31/12/2020

Os 10 Melhores filmes que vi em 2020 (mais duas menções honrosas)


É sempre complicado definir filmes para listas mas mesmo sendo difícil sou a favor delas, muito pelo simples fato dessas listas poderem ser referências para cinéfilos que estão buscando filmes para assistir agora ou mais futuramente. Para tal, entretanto, defino uma regra que é a do filme ter estreado nos cinemas brasileiros, ter passado em algum festival desse ano ou estreado em algum streaming no Brasil.

 

Sendo assim, segue minha lista dos 10 melhores que vi no ano de 2020 (e mais duas menções honrosas):

 

 

 

Bad Education (EUA)

Li essa frase em algum lugar recentemente: ‘A ganância insaciável é um dos tristes fenômenos que apressam a autodestruição do homem.’, não sei de quem é mas ela ilustra muito bem o que assistimos no ótimo longa-metragem produzido pela HBO, Bad Education. O projeto busca recriar um dos maiores escândalo envolvendo roubos quando falamos na ajuda que o governo norte-americano oferece as escolas públicas. Reunindo uma série de situações que mostram toda a ganância e princípios evidentes de sociopatia dos envolvidos, o filme além de bombástico do ponto de vista humano é um espetáculo de boas atuações do ponto de vista cinematográfico. Hugh Jackman, na pele do protagonista, mostra que como herói ele foi muito bom ator mas como vilão é muito melhor.

 

Com direção de Cory Finley (em seu segundo longa-metragem) e roteiro assinado pelo nova iorquino Mike Makowsky (baseado no artigo de Robert Kolker para a New York Magazine), Bad Education, conta a história de duas pessoas amadas pela comunidade de Roslyn (Nova Iorque), nos Estados Unidos, Pam Gluckin (Allison Janney) e Frank Tassone (Hugh Jackman). A primeira é uma espécie de chefe do financeiro e o segundo o chefe da administração da escola. Dois exemplares funcionários que conseguiram levar, junto com o resto da equipe, a escola pública de Roslyn até a quarta posição no ranking nacional de escolas públicas. O problema é que após um deslize e uma investigação amadora feita por uma aluna que faz estágio no jornal da escola, colocam em xeque a personalidade e caráter dessas duas figuras.

 

Os absurdos do roubo que acontece é vista muito pela ótica de Tassone, um homem respeitado pela comunidade, cheio de manias, metrossexual e que parece ter o mundo em suas mãos. Quando seu castelo de cartas começa a desmoronar, principalmente quando Pam é ‘condenada’ pelo conselho que achou suas falcatruas, o personagem entra em uma grande transformação, ou melhor, aquela parede que não nos permitia enxergar quem ele realmente é, cai por terra levando-o a uma série de cinismos e um relacionamento extraconjugal mais prolongado. O mais chocante disso tudo é que ninguém desconfiava de nada, pois, a escola era uma das referências na região, fazendo inclusive aumentarem os próximos dos imóveis que a cercavam.

 

O roteiro, que possui arcos muito bem definidos, alterna ótimos diálogos com cenas impactantes de como a ganância deixa uma pessoa completamente cega e que no final do dia vale mais a pena ver chorar a outra família do que a sua, pelo menos para os envolvidos nesse roubo que ocorreu de verdade em 2004 (inclusive, o roteirista Mike Makowsky era aluno do high school numa região próxima ao ocorrido.).

 

Um ótimo filme, profundo, impactante e que mostra verdades chocantes de um escândalo que abalou as estruturas do ensino norte-americano.

 

 

Mank (EUA)

A lealdade cega pode se tornar sufocante. Produzido pela Netflix e bastante cotado para indicações nas próximas grandes cerimônias de cinema, o novo trabalho do ótimo cineasta David Fincher (Seven, A Rede Social, Clube da Luta...) é um projeto muito interessante, onde  cinéfilos se divertirão pois fala sobre bastidores da maior indústria de cinema do mundo e mais especificamente curiosidades sobre a criação do roteiro de um dos mais aclamados filmes de todos os tempos. Com idas e vindas, com direito a generosos flashbacks e uma trama pincelada por arcos descritos como textos de roteiro há muito mais para refletirmos além dos porquês de Cidadão Kane: As teorias do futuro do cinema para as pessoas da época, As hipocrisias de um mercado capitalista que sempre esteve acima da arte, revoluções e reviravoltas em diversos pontos de ebulições em uma indústria e sua eterna roda gigante de ego e ganância pelos que defendem a interesse de poderosos. Ótima direção de Fincher, grande atuação de Gary Oldman.

 

Na trama, conhecemos Herman Mankiewicz (Gary Oldman), ou apenas Mank, um influente roteirista da década de 30/40, falador, dono de uma bebedeira suicida, viciado em jogos que influencia e acaba sendo influenciado por nomes poderosos de uma época que pega quase a transição do cinema mudo para o cinema falado e onde os grandes roteiristas começaram a surgir. Quando Orson Welles (Tom Burke) chama o protagonista para criar um roteiro, somos testemunhas entre flashbacks e inspirações sobre o processo criativo do ganhador do Oscar de Melhor Roteiro em 1941, Cidadão Kane

 

A narrativa é um grande círculo, como uma rosquinha de canela. O P&B dá um charme e nos leva até as décadas de 30/40, como não amar entrar em um estúdio grandioso do início do outro milênio e conhecer novas curiosidades sobre a bilionária indústria cinematográfica norte-americana. O eterno jogo de interesses de qualquer negócio, artistas, executivos, o amor pela arte flutua em linhas tênues entre status, poder e prazer. As linhas de diálogos, as situações criadas, o papel do roteirista é o grande foco por aqui (sobre o tema roteiristas, o ótimo Trumbo (de Jay Roach) também é uma boa dica) e dentro das reflexões apresentadas pelo protagonista, um eterno observador das ações e da alma humana, fico com uma que se torna um grande decifrador de toda essa jornada: Você não pode captar a vida inteira de um homem em duas horas, no mínimo deixa uma impressão.

 

 

 

Another Round (Dinamarca)

O mundo nunca é como esperamos. Selecionado ao prestigiado Festival de Cannes desse ano e também filme de encerramento da Mostra de SP, o novo longa-metragem do aclamado cineasta dinamarquês Thomas Vinterberg é um grande paradoxo sobre como conseguimos que a despeito de conflitos e angústias a vida ainda pareça boa ou que gere algum tipo de caminho prazeroso dentro de um cotidiano repleto de saudades que sentimos de tudo aquilo que ainda não vimos ou não víamos mais. Another Round pode ser considerado um ensaio psicológico ou uma baboseira total, mas as linhas tênues criadas pelo experimento proposto pelos e para os personagens nos levam a uma junção de reflexões importantes sobre a sociedade. Um trabalho primoroso de Vinterberg que aparece como grande favorito para o próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O filme é estrelado por um dos grandes artistas do mundo quando pensamos em cinema, Mads Mikkelsen, que mais uma vez nos brinda (literalmente nesse caso também) com mais uma inesquecível atuação.

 

Na trama, acompanhamos quatro amigos, professores que passam cada um à sua maneira por muitas infelicidades em suas vidas e analisando suas trajetórias e o presente nas reuniões que fazem quase que semanalmente resolvem tirar do papel a curiosa hipótese de Finn Skarderud que mostra haver um déficit de álcool no sangue e que para isso é preciso consumir uma determinada quantidade de álcool para melhorar as interações sociais/profissionais/familiares. Assim, resolvem serem adeptos ao movimento e acabam descobrimento muito sobre a vida mas também os efeitos colaterais do tal experimento.

 

Quando anunciamos derrota, podemos recomeçar? O roteiro transborda o foco no limite do ser humano que caminha pela angústia, fraco e inoperante, sem saber o que fazer para mudar seus dias. Crise profissional, problemas no casamento, amigos e seus conflitos, desesperados em uma mesmice dentro do cotidiano que não desenvolve viram um reflexo mais amplo de uma sociedade que muitas vezes não sabe como lidar para mudar as situações que a vida lhe impõe, principalmente, quando partimos do princípio que a felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes.

 

Vinterberg, uma das grandes mentes atuais do cenário audiovisual europeu, tem o mérito de conseguir captar a angústia de maneira simples e que passa uma realidade absurda onde logo identificamos olhares parecidos perto de nós ou próximos. Pra chegar ao brinde à vida é necessário vencer os obstáculos.

 

 

Rede de Ódio (Polônia)

A ambição nas mãos de mentes perigosas, os vigias da não informação real. Explorando um assunto muito alta nos tempos atuais, a fake news, o cineasta polonês (de apenas 28 anos!) Mateusz Pacewicz que já nos presenteou com o ótimo Corpus Christi (indicado pela Polônia ao Oscar de melhor filme estrangeiro ano na cerimônia passada) chega dessa vez para marcar presença na memória dos cinéfilos com o inaudito Rede de Ódio que estreou aqui no Brasil pela Netflix. Costurando um protagonista enigmático e assombrado pelos seus pensamentos nocivos e egoístas junto a um mundo sem regras nos meios digitais, Pacewicz consegue a proeza de manter os olhos cinéfilos grudados na tela durante as mais de duas horas de duração. Impressiona a qualidade desse filme, excelente!

 

Na trama, conhecemos o jovem e ambicioso Tomasz Giemza (Maciej Musialowski, em atuação estacada) que vem de origem humilde, do interior da Polônia e tem seus estudos sustentados por tios ricos da capital. Invejoso pelos que os outros tem e ele não, possui uma obsessão com a família que o ajuda nos estudos. Quando o protagonista perde sua bolsa de estudos por conta de um plágio em um trabalho, seu mundo começa a se despedaçar e ele, apaixonado por Gabi (Vanessa Aleksander), filha dos tios que sustentaram seus estudos, entra em uma polêmica equipe de marketing digital onde começa a se envolver com difamação e ódio contra determinados alvos pelas redes sociais.  

 

Impactante até o último suspiro, Rede de ÓdioSala samobójców. Hejter, no original, escancara os muros imperceptíveis de pessoas que se escondem em outras personalidades para disseminar terror e ódio, inconsequentes, trilhando caminhos sombrios da internet. Fruto de uma personalidade muito complicada, o protagonista não tem um pingo de bom senso quando percebe que pode ganhar a confiança dos outros com seus atos terríveis e ações sem o menor receio. Chocante e brutal, os arcos do roteiro vão nos guiando para um final estrondoso que diz muito sobre o mundo desse lado daqui da tela, esse universo real sem meio termos que vivemos e onde perdemos as chances de diálogos e entender ao próximo.

 

Never Rarely Sometimes Always (EUA)

Nunca, raramente, as vezes, sempre. Seu coração pode estar partido hoje mas amanhã à luz da manhã. Ganhador de prêmios esse ano nos Festivais de Berlim e Sundance, um dos filmes mais comentados desse ano atípico para a civilização mundial, Never Rarely Sometimes Always, escrito e dirigido pelo cineasta nova iorquina Eliza Hittman, traz ao público um recorte de um tema polêmico, o aborto, de maneira dura e necessária para gerar a reflexão de todos nós do lado de cá da tela. A protagonista, interpretada por Sidney Flanigan (em seu primeiro filme como atriz) é o retrato de muitas mulheres espalhadas pelo mundo, as escolhas que ela tem e as decisões que toma em um mundo de informações instantâneas mas tão distante para pessoas que ainda estão aprendendo sobre a vida. É um filme com cenas fortes, onde se expressa toda a dor e conflitos da protagonista. Impressiona a captação das emoções pelas lentes sensíveis de Hittman.

 

Na trama, conhecemos Autumn (Sidney Flanigan), uma jovem introspectiva de 17 anos que trabalha como caixa de supermercado enquanto termina a escola e que está passando por uma situação complicada e difícil, se sentindo sozinha, muito por medo de contar à família, medo das reações dos que giram ao seu redor. Buscando entender melhor a situação que vive, vai em busca de soluções que acha as que tem que tomar, ouvindo especialistas em clínicas femininas. Como mora no interior dos EUA, resolve embarcar em uma viagem para Nova Iorque, junto com sua prima e única confidente Skylar (Talia Ryder) para tomar decisões complicadas e tentar seguir em frente com sua vida.

 

As causas da reclusão emocional e suspiros de alegria pela música, um cruzamento de sentimentos. Uma série de problemas ligados às emoções estão contidas na vida da personagem principal, não só provocado pela situação da gravidez que se encontra. O filme abre espaço para outros temas que machucam as mulheres, principalmente sobre o assédio, exemplificado no da própria protagonista e o no da prima, os exemplos são muitos que assim como no filme nessa nossa sociedade ainda muito machista. Deixando claro argumentos profundos e contextualizados sobre dores e escolhas Never Rarely Sometimes Always possui 100 minutos de muitas histórias, não só desse recorte. Um filme importante para debates cada vez mais intensos e necessários sobre os temas abordados. Um belo trabalho da diretora e roteirista Eliza Hittman.

 

Soul (EUA)

Se você pudesse ver toda sua vida até aqui e além disso refletir sobre ela, você viraria uma pessoa melhor? Lançado na plataforma Disney+ , ainda sem chances de tela de cinema, Soul é um inteligente drama com pitadas cômicas de aventura usando a técnica de animação. Emocionante, foca no inusitado universo das almas, o curioso espaço entre o físico e o espiritual. Não importa sua religião, esse é um projeto, dirigido pela dupla Pete Docter e Kemp Powers, que nos apresenta a esperança e a importância dos valores emocionais para qualquer ser vivo. É uma animação para grandinhos mas onde também a criançada pode aprender bastante de forma muito divertida. Não ganhou as telonas do cinema (ainda, quem sabe...) mas ganhou nossos corações.


Na trama, conhecemos o músico e professor de música no colégio Joe (Jamie Foxx – dubla na versão original), um homem solitário que tem a paixão pela música e mais especificamente o Jazz como motores de sua felicidade. Certo dia, consegue a grande chance de sua vida e tocar em um quarteto de uma grande diva do Jazz. Só que Joe acaba sofrendo um acidente e acaba indo parar em uma espécie de pré-paraíso, um mundo das almas, onde conhece 22 (Tina Fey – dubla na versão original) uma alma descrente sobre a vida. Enquanto seu corpo está respirando por aparelhos no hospital, Joe e 22 embarcarão em uma aventura para tentar levar Joe de volta a seu corpo e também fazer com que 22 muda suas ideias pré conceituais do mundo.


Há muitas portas abertas para se refletir sobre esse lindo projeto. Sonhar não mata fome de ninguém mas é imprescindível nessa vida louca e repleta de obstáculos que nós vivemos. O sonho é motor importante para o protagonista, as vezes um pouco ingênuo sobre as questões mundanas mas tendo a música como elemento que o integra de certo forma as relações sociais. Passando pelo universo das habilidades vamos caminhando em teorias animadas e bastante sensíveis sobre nossa existência, além disso, O filme pode se tornar uma bela e gratuita sessão de terapia para aquelas almas que ao assistirem a esse filme encherem seus corações de sentimentos variados. Vale a menção que esse é o primeiro filme da Pixar com um protagonista negro.


O roteiro é maravilhoso, dentro da narrativa existencial, surpreendentes paradoxos caminham com Joe e 22 e dão muito sentido ao que os personagens estão vivendo em suas reflexões, como o protagonista receber conselhos amorosos de uma alma que nunca nasceu. Soul é um projeto recheado de boas intenções que rouba nossos corações do primeiro ao último minuto. Viva a vida!

 

 

Collective (Romênia)

O bom jornalismo está em muitos lugares, a fonte desse é a verdade. Prêmio de Melhor Longa-Metragem Documentário da Competição Internacional na edição 2020 do Festival É Tudo Verdade, Collective, de Alexander Nanau é um filme forte e corajoso. Um documentário investigativo mostrando quase em tempo real as chocantes descobertas e os desdobramentos de um fato que desencadeou uma crise feroz no Ministério da Saúde da Romênia. Um grupo de jornalistas tenta apurar e noticiar todas as portas que se abrem conforme vão avançando no caso. Detalhado e argumentativo, somos testemunhas de um golpe completo de um estado disfuncional, sua corrupção e seu sistema de saúde repleto de esquemas gananciosos.


Indiferença mata! Dilua a corrupção! Uma tragédia com mais de duas dezenas de mortos em uma boate na Romênia. Outras dezenas são levadas a hospitais romenos para cuidarem na maioria dos casos das intensas queimaduras que sofreram. Com a morte de muitos desses que foram para os hospitais, a partir de uma denúncia, um absurdo esquema é descoberto. Diluição de desinfetantes que são comprados pelos hospitais, o que prejudica a conter avanço/ação de fortes bactérias. Uma investigação mais profunda sobre o caso é de uma editoria de esportes, o que coloca em xeque também parte da imprensa.


Chocante. A ganância, o poder. Há um clima tenso durante todo o filme, que abre em vertentes que mostra a investigação de incansáveis jornalistas, uma troca no comando do ministério da saúde, um pai em luto e uma sobrevivente tentando buscar levantar sua vida após o trauma que viveu. Fugindo um pouco do foco, ou por outro ponto de vista até mesmo indo bem além da superfície, ou em outro abrindo portas de mais sujeira no sistema de saúde romeno ou até mesmo nas entrelinhas destacando a força do papel da imprensa, Collective é um filme importante e merece ganhar debates pelo mundo.  

 

 

Mães de Verdade (Japão)

Mesmo não tendo luz nos meus olhos, vou te encontrar onde estiver. Um incrível e puro relato sobre mães e as escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas, uma das maneiras de enxergarmos esse belíssimo trabalho de Naomi Kawase é dessa forma, mas só quem é mãe pode sentir toda a força desse filme. Asa ga Kuru, no original, é um poderoso e envolvente drama alinhado por uma perfeita harmonia de duas óticas, reunidas por um emblemático ponto de interseção. Há uma melancolia quase indecifrável, como se a emoção transbordasse buscando deixar tudo um pouco mais interpretativo para o espectador. A condução da direção de Kawase é uma das mais belas dos cineastas atuais.

 

Na trama, conhecemos Satoko (Hiromi Nagasaku) e Kiyokazu (Arata Iura), um apaixonado casal, com ótima condição financeira que vivem seus dias na busca de ampliar sua família. Porém, quando descobrem que um deles é impossibilitado de terem biologicamente um bebê, resolvem procurar uma agência de adoção. Ouvindo relatos de todos os lados, dúvidas, incertezas e as condições para adotar batem o martelo e assim conseguem um recém nascido para adotar. O tempo passa e uma situação acontece: a mãe biológica da criança os procura. Assim embarcamos em uma história com dois lados. 

 

Exibido nos festivais de Toronto e San Sebastián, Mães de Verdade mostra os dois lados de uma adoção: os dramas, conflitos e escolhas. Consegue ser delicado e sensível para tratar desse tema complicado.  Há uma sutileza e respeito enormes para contar essa história sobre duas mulheres que representam muitas outras. O roteiro, baseado na obra homônima de Mizuki Tsujimura, é profundo e consegue passar ao público, ao longo dos 140 minutos de projeção uma metáfora linda entre as forças da natureza e as emoções.

 

 

Mosquito (Portugal)

A guerra no pensamento e a pátria no coração. Em seu segundo longa-metragem como diretor, o moçambicano João Nuno Pinto encontra dentro de uma fórmula de um roteiro não-linear, fragmentado, para contar o começo, meio e o fim de uma jornada inclusa dentro de uma guerra que encontra pelo caminho o medo, as incertezas e figuras que fazem o protagonista pensar sobre a própria existência. Mosquito passa pela dura realidade da guerra e termina dentro de lições em busca de uma dignidade. Nos sentimos dentro de uma poesia embaçada, explicando as mais diversas formas de ativação do espírito de sobrevivência. Um trabalho muito interessante que provavelmente não chegará ao complicado circuito exibidor brasileiro. Um belo trabalho, sem dúvidas.

 

Na trama, conhecemos o soldado Zacharias (João Nunes Monteiro) que por vontade própria se alista no exército português e assim é enviado a Moçambique, na África, com a missão de defender a colônia portuguesa da invasão alemã. Seu pelotão acaba o abandonando porque o protagonista contrai malária. Esse se cura e resolve de maneira inconsequente ir atrás do seu pelotão que está a dias na sua frente. Enfrentando vários tipos de problemas e esbarrando com muitas pessoas, há momentos de silêncio e solidão onde o protagonista precisará encontrar forças para lutar contra sua mente e invocar assim um espírito de sobrevivência. O roteiro de Mosquito é baseado na história real do avô do diretor, que foi um dos soldados mandados a Moçambique na guerra.

 

Os diálogos se tornam rodadas construtivas sobre inflexões da vida e indagações sobre, desde já, um presente incerto. O fator fé chega forte nos momentos de perda da razão. Há um mix de elementos interessantes que contornam esse drama camuflado de filme de guerra (poucos tiros são disparados inclusive) em um grande espetáculo visual. Filme feito para ser visto em salas de cinema, com certeza a experiência que produz será ampliada, pena que nesse ano de 2020 nossa única oportunidade de conferir esse foi pela ótima programação da Mostra SP.

 

 

O Som do Silêncio (EUA)

O som é um mero detalhe quando encontramos um novo sentido em nossas vidas. Uma das gratas surpresas desse ano tão louco em nossas vidas sem dúvidas é esse fenomenal trabalho dirigido pelo estreante em longas-metragens Darius MarderO Som do Silêncio (Sound of Metal, no original) é um angustiante drama sobre o silêncio que precede o esporro. Contando a vida de um baterista que descobre que está ficando surdo, seu mundo novo, descobertas, uma nova linguagem, somos testemunhas da importância dos inquietantes barulhos da alma. Uma atuação arrebatadora e emocionante do ator Riz Ahmed (concorrente fortíssimo à muitas premiações), além dos ótimos Olivia Cooke e Paul Raci. Com a chance de filmes de streaming concorrerem ao próximo Oscar, Sound of Metal merece algumas vagas em algumas categorias.

 

Na trama, conhecemos Rubem (Riz Ahmed), um baterista de um dueto que roda os Estados Unidos à bordo de um trailer fazendo turnês, uma espécie de vida cigana do rock. Ele é um ex-dependente químico que está a quatro anos limpo e quatro anos juntos de Lou (Olivia Cooke), sua namorada e vocalista do dueto. Certo dia, durante um show, percebe que sua audição não está muito boa e resolve procurar um especialista que o avisa que ele ficará surdo em breve. Precisando reformular toda sua vida, seu relacionamento com a namorada, ele resolve se juntar a um grupo para surdos, chefiado por Joe (Paul Raci) em busca de aprender como viver nessa nova situação de vida.

 

O roteiro navega de maneira intensa por todas as fases que Rubem passa: da descoberta da deficiência, à constatação, o desespero, nos novos planos do que fazer com sua vida. Há uma constante e emocionante tentativa de controle da mente para se entender a situação. Essa fase inicial é muito difícil e acompanhamos a fundo todos os bons e péssimos dias do protagonista.  Tudo se encaixa perfeitamente no roteiro, os arcos são equilibrados com grande dose de intensidade. O ritmo do filme não é frenético mas mostra sua força com uma câmera inquietante de Marder que parece querer nos detalhar cada milímetro de sofrimento que o protagonista, no fruto de seus conflitos, passa.  



Não há como negar, Sound of Metal tem a cara do Oscar. Com três grandes atuações, o filme é uma grande busca de um homem para conseguir viver uma nova vida que nunca imaginou mas que o mostra um novo universo igual ou tão bom aquele que ele vivia. Belíssimo trabalho.

 

 

* Menção Honrosa #1 *

 

Você não Estava Aqui (Reino Unido)

 

A realidade nua, crua e bruta dando ar numa tela gigante para quem quiser ver e sentir. O novo trabalho do genial cineasta britânico Ken Louch é antes de mais nada um belo soco no estômago das hipocrisias trabalhistas em um mundo dominado por cães ferozes, muitas vezes, sem sensibilidade. Aos 83 anos, o veterano diretor parece que nunca perde a mão, não mede esforços e simplicidade para nos mostrar detalhes profundos de retratos que acontecem nesse lado daqui na tela, principalmente em um Europa em crise existencial talvez camuflada por notícias que não nos levam a fundo sobre o que pensar. Você não Estava Aqui é impactante até seu último suspiro.

 

Na trama, somos jogados para a realidade de uma família de classe média baixa britânica, onde o pai Ricky (Kris Hitchen), um torcedor entusiasmado do Manchester United, resolve investir em uma van de entregas para tentar mudar um pouco da realidade apertada financeira de sua família. A questão é que a partir desse ponto, acaba influenciando a todos em sua volta, sua esposa Abbie (Debbie Honeywood em uma atuação primorosa) é uma cuidadora que após vender seu carro para o investimento na van de Ricky vê sua agenda e rotina mudarem ocasionando em uma escassez maior ainda de uma coisa valorosa: o tempo. Assim, os dois filhos do casal também passam por transformações e a todo instante perguntamos, será que Ricky fez o certo em tentar dar um passo além do que já tinha? As certezas dessa resposta nos chegam forte quando entendemos melhor a empresa que fornece os conteúdos de entrega ao protagonista.

 

O universo próximo do trabalho, o sustento, com a falta de tempo para sua família. Os duelos que Ricky enfrenta são diversos e as coisas só pioram com a família desmoronando por falta de orientação dos que sustentam a casa. Atencioso e responsável, o protagonista retrata milhares de pessoas dia a dia que lutam bravamente para sobreviver em vez de viver. Com poucos prazeres e muita obrigação, Rickey é jogado em um universo onde as leis trabalhistas parecem que não existem aos que mais precisam. Ken Louch coloca o dedo na ferida, quase um filme denúncia sobre todo um retrato até bem amplo de uma sociedade que se importa pouco pelo próximo.

 

 

* Menção Honrosa #2 *

 

Breslin and Hamill: Deadline Artists (EUA)

A simplicidade da origem do impactante jornalismo nova-iorquino de décadas passadas e as imensas transformações dessa profissão aventureira e ainda pouco valorizada. Buscando resgatar a história marcante de dois dos maiores colunistas de jornais impressos dos Estados Unidos, que escreveram para diversos jornais de Nova Iorque, Jimmy Breslin e Pete Hamill, os diretores Jonathan Alter, John Block, Steve McCarthy conseguem em pouco menos de duas horas passar com bastante informação sobre fatos marcantes da história norte-americana que tiveram os dois jornalistas citados na linha de frente entre público e notícia. Produzido pela  HBO.

 

Nesse documentário dinâmico, divertido e com uma certa linha sentimental embutida nas histórias que são contadas, conhecemos melhor o trabalho de Breslin e Hamill, dois amigos, que já trabalharam juntos e foram rivais. O primeiro era um grande observador da classe trabalhadora nova-iorquina, com um olhar preciso e sempre em defesa dos negros contra o racismo forte que até hoje existe nos Estados Unidos. Colecionador de inimizades, incluindo grande parte do departamento de polícia de NY, Breslin escrevia em forma de romance colocando sempre sua forte opinião na ponta da caneta. O segundo veio para somar aos olhos dos leitores com pensamentos elegantes e firmes, sem formação acadêmica e dono de um texto fantástico, Hamill gostava mesmo era de ser editor e entre suas histórias, amores com Shirley MacLaine e Jacqueline Kennedy.

 

Em diversas partes o documentário nos coloca ponto de vistas de quem estava próximo da história, como nas mortes de John Kennedy e depois de Bobby Kennedy, esse último era grande amigo de Hamill. O relato de Hamill sobre o atentado às torres gêmeas é algo intenso e profundo. O foco na maior parte do tempo é o debate sobre a transformação do jornalismo norte-americano, a saudade é imensa de como era uma redação nas décadas de 70/80/90, todos os entrevistados indicam isso. Para quem curte documentários e jornalismo é um prato cheio!

 

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #231 - Pedro Tabarkiewicz


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Guaíba (Porto Alegre). Pedro Tabarkiewicz, é estudante de Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e criador do PensaMovies, onde fala um pouco sobre filmes.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Na minha cidade não tem cinema, então vou escolher de Porto Alegre, que é onde sempre frequentei o cinema. Acredito que as salas do Espaço Cinema Itaú, que ficam no Shopping Bourbon Country, sejam as que mais me agradam. Dos cinemas de shopping, que são os que acabam sendo os mais convencionais atualmente, e atingem maior público, lá além do preço ser acessível, tem uma programação interessante que apresenta filmes alternativos e independentes, fugindo um pouco dos grandes lançamentos, assim dando uma diversidade bem bacana.

 

2) Qual o primeiro filme que você  lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Então, como minha cidade não tem cinemas, essa barreira cultural já tornou para mim o cinema e sua ida um lugar diferente. Minha cidade fica na região metropolitana de Porto Alegre, e ainda entre elas, são divididas por um lago. Assim o trajeto para o cinema sempre foi algo que durou mais de uma hora. Uma aventura aos olhos de uma criança. Logo o cinema como ponto final dessa viagem sempre foi mágico e me encantou desde pequeno, como se estivesse em outro mundo. Acredito que sejam nestes detalhes sobre nossa experiência e percepção que faz o cinema nos tocar como individuas e ver naquela tela, uma janela de reflexão pessoal e social.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Atualmente gosto muito do trabalho do Denis Vileneuve, acho que O Homem Duplicado foi um dos filmes que me abriu a cabeça e olhar o cinema de forma mais séria, mas impossível não lembrar do Kubrick, acho que de forma geral ele foi um diretor que fez filmes tão diferentes, mas sempre de forma única, 2001 para mim é o melhor dele.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

 

O Auto da Compadecida é um filme que sempre gostei desde pequeno, e hoje vendo ele e intendendo a mensagem forte de um nordeste esquecido, faz ter ainda mais admiração pelo filme, acho que sempre vai estar entre meus favoritos. Mas é impossível não pensar em tantos outros filmes, nosso cinema é rico e lindo demais.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É amar cinema, seja de forma técnica ou não, profissionalmente ou por diversão, não importa.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acho muito forte afirmar que não, mas é inegável que mesmo que sim, o dinheiro fala mais alto sempre, e no fim entender de cinema talvez não pese tanto do que a vontade de obter lucro.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Com certeza não, mesmo se acabar, ainda vão restar salas gourmet para elite saudosista hahaha, se até vinil vende ainda, não vai ser o cinema que vai acabar, mesmo que se mantenha de uma forma extremamente restrita.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Um filme que vi esse ano e me tocou muito foi Paterson. Fala sobre um motorista de ônibus que escreve poesias baseadas no seu cotidiano, é lindo e muito profundo. Quem gosta de viajar na arte vai amar esse filme, justamente por trazer a arte para nosso cotidiano.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

O cinema infelizmente é um ambiente de muito fácil contaminação. O ar fechado da sala, mesmo com distanciamento e limpeza, facilita muito a disseminação do vírus pelo ar. Em um cenário ideal de controle relativo do vírus, não vejo problema, mas como estamos no Brasil e vivemos período extremamente conturbado de negação a ciência e desgoverno sobre a saúde, não acho que a abertura seja o melhor. 

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Com uma qualidade incrível! Acho que as pessoas tendem a não gostar do nosso cinema por esperar produções do mesmo nível de orçamento a filmes de Hollywood. Mas nosso cinema tem uma qualidade incrível e pessoal extremamente competentes em seus filmes, mostrando a realidade dura do Brasil em suas tão diversas regiões. Esse cinema mais contido acho que cai no desgosto das pessoas também, elas não querem ver a realidade, se já ignoramos na rua a desigualdade social e achamos normal pessoas dormindo na rua, não vai ser na tela do cinema que essas pessoas vão buscar empatia. E isso é apenas uma vertente do tipo de cinema que fazemos, nos últimos 10 anos o horror brasileiro tem ganhado tanta força com filmes contemporâneos incríveis, algo que já vem desde o Zé do Caixão e até antes disso. O brasil é gigante e diverso, e nosso cinema cada vez mais representa essas multifaces da nossa realidade em todos gêneros possíveis.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

O que a Fernanda Montenegro fizer, eu estou batendo palma.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Uma janela para a cultura de qualquer lugar.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Já teve de tudo, mas dois que me recordo mais, foi na sessão de Bohemian Rhapsody gritarem “morte aos gays” e “Bolsonaro 17”, essa vez, lembro que foi a primeira vez que bateu a realidade e senti medo do futuro. Outra foi no final da sessão de Deadpool 2, um homem começou a agredir outro, pois o segundo estava bêbado. Tudo na fileira que eu estava.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

La La Land do nordeste.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não sei, existe diretores que não são? Hahaha acho que depende muito da definição de cinéfilo, que para mim é alguém apaixonado de alguma forma por cinema. Realmente não conheço algum diretor ou diretora que faz filmes e seja abertamente não apaixonado. Vou conferir a carteirinha de cinéfilo para ver se está atualizada. hahaaha

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Sinceramente não lembro, devo ter esquecido, mas recentemente vi Krampus – O Acordo e foi terrível. E eu adoro filmes ruins, pois acaba sendo engraçado, então quando nem rir o filme me faz, eu acho péssimo e esse foi um desses casos.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Não sei se é meu preferido, acho difícil escolher, mas ano passado vi For Sama que concorreu ao Oscar e me tocou muito, foi com certeza um dos melhores que já vi.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

De coração já, mas morro de vergonha hahaha, não lembro muito bem, mas tenho a impressão que no cinema ao final de Star Wars – O Despertar da Força as pessoas bateram palmas, mas fiquei com vergonha.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Eu acho Mandy sensacional, é um filme recente e o Nicolas Cage já estava com essa fama de ser um ator ruim, então o filme abraça totalmente as caricaturas do Nicolas Cage com surrealismo e terror, perfeito.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

AdoroCinema e IMDb são os que mais acompanho, mas não regularmente também.

 

Continue lendo... E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #231 - Pedro Tabarkiewicz
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Crítica do filme: 'Mais Outro Filho'


As eternas lições do aceitar. Escrito por Mattia Torre e dirigido por Giuseppe Bonito, Mais Outro Filho, Figli, no original, é um filme italiano que de maneira hilária aborda as dificuldades inesperadas de um casal apaixonado na chegada do segundo filho. Há um equilíbrio entre a comédia e o drama, além de hilárias metáforas em formas de pensamentos muito bem encaixadas que nos fazem entender melhor os personagens e seus conflitos. A paternidade, a maternidade, os medos dos pais, suas angústias e dificuldades na criação dos filhos, um ótimo filme vindo da Itália e disponível na HBO Go.


Na trama, conhecemos o casal Sara (Paola Cortellesi) e Nicola (Valerio Mastandrea) que ‘estão grávidos’ pela segunda vez. Ela uma inspetora sanitária de estabelecimentos, ele um dono de um frequentado armazém, são surpreendidos pelas dificuldades que enfrentam pois achavam que seria mais fácil que na primeira gestação. À flor da pele com as emoções, o casal começa a observar um novo mundo ao redor, inclusive outras formas de se entenderem em busca de soluções para os conflitos que muito se devem aos problemas de comunicação entre ambos.


Buscando soluções em teorias que chegam para eles quando sonham acordados, que vão desde a criação que tiveram oriunda do modo de pensar de outras gerações até conversas em sonhos com uma espécie de Deus e hilários ‘saltos para o lado de fora da janela’ quando querem sumir das discussões que os rodeiam. Exaustos emocionalmente tem ótimas cenas com a pediatra ‘guru’. O filme pode ser considerado uma grande análise sobre o universo que rodeia a mente dos pais com a chegada de uma nova criança a uma família. Várias situações eles enfrentam na tentativa de encontrarem ajuda: seja com os sogros, na busca pela babá perfeita, os conselhos dos amigos, as idas na caríssima pediatra, tudo é composto por um humor agradável que geram risos mesmo nas reflexões mais sérias.


Com ótimas sacadas, como a troca do choro por melodia do Beethoven, Mais Outro Filho é um dos bons filmes lançados em 2020 que falam sobre o universo de pais e filhos.

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30/12/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #230 - Carlos Redel


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Porto Alegre. Carlos Redel é o fundador do site de cultura pop Sala Crítica, tem 28 anos, é jornalista, radialista e membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs).

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

O meu cinema preferido é o Espaço Itaú, que fica no Bourbon Country. As salas passam tanto blockbusters quanto filmes independentes, em um ótimo equilíbrio.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

O primeiro filme que eu vi foi Tarzan, em 1999, mas me senti realmente fisgado pelo cinema com Fantasia 2000, que chegou ao Brasil em 2000. Foi fantástica a experiência.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Pergunta difícil. Atualmente, meu diretor favorito é o Robert Zemeckis e o meu filme favorito dele é Contato. Mas sou fã de vários outros, como Paul Thomas Anderson, Steven Spielberg, Denis Villeneuve, Akira Kurosawa, Alfonso Cuarón, James Gray...

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Cidade de Deus. É uma obra perfeita. Um dos melhores de todos os tempos.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Amar o Cinema e tudo o que ele representa.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Na maioria dos lugares, creio que não. As salas apenas colocam na sua programação filmes que poderão render mais dinheiro. Felizmente, temos alguns recantos especiais, como o já citado Espaço Itaú.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acabar, creio que não. Certamente, irão passar por mudanças, que foram aceleradas pela pandemia. Porém, a experiência nas salas de cinema não será substituída. Claro que filmes menores vão perder espaço, mas eles encontrarão nova vida no streaming.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Recomendo o próprio Contato, que foi citado acima. Surpreendentemente, poucas pessoas que eu conheço assistiram.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. O Sala Crítica, site do qual sou fundador, inclusive, se posicionou contra a reabertura das salas. Não fomos nas cabines e alertamos os nossos leitores sobre os perigos de ir aos cinemas durante a pandemia.

 

10) Como voce enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Excelente. Cada vez mais, grandes obras são produzidas por aqui. Pena que o povo brasileiro não reconhece...

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Essas perguntas são difíceis, porque sempre falta alguém. Mas, entre atores e diretores, Sônia Braga, Regina Casé, Wagner Moura, Kleber Mendonça Filho, Fernanda Montenegro, Jorge Furtado, Dira Paes, Tabajara Ruas, Milhem Cortaz...

 

12) Defina cinema com uma frase:

"o cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho", de Orson Welles.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Caramba, foram tantas. Mas uma que eu acho muito legal foi quando estávamos para assistir Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 (nem os trailers tinham começado ainda), um senhor recebeu uma ligação e começou a gritar: "O emprego é meu? O emprego é meu? Não acredito!" A sala inteira começou a aplaudir ele, que saiu correndo e agradecendo. Deveria ser um emprego ótimo, né?

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Icônico.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Se um diretor consegue contar uma boa história e emocionar, ele fez o seu trabalho. É o que importa.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Já vi muitos filmes ruins. Mas, entre os mais recentes, tive que ir na cabine de Cinquenta Tons de Liberdade e, nossa, terrível. Um filme todo errado, com mensagens erradas... Tenebroso.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Como um fã incondicional de Jim Carrey, amo Jim & Andy. Mas tem muitos outros incríveis... Recentemente, por exemplo, vi AmarElo: E Tudo Pra Ontem, do Emicida, e é perfeito. É muito complicado escolher um "favorito".

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Já. Poucas vezes, mas já.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Adoro o Nicolas Cage. Sem dúvidas, Despedida em Las Vegas é o melhor dele. Mas adoro Adaptação, A Outra Face, O Sol de Cada Manhã, O Senhor das Armas, A Lenda do Tesouro Perdido...

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

O meu, claro: salacritica.com.br.

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Crítica do filme: 'Alguém Avisa?'


Quando o amor encontra o medo. Em seu segundo longa-metragem como diretora, a também atriz Clea DuVall, apresenta ao público um filme divertido mas nada muito diferente do que já assistimos por aí. Alguém Avisa?, disponível em algumas plataformas de streamings aqui no Brasil, mais que um filme sobre conflitos familiares por não saberem de segredos (clichê mais antigo do mundo em centenas de filmes hollywoodianos) o foco é total em uma crise profunda no relacionamento amoroso das duas jovens. Kristen Stewart e Mackenzie Davis protagonizam esse projeto ambientado em época natalina. 


Na trama, conhecemos o casal Abby (Kristen Stewart) e Harper (Mackenzie Davis) que vem felizes em um apartamento que dividem em uma cidade norte-americana. Quando chega próximo ao natal, Harper chama Abby para passar com ela e sua família na casa dos pais. Perto de chegar ao local, Harper avisa a namorada que ainda não saiu do armário pra sua família, o que acaba gerando uma série de situações conflituosas e onde Abby precisará refletir muito sobre esse relacionamento que vive.


Nessa comédia com pitadas de drama, vemos disputa entre irmãs, pais que querem que seus filhos sejam perfeitos, namoradas em conflitos, pais em busca de status, um grande choque entre o tradicional e o progressista. O foco principal, a dificuldade de sair do armário de Harper, leva o relacionamento com Abby ao limite, e muitas reflexões sobre o que querem realmente para seus futuros. O papel da ex-namorada de Harper, Riley (Aubrey Plaza), apresenta um bom contraponto sobre os medos e receios dela, praticamente se repete um reflexo de escolhas por conta de medo e insegurança sobre o que os pais acharão quando souberem que ela é gay.


Alguém Avisa? é recheado de clichês mas apresenta entretanto uma história sólida passada no natal onde mostra muitas realidades vividas por aí.

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29/12/2020

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Crítica do filme: 'O Céu da Meia-Noite'


As surpresas do mundo causadas por nós mesmos. Dirigido e estrelado por George Clooney, com roteiro assinado por Mark L. Smith, baseado na obra 'Good Morning, Midnight' de Lily Brooks-Dalton, O Céu da Meia-Noite é sobre duas histórias que correm em paralelo, uma na terra, uma no céu, mas que possuem lá suas interseções. Apocalipse, o sentido da vida, escolhas que devemos fazer, o projeto engatinha lentamente para reflexões sobre a existência através de melancólicos personagens que estão à beira de seus limites emocionais. Disponível no catálogo da Netflix, o roteiro acaba sendo o grande calcanhar de aquiles do projeto que produz arcos pouco satisfatórios e sem muita profundidade, deixando lacunas diversas pelo caminho o que nos faz ficar perdido a todo instante. O Céu da Meia-Noite é, sem dúvidas, uma das grandes decepções do ano.


Na trama, conhecemos um homem chamado Augustine (George Clooney) que resolve ficar isolado em uma base científica para tentar contato com a única nave que ainda está fora da Terra em expedição, já que o planeta entrou em colapso apocalíptico e os que buscam sobreviver estão indo para abrigos subterrâneos mas alguém precisa avisar aos integrantes dessa nave sobe o estado da Terra. Assim, vamos percorrendo duas histórias, a desse homem em busca do seu ato heroico e da tripulação da nave que busca o entendimento sobre o que está acontecendo e o porquê não conseguem contato com ninguém do centro de controle da expedição na Terra. Há alguns porquês pelo caminho e aos poucos vamos entendendo partes dessas histórias.


Falar sobre melancolia não é uma coisa fácil, ainda mais quando não se adentra assuntos que indicariam causas para nós entendermos as consequências. Clooney tem uma direção competente, mas só isso não basta. A monotonia do roteiro meio que engessa nosso pensar pois tudo que podemos refletir ao longo das duas horas de projeção é sobre a existência mas os subtópicos dela não são passados a limpo. Um fato que incomoda é o porquê da situação da terra no filme, não sei se é algum segredo escondido para uma provável continuação (teoria forte com os finais abertos) mas era algo importante para entendermos melhor o drama dos personagens.

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #229 - Jorge Cruz Jr.


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, do Rio de Janeiro. Jorge Cruz Jr. tem 34 anos, formado em Direito, segue como advogado militante desde 2009. É graduando em Produção Cultural pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Escreve sobre cinema desde o ano de 2008, para sites próprios e como colaborador de páginas como Pipoca Moderna e Vertentes do Cinema. Fundou ao lado de Roberta Mathias a plataforma Apostila de Cinema, uma iniciativa de promover o debate sobre o Cinema e questões pertinentes ao mesmo, levantando análises culturais, sociais e estéticas que considera centrais para o pensamento crítico da Sétima Arte Contemporânea.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Aqui no Rio de Janeiro, o espaço que melhor consegue aliar conforto e programação que atrai meu interesse (até pela quantidade de salas) é o Espaço Itaú, em Botafogo. Ao contrário de algumas pessoas, que entenderam que mitigar o circuito alternativo e ampliar filmes mais populares enfraqueceu esse ponto de cultura, para minha busca por me manter atualizado em várias frentes da produção, ali é o ideal. Consigo passar o dia, ver três ou quatro filmes diversificados sem precisar me deslocar. Porém, o Ponto Cine ainda é o espaço mais querido - e mais aconchegante pra mim. Apesar da mobilidade urbana tornar mais difícil meu deslocamento para Guadalupe - e mesmo dentro de uma galeria comercial - assistir a uma produção nacional ali tem algo próximo de um resgate.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Eu passei a infância frequentando os cinemas da Tijuca, não apenas os maiores como o Carioca e o América, mas também as salas menores e já decadentes. Minha mãe sempre me levava nas férias para ver produções direcionadas à minha faixa etária, como os desenhos da Disney, O Menino Maluquinho (1995), etc. Então, o primeiro filme que me despertou algo além da pura diversão foi quando eu assisti ao primeiro Missão Impossível (1996), com dez anos. Eu já tinha pedido para ver 007 contra Goldeneye nas férias anteriores, mas fui embarreirado. Quando finalmente consegui ver um longa "adulto", ainda mais esse com viradas na trama, que exige muita atenção, eu achei mágico. Quis rever no final de semana com meu pai - e dali em diante criamos o hábito de fazer do cinema um programa familiar, dos finais de semana - mais do que apenas uma desculpa para ter uma atividade nas férias. E dali o interesse só aumentou, comecei a comprar revistas sobre cinema e não parei mais.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Meu diretor favorito é o David Lean, é um daqueles em que os filmes, sempre que revejo, dão a sensação de reencontrar aquele amigo que conta as mesmas coisas - mas por ser um ótimo contador de histórias nos mantém hipnotizados. Meu filme favorito dele é Dr. Jivago (1965) - não sei mais se esse é o meu filme favorito, mas na filmografia do Lean ainda é o mais bonito.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Fugindo dos clássicos, que tendem a ganhar força com as constantes revisitações, eu digo Tatuagem (2013), do Hilton Lacerda. Um filme que me permitiu um reencontro com a produção nacional, que vem aprimorando linguagens e estéticas ao longo dos últimos anos de forma constante. Não que tenham filmes admiráveis da década anterior, mas amo as identidades que o cinema brasileiro encontrou nos últimos tempos.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Eu sempre imagino meu pai como exemplo de cinéfilo. Para mim, uma pessoa que usa o cinema e os filmes como um bem essencial. Não porque trabalha na área (por vezes sequer tem a pretensão). Há alguns que gostam de se aprofundar com leituras e pesquisas, mas assistem poucos filmes. Mas para muitos, como ele, nos filmes reside toda a magia. Veem três, quatro, oito no mesmo dia. E aos poucos essas referências daquelas histórias acabam se vinculado à sua própria vida. O cinéfilo é aquele cara que sempre vai usar um exemplo que viu no filme, que vai decidir a próxima viagem, a música que vai ouvir ou qualquer elemento afetuoso como uma oportunidade de resgatar a boa experiência pela qual passou em uma sala de cinema ou naquela tarde chuvosa embaixo das cobertas no sofá.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não, sinto falta - de fato - da figura do programador em boa parte do circuito. No último mês (novembro de 2020) tivemos um exemplo dessa carência - apesar de sabermos que a motivação é mercadológica. Mesmo com um hiato de grandes lançamentos, com os estúdios maiores dos EUA adiando a chegada dos blockbusters, as salas dos shoppings optaram, em um primeiro momento, resgatar clássicos populares. Depois, manteve em cartaz produções quase obscuras norte-americanas, filmes de ação e de terror com algum ator decadente - ao invés de abrir caminho para o diferente. No caso, o diferente pode ser até mesmo ótimos filmes nacionais, os grandes vencedores dos festivais brasileiros dos últimos anos - que encontraram os locais de sempre, no circuito alternativo. Claro que estamos diante de uma ocupação de espaço, a grande indústria não quer ceder um centímetro. Mas, isso ilustrou um pouco a selvageria, um momento em que a crise de público era idêntica para todos. Um diálogo entre narrativas fora do padrão hollywoodiano, talvez, fosse a provocação que parte do público precisasse para se expor durante a pandemia. Isso poderia ser possível se os programadores do grande circuito não refletissem apenas os interesses da indústria.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não, as salas de cinema serão constantemente reconfiguradas, mas não acabam. Inclusive, é possível que em algum momento os grandes espaços, com mais de mil lugares, fora do ambiente tóxico de shopping, reencontre seu público. Porém, a tendência é ser cada vez mais elitizado e "nichado", por enquanto. Não vejo no curto prazo bons ventos para o parque exibidor - que precisará em breve investir na criatividade, no conceito de experiência, para se reinventar. Diante da crise econômica na qual já estamos e provavelmente nos aprofundaremos, o consumo de cultura, principalmente uma sala de cinema, terá que ser objeto de convencimento. Tendemos, sim, a ter uma geração inteira que não crie o hábito de ver o filme mais esperado por ela na sala de cinema. Assim como aconteceu com o mercado fonográfico e editorial, será preciso se adequar a uma demanda. A sorte é que o público-alvo parece maior do que essas outras mídias e a cada dez anos sempre tem uma invenção do James Cameron para tirar todo mundo de casa rs.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Vou mencionar um estrangeiro e um brasileiro de 2019/2020. Senti muito o The Last Black Man in San Francisco (2019) ter perdido força na corrida do Oscar deste ano, porque fez o filme ser pouco visto - e é um dos melhores desse filão junto com A Despedida (2019) e Fora de Série (2019). Infelizmente, há um congestionamento de produções entre dezembro e fevereiro por conta das premiações que faz todo mundo ter a mesma lista de interesses e grandes filmes como este ficam de fora.

 

Já o brasileiro, acho que Cabeça de Nêgo (2020), apesar de muito comentado na bolha que consome produção nacional e o circuito de festivais, merece ocupar outros espaços. Pela linguagem, a forma como a narrativa se desenvolve, a temática muito em voga e presente até mesmo na mídia hegemônica. Gostaria de ser surpreendido com uma campanha tão pesada quanto Bacurau (2019) teve, um trabalho espetacular de Déo Cardoso.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Sempre achei que não, acreditava que todos os esforços desde o fechamento em março deveriam ser no sentido de criar medidas protecionistas para o parque exibidor. Se não por parte do governo federal, que mesmo com as possibilidades do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) - dinheiro produzido pela indústria - e os milhares de empregos que o cinema de ponta a ponta permite, era necessário fomentar debates públicos a nível estadual e em grandes municípios. No mais, investir no desenvolvimento de plataformas de streaming confiáveis para oferecer pré-estreias, em parcerias com empresas com expertise nas redes para fazer uma política de contenção de danos.

 

Infelizmente, a cultura como um todo entrou na pandemia em uma guerra ideológica perdida. Porém - e talvez por isso mesmo - imaginava que fosse dar o exemplo crítico. Pelo contrário, mesmo mal visto pelos governantes, que criaram empecilhos para a reabertura, o esforço sempre foi no sentido de reabrir. Não julgo os pequenos e médios empresários (que, apesar de tudo, voltaram a fechar aqui no Rio de Janeiro em dezembro para uma nova suspensão de contratos de trabalho possível) - e nem mesmo o público e o cinéfilo que vai ao cinema. Mas, como responsabilidade social, não fui e não incentivei ninguém a ir - porque, apesar de toda a segurança, é uma exposição que ultrapassa a necessidade básica.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

O cinema brasileiro vive uma das suas melhores fases. Um longo processo de desconstrução do seu olhar, de busca por representatividade. Muitas produções deixam de lado a exotização e os estereótipos regionalistas, realizadoras e realizadores de grupos antes silenciados conseguem espaço não apenas para produzir, como para participar de festivais. Uma proposta de cinema advinda das formações acadêmicas (e não apenas do audiovisual), que se espalhou pela análise crítica, também deu forte contribuição. Ou seja, como produto, nunca esteve melhor. Resta quebrar a lógica do acesso, da distribuição e do parque exibidor que - mesmo no circuito alternativo - dá ainda menos espaço para o novo.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Olha, são muitos que me despertam interesse imediato. Mas o Adirley Queirós talvez seja o que cria mais expectativa, ainda mais porque não sei o que se passa na cabeça dele nesse ano tão maluco no qual vivemos. Espero sempre que ele siga esse processo, esses desdobramentos da filmografia dele, que cada vez mais coloca a sociedade brasileira diante de um espelho.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é a minha ciência e a minha fé.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Já vi em outras entrevistas, cinéfilos contando de pessoas que urinaram na sala de cinema, mas não tem como não ser essa. Aconteceu em uma sessão do Menina de Ouro (2004), no Shopping Iguatemi - e as pessoas só perceberam porque o senhor deu inúmeras voltas na sala, provavelmente tentando não sair, porque era o clímax do filme. Sinto falta também da espontaneidade das maratonas do Cine Odeon, que passavam três filmes durante a madrugada na primeira sexta-feira do mês ali por volta de 2010 - e sempre tinha alguém roncando muito alto, gargalhadas nas piores tragédias, filme parando no meio. Era o quintal da cinefilia carioca.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Pois é, eu confesso que eu nunca vi Cinderela Baiana (como descobri na entrevista com o Cavi Borges que o VHS foi roubado da locadora dele, talvez não tenha dado tempo de finalmente ter acesso ao clássico). Mas nunca fui chegado ao "tão ruim que é bom não". Acho que esse não consigo mais escapar rs

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Depende um pouco do tamanho do projeto. Para as grandes produções, acho que não. Por vezes, pode até atrapalhar em alguns momentos, já que o cinema é um trabalho em equipe e quem comanda as ações pode saber muito, mas dificilmente saberá tudo. Ainda mais quando a equipe é bem complexa. Grandes diretores partiram da cinefilia, têm um amplo leque de referências e isso se destaca na filmografia do Scorsese, do Tarantino, entre outros. Porém, o cinema de guerrilha exige um olhar, uma forma de resolução de problemas que o conhecimento sobre cinema pode salvar seu projeto - por isso é sempre salutar quando realizadoras e realizadores jovens demonstram que o foco nos seus trabalhos não diminuíram seu ímpeto de conhecer o panorama audiovisual. E isso é cinefilia também.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Tirando aqueles inqualificáveis, que seguiram a linha de Top Gang - Asas Muito Loucos (1991) e Todo Mundo em Pânico (2000) e banalizaram a paródia e a sátira em filmes absurdamente constrangedores, eu gosto de lembrar da grande decepção que tive em uma sala de cinema que foi, com quinze anos de idade, ver Final Fantasy (2001). Eu nunca revisitei, talvez hoje ele seja um clássico perdido. Mas nada tirou dele o título de "pior", mesmo que no calor da sessão.

 

17) Qual seu documentário preferido?

É difícil fugir dos clássicos, como Cabra Marcado para Morrer (1984) do Eduardo Coutinho, entre outros. Porém, um documentário que me marcou por compor minha formação crítica, minha visão de sociedade, foi Utopia e Barbárie (2009), do Silvio Tendler. Tinha acabado de terminar minha formação em Direito, totalmente descrente da advocacia como ofício e o filme se mostrou uma longa construção de raciocínio que me ajudou a compreender que todos os nossos fazer são políticos, mesmo que nossa ação pareça não impactar em nada a sociedade. Ou seja, a ética dos procedimentos é fundamental. Guardei ele no coração.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Já, algumas vezes, mas geralmente em premiéres de festivais. Perdemos o hábito de fazer isso em sessões dentro do circuito comercial, acho que é parte dessa higienização curiosa da migração para as salas nos shoppings, em que qualquer interação afeta a experiência... Imagina o lanterninha entrando no meio da sessão e apontando a luz perto da nossa cadeira? O mais recente em que bati palmas foi em Aos Olhos de Ernesto (2019) de Ana Luiza Azevedo, assistido no Festival do Rio do ano passado.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Engraçado, o Nicolas Cage sempre esteve vinculado a bons momentos dentro do meu amor pelos filmes. Con Air foi o primeiro DVD que tive (veio junto com o aparelho), 60 Segundos foi minha primeira experiência em um multiplex - o Cinemark do Downtown (que infelizmente fechou), um dos poucos VHS comprados na minha vida foi estrelado por ele (Despedida em Las Vegas, uma coleção da revista Caras). Mas nada supera o encontro dele com David Lynch em o Coração Selvagem (1990). Acho que é, de longe, o melhor.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Tirando a Apostila de Cinema (que por mais que a gente revise nossos comentários, sempre é possível melhorar e ter a Roberta Mathias como parceira nesse projeto e receber em primeira mão pequenas aulas sobre cinema e sociedade), eu gosto da ideia das publicações em recortes. Então sempre leio a Multiplot, a Contrabando e os artigos acadêmicos vinculados a uma temática de cinema. Mas, no dia-a-dia toda a forma de produção de conteúdo relacionado a cinema me interessa e menciono com os primeiros bons exemplos que me vieram à mente. Tanto canais em vídeo como o Entre Planos, o Cinemascope e o material do Artur Tuoto, passando por podcasts como o Filmes Clássicos, o Feito por Elas, o Plano-Sequência (que se debruçam em filmografias) até o Cinematório, Cinema na Varanda e o Central Cine Brasil (para as pautas mais quentes). Em texto, além da Isabel Wittman e da Barbara Demerov, as equipes do Papo de Cinema e do Plano Aberto sempre adicionam muito ao debate. São opiniões que sempre busco, mesmo quando discordam das minhas leituras.

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28/12/2020

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Pausa para uma série - Roadkill


As linhas que dividem as verdades da ganância e do poder. Com um primeiro episódio extremamente sonolento, confuso e desinteressante, como uma minissérie pode se salvar nos três episódios que lhe restam? Realizando esse verdadeiro milagre, Roadkill, protagonizado pelo eterno House Hugh Laurie, é um drama/suspense ambientando na alta administração britânica onde os coadjuvantes se tornam peças importantes durante toda a saga de um político carismático que esconde segredos. Morte suspeita, puxadas de tapete, mentiras, traições, contas bancárias em paraísos fiscais, disputas pelo poder, papel do advogado em determinadas situações, ética do jornalismo são alguns dos pontos que os quatro episódios nos transmitem. O elenco é ótimo e salva a série, principalmente o elenco feminino: Helen McCrory, Olivia Vinall, Shalom Brune-Franklin, Anna Francolini, Pippa Bennett-Warner e Sarah Greene.


Nos bastidores do alto poder britânico, ambientado nos dias atuais, acompanhamos Peter Lawrence (Hugh Laurie), um político que passa de ministério para outro ministério ao mesmo tempo que sua vida entra em colapso total com a descoberta de uma nova filha (que está presa), crise no seu relacionamento secreto com a amante dinamarquesa, embates com a atual esposa e os conflitos com as filhas, uma guerra no tribunal que venceu mas a jornalista que perde o caso acaba conseguindo novas provas contra ele, uma primeiro ministra que não vai com a cara dele.  Os desenrolares e as consequências das ações para resolver esses fatos vão moldando os quatro episódios dessa minissérie.


O importante nessa história é entendermos que ninguém é o herói, todos tem problemas, os vilões trocam de figura conforme a trama avança. Nas garras do sarcasmo, vamos acompanhando a saga do complicado Peter que ama o poder mais que tudo, mesmo ainda distante com lapsos de boas ações. Nada fica muito abertamente comprometedor pois a superfície dos assuntos de fraudes ficam em nuvens onde não conseguimos alcançar mas dão a entender, muito por conta das motivações de pessoas que o cercam. Sua vida pessoal, o grande fator interessante dentro da trama, é o que puxa a atenção do espectador sempre com uma surpresa, longe de reviravoltas mirabolantes mas bem de acordo como pensa o curioso protagonista. Roadkill é uma minissérie, como um todo, muito interessante. Se tivesse no seu confuso primeiro episódio um grande abre alas, poderia estar no topo das melhores do ano.

 

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Crítica do filme: 'Mank'


A lealdade cega pode se tornar sufocante. Produzido pela Netflix e bastante cotado para indicações nas próximas grandes cerimônias de cinema, o novo trabalho do ótimo cineasta David Fincher (Seven, A Rede Social, Clube da Luta...) é um projeto muito interessante, onde  cinéfilos se divertirão pois fala sobre bastidores da maior indústria de cinema do mundo e mais especificamente curiosidades sobre a criação do roteiro de um dos mais aclamados filmes de todos os tempos. Com idas e vindas, com direito a generosos flashbacks e uma trama pincelada por arcos descritos como textos de roteiro há muito mais para refletirmos além dos porquês de Cidadão Kane: As teorias do futuro do cinema para as pessoas da época, As hipocrisias de um mercado capitalista que sempre esteve acima da arte, revoluções e reviravoltas em diversos pontos de ebulições em uma indústria e sua eterna roda gigante de ego e ganância pelos que defendem a interesse de poderosos. Ótima direção de Fincher, grande atuação de Gary Oldman.


Na trama, conhecemos Herman Mankiewicz (Gary Oldman), ou apenas Mank, um influente roteirista da década de 30/40, falador, dono de uma bebedeira suicida, viciado em jogos que influencia e acaba sendo influenciado por nomes poderosos de uma época que pega quase a transição do cinema mudo para o cinema falado e onde os grandes roteiristas começaram a surgir. Quando Orson Welles (Tom Burke) chama o protagonista para criar um roteiro, somos testemunhas entre flashbacks e inspirações sobre o processo criativo do ganhador do Oscar de Melhor Roteiro em 1941, Cidadão Kane

 

A narrativa é um grande círculo, como uma rosquinha de canela. O P&B dá um charme e nos leva até as décadas de 30/40, como não amar entrar em um estúdio grandioso do início do outro milênio e conhecer novas curiosidades sobre a bilionária indústria cinematográfica norte-americana. O eterno jogo de interesses de qualquer negócio, artistas, executivos, o amor pela arte flutua em linhas tênues entre status, poder e prazer. As linhas de diálogos, as situações criadas, o papel do roteirista é o grande foco por aqui (sobre o tema roteiristas, o ótimo Trumbo (de Jay Roach) também é uma boa dica) e dentro das reflexões apresentadas pelo protagonista, um eterno observador das ações e da alma humana, fico com uma que se torna um grande decifrador de toda essa jornada: Você não pode captar a vida inteira de um homem em duas horas, no mínimo deixa uma impressão.

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #228 - Breno Oliveira


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Belo Horizonte. Breno Oliveira é diretor e roteirista, formado em artes visuais pelo núcleo Valores de minas, é também formado em dramaturgia pela mesmo núcleo. Como diretor está desenvolvendo seu primeiro filme de curta metragem Vale de ossos secos, como produtor fez Beijo Gelado de Matheus Melo e como roteirista tem dois roteiros a serem filmados e um em desenvolvimento.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Na verdade são duas: O cine Belas Artes, pois é um cinema fora do shopping e é onde os 'filmes de arte' são colocados em cartaz. E o cine Humberto Mauro, onde todo mês tem programação de diferentes temas de forma gratuita.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Quando vi Procurando Nemo e UP nos cinemas, mas ainda sim considero paixão de infância. Diria mesmo que foi com O Lobo Wall Street do Scorsese.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Martin Scorsese / Os bons companheiros.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Rio 40 Graus. A força da direção de Nelson Pereira é palpável, isso em 1955.

 

5) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Os dois cinemas que citei em Belo Horizonte, pelas programações, de fato vem de pessoas que entendem de cinema sim!

 

6) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Com a chegada dos Streamings muita gente, principalmente as que entendem de cinema, acreditam nessa possibilidade, mas eu acredito que não, só lembrarmos que durante os mais de 100 anos de cinema veio a televisão, o vhs, o DVD, o BLU RAY e atualmente o Streaming. então acredito que seja impossível.

 

7) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

O próprio Rio 40 graus, como vários do cinema nacional como os filmes do Claudio Assis etc.

 

8) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Eu compreendo que estamos tendo uma flexibilização com a reabertura de comércios e escolas, mas não acredito que seja a hora para a reabertura das salas de cinema, ainda estamos no pic da doença, temos um número muito alto de mortes diárias, então acredito que ainda não seja a hora.

 

9) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Atualmente o cinema brasileiro tem passado por uma nova fase de se contar histórias, temos aberto o leque no que se diz fazer cinema de gênero no Brasil. Tem mais do que ser feito, mas estamos no caminho certo!

 

10) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Kleber Mendonça filho, Claudio Assis , Karin Ainouz , Ana muylart, Lais bodanzky, Sabrina Fidalgo.

 

11) Defina cinema com uma frase:

Amor.

 

12) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Icônico.

 

13) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Se associarmos cinéfilo a pessoa que assiste muitos filmes, sim precisamos de diretores e profissionais com mais referências fílmicas.

 

14) Qual o pior filme que você viu na vida?

detestei: o chamado 3, nada a perder.

 

15) Qual seu documentário preferido?

Edificio Master e Canções de Eduardo Coutinho.

 

16) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão? 

Sim.

 

17) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

rsrsr. Puxar saco para Scorsese: Vivendo no Limite.

 

18) Qual site de cinema você mais lê pela internet? 

Tempos de cinema do João marco.

 

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27/12/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #227 - Matheus Siqueira


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de São Paulo. Matheus Siqueira tem 25 anos, maranhense nascido na Paraíba e morando em São Paulo desde 2007. É formado em publicidade e trabalha com Marketing, mas tem como grande paixão e hobby o cinema, ama ver filmes e escrever críticas e artigos sobre no seu Instagram @cine.kito, onde produz conteúdo. Além disso, ama uma boa história em quadrinho de heróis.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Eu acabo indo com mais frequência nas salas de cinema de shopping (Cinemark e Cinépolis da vida) quando vou com minha mãe ou amigos, mas o meu preferido que tem uma ligação de fato especial é o Petra Belas Artes, apesar de ir menos do que eu gostaria é lá onde eu costumo ir sozinho para passar um tempo comigo mesmo fazendo o que eu mais gosto de fazer: ir ao cinema e ver filmes. O cinema oferece as mais variadas opções de lançamentos de todo mundo fora dos eixos mais comerciais e hollywoodianos. Vira e mexe também traz uma programação que conta com amostras e especiais como por exemplo: agora em dezembro teve um Especial de Cinema Coreano, até com os lançamentos como Península e The Man Standing Next, mas infelizmente não deu para ir por conta da pandemia.

 

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

O primeiro filme que eu lembro de ter assistido e me impressionado foi Jurassic Park por todo cuidado e realismo que eles buscaram dar para a construção daquele Universo, então eu ficava maravilhado com os humanos contracenando com seres separados a mais milhões de anos (aquela cena deles em cima da árvore tocando e interagindo com o braquiossauro, o pescoçudo, me impacta até hoje). E foi aí que eu percebi a magia do cinema de nos contar uma história e nos transportar para outro lugar.

 

Outro filme que vale a menção honrosa é Harry Potter e a Pedra Filosofal, apesar de não ser o meu favorito da saga do bruxo ele marcou a primeira vez que eu fui ao cinema ver um filme com 5/6 anos de idade, num cinema de rua chamado Cine Colossal em São Luís do Maranhão, sendo o marco inicial de um relacionamento longínquo com o hábito de "ir ao cinema" e todo o ritual que cerca essa experiência da fila da pipoca aos comentários ao final durante os créditos.

 

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Quentin Tarantino e o meu filme preferido dele é Kill Bill, de longe. Para mim, esse filme é a síntese de como a mente maluca e cinéfila dele funciona.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Pergunta muito difícil. O Auto da Compadecida, O Som ao Redor e Cinemas, Aspirinas e Urubus, por muito tempo brigaram lá no topo da minha lista de filmes. No entanto, acho que hoje esse título cobiçado por muitos e conquistado por poucos (rs) é inteiro de Bacurau, por ser um filme sobre a resistência nordestina e de ser nordestino no Brasil, sendo uma alegoria sobre xenofobia e de uma visão sobre o futuro do país após-2018.

 

O que me faz amar ainda mais Bacurau é o fato de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles irem muito afundo nas referências. Temos desde elementos que vão do folk horror ao spaghetti western, da comédia nordestina de Guel Arraes a ficção científica distópica e existencial. E o melhor de tudo é que tem muita personalidade, sem medo de ser violento e tampouco moderado nas críticas a turistas europeus, americanos e brasileiros. Bacurau é daqueles filmes que daqui a 10/20 anos vai continuar sendo debatido e relevante, um verdadeiro clássico.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Eu acho que o termo "cinéfilo" vai além do gostar ou amar o cinema. É você não só assistir filmes, como buscar entendimento, ir atrás de símbolos, o que o diretor ou roteirista quiseram dizer com tal passagem e ir atrás de questões que ajudem a levantar e valorizar a obra. O famoso pós-cinema de estender o filme para além de sua duração.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Os cinemas de rede acredito que não, porque são filmes negociados diretamente com grandes players da indústria e é o que a audiência "quer" assistir. Mas os cinemas de rua como o Petra acredito 100% que os responsáveis entendem e muito de cinema com programações precisas que antecipam filmes premiadíssimos, a exemplo de Parasita que passou primeiro lá e em outros cinemas de rua do que nas grandes redes.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acredito que não. Mas o meu grande medo é que o "ir ao cinema" se torne uma experiência elitista (muito mais do que já é), destinada a poucos. Essa reflexão me veio quando a Warner divulgou que os seus filmes serão lançados no streaming e nas salas de cinema simultaneamente. Não sabe até que ponto isso seja apenas uma medida para fazer com que as pessoas assinem o HBO MAX e se outros estúdios também adotaram, mas com certeza se isso virar moda vai encarecer o preço das salas.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Uma História de Amor e Fúria, animação brasileira maravilhosa sobre a história do Brasil a partir da ótica de um homem imortal vivo a 600 anos.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Sim, mas é importante ter cautela. Estamos passando por um momento bastante delicado e o cinema por ser um lugar fechado com ar condicionado é um local de risco, mas seguindo as devidas diretrizes de distanciamento e limpeza acredito que dá sim para serem reabertas aos poucos (se os bares estão em pleno funcionamento, por que as salas não poderiam).

Minha experiência no cinema assim que reabriu foi extremamente segura, pessoas completamente distanciadas, todas de máscara e um protocolo de limpeza rigoroso antes e depois da sessão (eu vi acontecendo).

 

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Acho maravilhoso, mas pouco valorizado. Existem filmes lindíssimos que se perdem por falta de acessibilidade e conhecimento dos mesmos, então é necessário tirar um tempinho sempre para pesquisar filmes brasileiros mais antigos e os lançamentos. Cinema brasileiro é especial do Porta dos Fundos, De Pernas pro Ar e Minha Mãe é uma Peça, mas não é só isso.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Irandhir Santos e Kleber Mendonça Filho. O primeiro entrega um personagem marcante em O Animal Cordial dando todo o tom social do filme (mesmo sem ser o protagonista), e o segundo eu amo como ele abraça as heranças nordestinas em suas produções, além de gostar de todos.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Escape da realidade através do vislumbre.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Cara, não me veio à cabeça nenhuma história inusitada assim. Apenas na época que não existiam demarcação de lugares antes das sessões então nos grandes lançamentos e estreias era uma corrida de cada um por si e Deus por todos para pegar lugar para todo mundo ficar sentado junto. Nessas corridas já vi discussão, gente caindo, pipoca voando e empurra-empurra. Caos, literalmente.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

O surto cult-thrash do Brasil brasileiro.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Acredito que não, mas é gritante a diferença da qualidade de uma obra para um diretor que é cinéfilo que capta referências e as utiliza em suas produções, propondo um diálogo entre ele e a audiência. Um dos motivos pelo fato do Tarantino ser o meu diretor preferido.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Jason X, que coisa horrorosa. Miraram no Alien: O Oitavo Passageiro e acertaram num Barbarella mal feito.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Elena e Revelação.

 

 

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Vingadores: Ultimato e Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte II hehehehe.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Mandy.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Omelete acompanho desde criança, tanto que eles me influenciaram a criar um blog sobre cinema lá em 2008/2009 onde escrevia sobre filme thrash hahaha (ainda tá por aí nos anais da Internet).

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