a passagem deles na cidade portuária de Bodrum, na Riviera turca. História impactante, cenas pesadíssimas, que embrulha o estômago mas faz refletir sobre a questão da redenção dentro de um camuflado deslumbre, se existe ou não. Holiday está disponível no ótimo catálogo do streaming Reserva Imovision.


Na trama, conhecemos Sascha (Victoria Carmen Sonne), uma jovem que desembarca em um aeroporto na Turquia para passar um tempo na casa de praia do namorado bandido Michael (Lai Yde) e acaba encarando uma normalidade de violência e abusos dentro do universo do namorado. Quando parece que começa a perceber que há algo errado, ou pelo menos que deseja sair daquele universo mesmo que de maneira não convicta, ela conhece um velejador holandês mas Michael não deixará as coisas irem para o rumo que estavam caminhando.


Selecionado para o Festival de Sundance no ano de 2018, Holiday, aborda paralelos que nos fazem entender melhor a protagonista, consumida por uma ingenuidade tamanha. Por exemplo, o medo vira um paralelo para o ar dessa ingenuidade que envolve a personagem, escolhas aparecem na sua frente a todo instante mas o deslumbre para com um vida de luxo e a acomodação de uma falsa liberdade parece que a deixam confusa a todo instante, mesmo seus instintos a levando para uma busca por uma outra realidade pois aquilo que vive não pode ser nem de longe um padrão para uma vida calma e tranquila. Nada ao seu redor a ajuda nesse caminho complicado, a chegada do velejador holandês parece que desperta nela uma reação de esperança, quase uma desconstrução sobre a sua visão daqueles dias naquele lugar.


Violência física, psicológica, o filme é recheado de fortes cenas que deixarão o espectador impactado. Esse poder de atingir chocando é o caminho tomado por Eklöf para mostrar os caminhos quase sem volta da vida, por escolhas que estão na nossa frente mas com todos os obstáculos que as vezes não nos fazem enxergar.

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26/05/2021

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Crítica do filme: 'Riders of Justice'


A eterna busca sobre as razões e/ou porquês da vida. Completando cerca de 20 anos de carreira, seja como roteirista ou diretor, o cineasta dinamarquês Anders Thomas Jensen escreve e dirige um profundo drama, puxado inclusive para a psicologia, camuflado de ação. Há leveza didática para nos mostrar os problemas diversos psicológicos que os personagens possuem. Onde há o riso também há reflexão. Tem o pós luto de um militar frio que viveu mais tempo no exército do que com a própria família, estáticos e matemáticos com problemas de aceitação, bullying e traumas de violência no passado. Riders of Justice é dinâmico, vivo e pulsante. Em cena, um show de Mads Mikkelsen, Nikolaj Lie Kaas e cia.


Na trama, conhecemos o militar Markus (Mads Mikkelsen) que após prorrogar sua missão em algum lugar do mundo fica sabendo que sua esposa faleceu em um acidente dentro de um trem onde inclusive estava sua filha que sobreviveu. Aprendendo a lidar com a filha que pouco conhece por estar sempre defendendo seu pais em missões pelo planeta, seu destino acaba se unindo a de Otto (Nikolaj Lie Kaas) um matemático que busca em suas lógicas de softwares paralelos entre ocorridos e pré-disposições de ações anteriores, inclusive estava no mesmo trem que a esposa de Markus e desconfia que não fora um acidente. Assim, essas duas almas, juntamente com outros personagens vão buscar os responsáveis pelo ocorrido. Mas quem é o real responsável?


Os números não mentem. Será? Não é bem uma amizade no início formada pelo excêntrico grupo, é uma aceitação do mesmo objetivo por cada um de maneira única e não igual. Impressionante como as linhas do roteiro buscam nas lógicas matemáticas até mesmo suas aplicações de dinamismo da trama. Em duas retas paralelas acompanhamos dois homens em busca de provação para uma tragédia, as inteligentes analogias com o xadrez, ações atribuindo resultados, com todas as peças na mesa, até mesmo as profundas interpretações da fé no luto (conflito entre realidade e fantasia?). O equilíbrio entre o drama e a ação é feito de maneira muito sutil, ainda com recursos cômicos de um humor ácido e sangrento.


O lado psicológico do intensificado abalo emocional de um luto mal vivido, chega por diversas variáveis, talvez a transformação mais sentida é a de Markus, uma desconstrução sentida já nos arcos finais quando as razões lógicas, as estatísticas e as coincidências parecem de alguma forma fazer sentido para esse ser humano gelado que não expressa um sorriso durante todo o filme. Mais um trabalho muito difícil e sensacional de um dos melhores atores do planeta Mads Mikkelsen.

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25/05/2021

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Crítica do filme: 'O Mundo de Gloria'


Nas dificuldades que conhecemos a dura realidade que nos atinge. Buscando ser sincrônico com a realidade de muitos, O Mundo de Gloria explora a questão do trabalho na França, as oportunidades, as escolhas, uma curta visão sobre dificuldades no empreendimento, também abre um grande holofote para questões e dramas familiares. Indicado ao Leão de Ouro em Veneza no ano de 2019, escrito e dirigido pelo cineasta francês (nascido em Marselha) Robert Guédiguian, o drama busca ser um retrato comovente sobre como é viver nos limites de uma sociedade capitalista e com chances para poucos.


Na trama, conhecemos uma família que começa e buscar sentido em seus problemas após o nascimento de Gloria. A esforçada avó que tem que pegar mais de um turno no trabalho como faxineira de grandes empresas, tem o avô da recém-nascida, que esteve preso por duas décadas após uma situação mal compreendida, A sobrevivência em tempos tão complicados chega também no contexto dos jovens pais de Gloria, a mãe é vendedora de uma loja de artigos femininos, o pai é motorista de Uber. Há também a tia e suas impressões muitas vezes cruéis sobre a irmã, que mesmo criadas juntas possuem distanciamento na forma de pensar. A interseção chega com as dificuldades de cada integrante dessa família e seus subsequentes problemas financeiros que afetam a todos de alguma forma.


Ambientado em uma Marselha nos tempos atuais, Guédiguian, como em outros filmes de sua autoria, busca um olhar mais detalhado sobre as condições sociais e financeiras de famílias em busca de dias melhores. A partir disso, várias situações nos levam a reflexões variadas conforme são feitas as escolhas dos amargurados personagens. Mesmo na superfície em muitas questões, como por exemplo fazer ou não fazer greve no trabalho, as razões em um embate sobre o risco de ser demitido e o justo aumento de mais direitos para o trabalhador são válidos para nos fazer ecoar em nosso pensar sobre esses tempos tão complicados para muitos não só nos países da Europa camuflados de potência econômica.


Vencedor do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza de dois anos atrás (Ariane Ascaride), O Mundo de Gloria mesmo sendo visto como vários recortes reverberando dentro do universo trabalhista secundário (mão de obra não muito qualificada) consegue retratar a beirada do caos emocional de uma família limitada de dentro pra fora e de fora para dentro. Não há margem para perfeição na luta diária de cada dia.  

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23/05/2021

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Crítica do filme: 'Adieu les cons'


É pra rir? É pra se emocionar? É para ficar irritado? Vencedor da última edição do Cesar (o Oscar Francês), Adieu les cons busca conquistar o público dentro de uma lógica mirabolante e de difícil compreensão, usa recursos cômicos exagerados sempre querendo chamar a atenção o que atrapalha demais a interação principalmente nas frustradas tentativas do drama evoluir. Análises psicológicas baseada nos achismos do cotidiano de protagonistas com pouca profundidade transforma esse longa-metragem, protagonizado por uma das musas do cinema europeu contemporâneo, a belga Virginie Efira e pelo francês Albert Dupontel. Esse último ainda dirige e roteiriza esse sonolento filme que pouco agrada.


Na trama, conhecemos Suze (Virginie Efira) uma cabelereira que passou dos 40 anos e acaba enfrentando uma grande encruzilhada quando é diagnosticada com uma doença complicada de cura. Mais de 30 anos atrás ela abandonou seu único filho por não ter condição de cuidar dele. Assim, resolve partir em uma aventura em busca de informações sobre a criança. Para tal, acaba esbarrando sua trajetória com o do analista de sistemas Cuchas (Albert Dupontel), um homem tímido que está prestes a ser passado para trás em seu trabalho por o considerarem velho, ele se encontra perdido dentro de seu universo de interação limitada aos algoritmos, inclusive tenta suicídio de maneira imbecil. Essas duas almas partem para a inconsequência tentando buscar alguma saída para seus dramas.


Sobre essa inconsequência, ela é a base desse projeto que busca na excentricidade abrir os olhos para as entrelinhas de forma desordenada e confusa deixando a mensagem incompleta a todo instante. Os aspectos psicológicos entram em campo quando percebemos uma jornada sem volta para ações e reações mas não há a profundidade necessária para termos um entendimento completo sobre o que estamos assistindo, parece um show de horrores com objetivo de fazer gerar risos a partir dos problemas.  

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22/05/2021

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Crítica do filme: 'Alice e o Prefeito'


Os devaneios do caminhante solitário. Um político cansado, que não consegue mais pensar. Uma jovem que volta à França depois de alguns anos e vai trabalhar nos bastidores da política mesmo não tendo nenhuma experiência dessas antes. Escrito e dirigido pelo cineasta parisiense Nicolas Pariser, Alice e o Prefeito, que chega aos cinemas dia 27 de maio, transforma os maçantes e embaralhados temas da política em crônicas sociais com paralelos utópicos e o entendimento das razões práticas surgindo muitas vezes através de grandes pensamentos desse e de outros séculos.


Na trama, conhecemos Alice (Anaïs Demoustier), uma jovem formada em letras que consegue um emprego na prefeitura de Lyon. Recrutada para uma vaga inexistente e logo em seguida recrutada para outra, acaba sendo uma das pessoas mais próximas do prefeito Paul Théraneau (Fabrice Luchini) sendo responsável em pouco tempo por pautas importantes como discursos dele. Assim, somos testemunhas de debates com argumentações didáticas sobre esquerda, direita, progressistas, socialistas, dentro dos bastidores tumultuados e sempre exigentes da prefeitura dessa grande cidade francesa.


A experiência na política acaba fazendo a protagonista entrar em certo colapso emocional passando a ter mais dificuldades para achar o sentido de como chegou até ali. Crise existencial? Sim, o filme toca nesse tema a todo instante seja na ótica do experiente e já perto da aposentadoria prefeito, seja na da jovem fera em filosofia de 30 anos, com sua visão de fora, não acostumada às práticas políticas. E falando nesses extremos de visões sobre a vida por conta da distância das gerações, o roteiro é sublime em conseguir achar os pontos de interseção e transformá-los em agradáveis diálogos, alguns até mesmo esclarecedores sobre situações políticas europeias atuais. Temas como a modéstia (o mais objetivo contraponto do senso comum da arrogância) e a filosofia como terapia são colocados aos nossos olhos, além de inúmeras definições sobre o que seria uma ideia.


Os contornos desenvolvidos dentro de paralelos elevam a qualidade desse longa-metragem, ganhador do prêmio de Melhor Atriz na última edição do Oscar Francês (o Cesar). Dentro disso, um interessante paralelo com a arte é exibido em forma de debates sobre a literatura de clássicos, pinturas, na ópera até mesmo nas reflexões sobre a perda do crédito local que afeta formas civilizadas de vida. Um filme que poderia ser bem chato se torna uma leve e grande aula sobre a existência.

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21/05/2021

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Crítica do filme: 'Trópico Fantasma'


Quando o acaso abre nossos olhos para o mundo. Escrito e dirigido pelo cineasta belga de 38 anos, Bas Devos, Trópico Fantasma, que estreia dia 20 de maio no ótimo streaming da Supo Mungam Plus, consegue em menos de 90 minutos ser intrigante em nos fazer encontrar sentido quando nada é o que parece. Somos testemunhas de uma metáfora social que complementa o preenchimento de espaço da vida, como tópicos contemplativos absortos de uma personagem que vira protagonista na vida de muitos dos que encontra pelo caminho. Planos longos, um abre alas e um desfecho estonteante, extático. Focado em uma personagem que está em um momento cogitabunda, andando pelas ruas frias da madrugada europeia, somos levados a uma viagem sobre a necessidade de conhecermos melhor o nosso entorno social.


Na trama, conhecemos uma esforçada trabalhadora, já com certa idade, chamada Khadija (Saadia Bentaïeb) que após sair do serviço tarde da noite acaba dormindo na condução de volta para casa e vai parar no ponto final da estação, a dezenas de quilômetros de casa. Sem ter como sacar dinheiro e sem condução por causa do horário, resolve ir a pé pra casa e assim conhece e aprende mais sobre a vida através de outros personagens e situações que cruzam seu caminho. Um homem morando escondido em uma casa que a protagonista já trabalhou, um morador de rua desacordado e um cachorro perto do dono, uma atendente separada com uma filha pequena que trabalha em uma loja de conveniência, são alguns dos que passam pelos olhos da personagem principal.


Dentro de um sensível olhar, colocando destaque para uma belíssima fotografia (tecnicamente o filme chama a atenção), percebemos a delicadeza em todos os cantos. Enxergamos esse universo através de Khadija, essa que vai descobrindo pelo trajeto transformações de uma cidade e também interagindo, com diálogos sempre com pontas sociais nas entrelinhas, com pessoas que nunca viu, serviços que nunca pediu. Uma faxineira, com dois filhos quase adultos que perdera seu marido faz 10 anos, se depara com pessoas e situações que a fazem pensar sobre a cidade que vive e um pouco também sobre a forma como vive seus dias quase sem tempo para si mesma, sem conseguir enxergar um novo mundo que está ali na sua frente.


Pode não ser um filme fácil para alguns, podem achar paradão, mas ao se conectar com ele o espectador recebe um grandioso e interessante presente que chega em forma de reflexão com os nossos paralelos cotidianos. Longe da vertente devaneadora, o que há mais de concreto em tudo que assistimos é a certeza de uma personagem em transformação tal qual o universo restrito (caminho de casa para o trabalho) que conhece ao seu redor.

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17/05/2021

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Crítica do filme: 'Agnes Joy'


O choque do espírito pragmático com o espírito sonhador. Escrito e dirigido pela cineasta islandesa Silja Hauksdóttir, Agnes Joy, indicado pela Islândia ao Oscar no ano de 2019, caminha a curtos passos entre conflitos de mães e filhas de duas gerações, imposições sobre a vida, aquelas dentro da lógica de doutrinas de senso comum andando na linha do ‘normal social’. A rebeldia aliada à inconsequência, como as aparências enganam, como equilibrar a arte do sonhar, são questões que chegam forte nas nossas mais óbvias reflexões sobre o que vemos ao longo de menos de 90 minutos de projeção. Por mais que o nome do filme seja Anges Joy (nome da filha), a trama gira quase sempre em torno da mãe (interpretada pela ótima atriz Katla M. Þorgeirsdóttir). Um interessante trabalho, mais profundo do que aparenta ser.


Na trama, conhecemos Rannveig (Katla M. Þorgeirsdóttir), uma mãe rígida, controladora, comandante da empresa da família, a qual teve que assumir assim que seu pai faleceu interrompendo seus outros sonhos. Infeliz no trabalho, ela se desdobra entre a educação da filha adotada Agnes Joy (Donna Cruz), alguma atenção que busca do marido Einar (Þorsteinn Bachmann) e as aparências para os outros de sua ‘família perfeita’.  Quando a chegada de um novo vizinho, um ator conhecido por alguns, acaba mexendo um pouco nessa história vamos descobrindo os sentimentos escondidos dos personagens. Embaralhados pontos de vistas sobre o casamento mãe e pai completamente distantes ganham argumentos diversos.


Encontramos mais sentido sobre a vida, sentados vendo o mar, do que no meio do caos e estresse que pode virar nossa rotina. Nessa batalha entre o nublado e o céu de brigadeiro quando pensamos sobre nosso futuro, o foco para os paralelos acabam sendo dentro da questão familiar. Mãe, filha e pai, cada um à sua forma, buscam ser uma família perfeita aos olhos dos outros mas o cotidiano só comprova que não existe família perfeita. A primeira a se rebelar contra a mesmice infeliz é Agnes o que acaba preparando o terreno para Rannveig buscar se reinventar, dando sorrisos aos desejos, buscando não controlar tanto tudo e a todos mas as linhas do roteiro não desenvolvem Einar o que acaba deixando lacunas a serem preenchidas para um entendimento mais completo das transformações que acontecem.  


O filme possui poucas questões sobre o trabalho de Rannveig mas o pouco que aborda abre uma ótica para a questão de trabalhadores estrangeiros que arriscam tudo e imigram para países europeus em buscam de boas oportunidades mas muitas empresas colocam salários lá embaixo e poucas oportunidades, diferente do que seriam se fossem por um trabalhador local. Quase uma escravidão moderna. Mesmo na superfície, o filme levanta essa ótima questão global.

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30/03/2021

Crítica do filme: 'Quando um Homem Volta Para Casa'


Sobre as várias facetas do amor, da paixão, quais são as regras da atração? Quinto longa-metragem escrito e dirigido pelo genial cineasta dinamarquês Thomas Vinterberg, lançado em meados de 2007, Quando um Homem Volta Para Casa é um recorte tragicômico de um jovem que entra em erupções com seus conflitos amorosos e paternais quando o presente parece pedir passagem às linhas de raciocínio concretas feitas em seu passado. O dinamismo do roteiro chama atenção. São fragmentos de subtramas que passam e repassam sobre os conformes dentre o pensar dos personagens envolvidos, descamuflando suas lacunas escondidas retratando as ações da inconsequência de maneira honesta e com certo ar de naturalidade. Um trabalho pouco falado do gênio dinamarquês.


Na trama, seguimos a trilha de Sebastian (Oliver Møller-Knauer), um jovem auxiliar de cozinheiro que está envolvido em um grande banquete para uma personalidade local, um tenor chamado Hans (Thomas Bo Larsen) que retorna à sua terra natal depois de décadas para uma apresentação. Até aí nada muito curioso, a não ser o complementar fato de que sua mãe, que é lésbica, o surpreende dizendo que a tal personalidade é seu pai biológico. Assim, o jovem, que possui uma gagueira forte desde sempre precisará enfrentar seu passado de algumas formas.


Muitos personagens excêntricos, um ar nostálgico que parecem assumir de vez seus conflitos para uma tentativa quase desesperada e até mesmo surpreendente de tomar as rédeas de suas vidas. Os conflitos de personalidades dentro do contexto amarrado no roteiro cria soluções para muitas lacunas que precisamos preencher. Há muitas óticas para serem analisadas, sempre aliadas com o ar provocativo de Vinterberg. Um jovem em crise, trai a namorada com um antigo amor, só aí nesse caso, há um triângulo formado e as resoluções desses embates partem do princípio do sentido de amadurecimento que os personagens passam. Por outro lado, talvez a parte mais complexa, a relação de Sebastian com o novo pai cria laços inimagináveis tendo sua amada Maria (Ronja Mannov Olesen) em mais um epicentro de conflito.


Buscando a naturalidade em profundas argumentações e tensões provocadas por atos inconsequentes, um dos criadores do Dogma 95 (ao lado de Lars Von Trier) usa e abusa do seu estilo provocador descontruindo a tradição e dando um ar de atualidade ao que pensamos sobre família.  

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26/03/2021

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Crítica do filme: '101 Reykjavík'


As questões do ‘como ou porquê’. Lançado a quase 20 anos, segundo longa-metragem da carreira do ótimo diretor islandês Baltasar Kormákur, 101 Reykjavík é um recorte interessante e até certo ponto atemporal sobre a saída de um homem da bolha em que vive, esperando o passo dos outros antes de dar o seu primeiro, vendo sua vida passar em sua frente sem qualquer sinal de esperança ou plena felicidade. Uma comédia com pitadas de crise existencial que mostra nas entrelinhas das eternas dificuldades de alguns no entender-se com as relações humanas. Roteiro assinado por Kormákur, baseado no livro homônimo de Hallgrímur Helgason.


Na trama, conhecemos Hlynur (Hilmir Snær Guðnason), um amargurado boêmio da vagabundagem que vive seus dias refletindo sobre a vida e buscando soluções rápidas para seus conflitos. Ele mora com mãe em uma casa padrão classe média baixa e vive de ajuda do governo para desempregados. Certo dia, chega na cidade Lola (Victoria Abril), uma professora espanhola de flamengo que logo vira amiga e em seguida namorada de sua mãe. A chegada de Lola dá uma grande reviravolta na acomodada e pacata vida do protagonista.


Há uma melancolia misturada com uma pré-disposição à depressão apresentada pelo curioso personagem, um homem sem muitas pretensões na vida que resolveu vestir as roupas de acomodado eterno vivendo dia após dia fumando seus inúmeros cigarros e indo a bares lotados para tomar cerveja e observar os outros. Suas observações é bem conservadora e isso gera um efeito reverso quando preciso sair do seu pensar e atualizar quando sua mãe resolve se assumir lésbica e ao mesmo tempo Hlynur tem a descoberta de que vai ser pai. Assim, o ‘eremita vivendo em um monastério’ precisa se jogar na vida, aprender, errar, acertar, pois todos sabemos que ela é uma só.


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20/03/2021

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Crítica do filme: 'Asia'


A única coisa que consegui de um homem foi você. Indicado de Israel para o Oscar desse ano, Asia é um pequeno recorte na vida de mãe e filha, os altos e baixos dessa relação que se mostra afastada, distante, mas que ressurge quando precisam enfrentar um dos maiores dramas que uma pessoa pode passar com uma iminência triste. É um filme muito doloroso, onde o foco é quase total na rotina da mãe, uma enfermeira, cuidadosa com seus pacientes mas submersa por uma melancolia por não conseguir olhar pra frente e ver a tão sonhada felicidade. Primeiro longa-metragem da cineasta Ruthy Pribar.


Na trama, conhecemos Asia (Alena Yiv), uma enfermeira batalhadora perto dos 35 anos que se encontra em um momento muito delicado de sua vida. Ela se relaciona com um médico casado, curte longas baladas após o serviço e em casa, sua adolescente filha Vika (Shira Haas) começa a demonstrar mais fortemente uma doença em constante evolução que aos poucos vai tirando seus movimentos. À beira do desespero, Asia resolve tentar melhorar o relacionamento com sua filha, que sempre fora bastante difícil.


Há uma melancolia explícita espalhada pelas ações e até mesmo inconsequências das personagens, de gerações diferentes, óbvio, mãe e filha precisam se encontrar antes que seja tarde mas anos de angústia e muros colocados atrapalham muitas das tentativas gerada pelos últimos desejos da filha perto de um desfecho sem saída para sua condição. Há muita verdade nos olhos dos personagens, em 90 minutos Pribar consegue com suas lentes captar a emoção que navega da tristeza ao êxtase mas como se fosse utilizada como saída para o caminho do esquecimento da realidade que as aflora.

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18/03/2021

Crítica do filme: 'O Veredito'


Os absurdos dos limites da lei. Lançado no segundo semestre de 2013 na Bélgica, escrito e dirigido pelo cineasta belga Jan Verheyen, O Veredito, Het vonnis no original, é um quase escandaloso jogo de sinuca imposto pelo absurdo, por conta de um erro estúpido dentro do processo coloca-se em cheque as leis, o ministro, o alto gabinete jurídico e a falta de bom senso do sistema na figura de um homem que perdeu a forma mais correta de obter justiça para sua dor e sofrimento. Um prato cheio para quem gosta de filmes de tribunais. Grata surpresa. Infelizmente não está em nenhum streaming disponível no Brasil, deveria.


Na trama, conhecemos Luc (Koen De Bouw), um engenheiro competente que está prestes a ser nomeado CEO da empresa que trabalha a mais de duas décadas. Mas, certa noite, quando estaciona para abastecer o carro com sua filha e esposa, acaba vendo a segunda morrendo assassinada por um bandido que foge correndo. Infelizmente, a primeira acaba morrendo também de uma fatalidade desse mesmo pós momento. Sem chão e tentando reunir os cacos, Luc se distancia do seu emprego e vê seu mundo desmoronar de vez quando o assassino de sua esposa é preso mas solto porque faltou uma assinatura na papelada de prisão o que inclusive livra o bandido das acusações. Assim, Luc assassina o bandido e faz questão de ser julgado pelo crime, o que leva a uma grande confusão nos bastidores do poder judiciário belga.


A premissa é simples: Um homem em busca de justiça lutando curiosamente, de certa forma, contra a lei. Certo? Errado? Um objetivo: vingar de alguma forma, inclusive pelos olhos da lei, o terrível assassinato de sua esposa que também acabou contribuindo para a morte da filha. O filme é muito tenso, vemos a todo instante aqueles corredores percorridos por engravatados contidos dentro do sistema judicial sob enorme pressão da mídia, do povo. Cada detalhe é captado pela ágil lente do diretor. Somos nós, de alguma forma, também, do lado de cá da telona que decidimos se ele é culpado ou inocente tendo em vista tudo que ele passou.


Após curtos arcos construtivos contando alguns porquês, uma enorme batalha chega ao tribunal, advogados defendendo suas estratégias, alguns provocando inclusive o colega, psicólogos com teorias e certezas, psiquiatras buscando explicações sobre o emocional, no caso, que ajudem a defender ou não as estratégias de ambos os lados. Mas engana-se quem pensou que só veríamos os duelos dentro do tribunal, longe dali, no alto escalão do poder, peças são mexidas.


Um filme cheio de tensão que escancara pequenos erros que podem fazer grandes diferentes em alguns sistemas jurídicos mas que também reflete dentro da ótica da emoção do protagonista pois a verdadeira prisão dele, a da dor da solidão é quase perpétua não importa onde esteja.

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15/03/2021

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Crítica do filme: 'Banklady'


Quando a adrenalina e o prazer acionam um gatilho em forma de transtorno de personalidade. Dirigido pelo cineasta alemão Christian Alvart, em Banklady voltamos para meados da década de 60, em Hamburgo na Alemanha onde uma mulher trabalhadora dentro de uma rotina monótona vira a primeira mulher assaltante de banco da Alemanha. O filme tem vários caminhos interessantes, desde a conturbada linha do bandido carismático, o foco da mídia, até uma psicologia complicada, desiludida no amor. A protagonista, interpretada pela ótima atriz Nadeshda Brennicke, parece viver em outro compasso do que a realidade que a cerca. Interessantíssimo filme alemão.


Na trama, conhecemos Gisela Werler (Nadeshda Brennicke), uma batalhadora que trabalha em uma fábrica de impressão e vive, além de sustentar, os pais já bem idosos. Sem propósitos na vida, vivendo uma solidão evidente desencontrada com seus sonhos de ser popular, ou mesmo, ter a mesma vida das modelos de revistas que sempre observa, a protagonista conhece Hermann (Charly Hübner), um ladrão de bancos que após algumas situações resolve desafiar Gisela para um assalto a banco. A partir desse ponto, a vida de Gisela muda e ela se torna impulsiva e imprevisível. Dentro de um universo machista, acaba sendo elemento surpresa durante um bom tempo.


Quando se impor as inconsequências que chegam em nossos caminhos? A transformação da personagem principal é algo bem notório. Quando vira uma assumida ladra de bancos, divide seu tempo em manter um emprego que já não precisa mais, entrar em conflito com os sentimentos que nutre quase obsessivamente por Hermann e planos cada vez mais audaciosos no seu rentável trabalho criminoso. Além disso, muda a atitude, ganha ares de preocupação com a vaidade principalmente quando percebemos que seus troféus são capas das revistas, quando vira quase uma figura carismática na mídia fervorosa da época.


O filme é dividido em arcos explosivos, tensos com um quê de insensatez psicológica. A chegada da investigação policial quando os crimes se tornam assuntos nacionais fazem o confuso e inexperiente Kommissar Fischer (Ken Duken), responsável pela investigação dos bancos roubados, um grande achado para o roteiro.


Quais os limites da razão e da emoção? Passando por cima dessa pergunta, a protagonista tem sonhos simples com obsessões sendo nutridas dentro dos seus diários choques com o perigoso jogo que sustenta seu ego.

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