13/10/2022

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Crítica do filme: 'A Porta ao Lado'



As dores de um viver no sufocamento constante. Explorando as relações amorosas, as formas de enxergar o amor, o companheirismo, as duras batalhas pela liberdade dentro de um autoconhecimento, a cineasta Julia Rezende nos apresenta uma história guiada por uma protagonista em crise no seu presente que acaba se jogando em uma nova estrada de oportunidades ligadas ao desejo. Caminhando em passos largos dentro de uma previsibilidade, há ótimas atuações mas sem momentos brilhantes, guiados por um roteiro que se atrapalha no detalhismo e demora para acontecer.

Na trama, que teve sua primeira exibição nacional no Festival do Rio 2022, conhecemos Mari (Letícia Colin), uma jovem chef de cozinha, que tem seu próprio restaurante e vive seus dias monótonos e até mesmo distantes com o marido Rafa (Dan Ferreira) em um apartamento confortável de uma grande cidade do Brasil. Um dia, Fred (Túlio Starling) e Isis (Bárbara Paz), se mudam para o prédio dela, o que acaba mexendo com sua rotina, principalmente quando começa a demonstrar interesse por Fred e automaticamente se distanciando ainda mais do marido. Há um olhar profundo para a complexa protagonista, interpretada pela excelente Letícia Colin. Mesclando em partes momentos dentro de uma não lineariedade, vai sendo construída essa personalidade marcante que se enxerga presa (mas não demonstra) em um relacionamento onde ela tem tudo e mesmo assim fica longe de ser feliz. Mas o que seria esse tudo?


A desconstrução do casamento vai sendo vista aos poucos, o estopim chega na maneira de enxergar a relação dos novos vizinhos, esses com um relacionamento aberto. E essa tal liberdade acaba sendo algo que a protagonista nunca experimentou, talvez caminhando nesse sentido em um presente impulsionada pela desconfiança das mensagens que o marido troca, até mesmo dos compromissos dele até tarde no trabalho. O roteiro consegue chegar em seu objetivo que pode ser entendido como mostrar a desconstrução e um início da construção dessa personagem dentro de um processo de autoconsciência, mesmo que o excesso de detalhes direcionado somente à uma personagem acabem atrapalhando o topo dessa jornada que seria a compreensão pelo público de seu estado emocional.


A iminência acaba se encontrando com a previsibilidade. Com coadjuvantes apenas sendo vistos de forma superficial (há pouco desenvolvimento do importante conflito que enfrenta Isis, por exemplo), vemos uma protagonista em processo de se libertar de uma aflição que teve na porta ao lado seu início, seu meio e quem sabe seu recomeço.



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12/10/2022

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Crítica do filme: 'O Clube dos Anjos'


Você tem fome de quê? Baseado na obra homônima do escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, O Clube dos Anjos nos apresenta um inusitado recorte sobre a gula, onde a amizade, o posicionamento político, questões existenciais, reflexões sobre o luto e a morte acabam sendo inseridos em banquetes que geram diversas interpretações. Navegando pelo drama de alguns acontecimentos, o projeto tem sua essência e força na comédia. Exibido, em sessão única, no Festival do Rio de cinema, o longa-metragem é dirigido pelo cineasta niteroiense Angelo Defanti, em seu primeiro filme de ficção.


Na trama, exibida pela primeira vez durante o Festival de Gramado, conhecemos um grupo de amigos, desde os tempos do colégio que por conta do gosto em comum pela comida, criaram um grupo onde se encontravam todo mês para se deliciarem com o melhor da culinária. Mas ao longo do tempo, e com o falecimento do chef que cozinhava para eles, o afastamento foi algo lógico. Só que um deles, Daniel (Otávio Müller), inusitadamente conhece um misterioso chef chamado Lucídio (Matheus Nachtergaele) e assim convida novamente todos os integrantes do grupo para se reunirem mais uma vez. Após o encontro, e de toda comilança, um deles amanhece morto. Buscando entender o que houve, eles entram em grandes debates e nas dúvidas se devem se reunir novamente.


Adaptações de livros para cinema, um fato recorrente ano após ano, sempre tem muito da visão de quem escreve o roteiro e dirige o filme, principalmente em tramas que podem levar ao público inúmeras interpretações. Em Clube dos Anjos, o sarcasmo rola solto, seja na polarização política (que vemos muito nos dias atuais), nos embates sobre a morte, as maneiras de lidarem com o luto, nos conflitos e escolhas de amigos que possuem a comida como um elo na história deles. O público ri e reflete, a interação é constante, da Paella aos Bifes mais saborosos, é fácil embarcar nessa loucura que escancara a natureza humana. Com pouco mais de 100 páginas, lançado no final da década de 90, o livro de Veríssimo pode ser uma boa de se conferir caso você queira traçar paralelos com o que refletiu sobre o filme.


Ao longo do filme, impossível não pensarmos naquela letra de uma música famosa escrita por Arnaldo Antunes, Sergio Britto e Marcelo Fromer... ‘A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte!’ Questões que envolvem a sociedade e suas ansiedades (fator muito ligado à gula) são vistas nas características dos personagens. As escolhas estão à disposição todo instante, se colocam à frente, mostrando os limites do ser humano, até com uma visão pessimista sobre os poucos momentos onde sentem o prazer de viver, aqui representado pela comida.


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Crítica do filme: 'Visão de uma Borboleta'


Exibido na edição desse ano da Mostra Um Certo Olhar em Cannes, um dos filmes mais impactantes da edição 2022 do Festival do Rio de cinema, o longa-metragem ucraniano dirigido por Maksym Nakonechnyi, Visão de uma Borboleta, nos mostra a história de uma mulher que sofreu como prisioneira de guerra durante meses e luta para se readaptar ao convívio do noivo e da família. Um recorte impressionante sobre os horrores de uma guerra, assunto mais do que atual, já que o longa aborda as tensas relações em uma região no extremo leste da Ucrânia e sudoeste da Rússia.


Na trama, conhecemos Lilya (Rita Burkovska) uma oficial do batalhão voluntário de Bakhmut, especialista em reconhecimento aéreo, que acaba sendo presa por forças militares à favor da Rússia e passa alguns meses em cativeiro. Após uma negociação, ela é libertada. Aos poucos busca o recomeço da sua vida perto das pessoas que ama, só que ela descobre estar grávida após ser vítima de estupro no período em que estava presa. A partir daí, uma série de situações à levarão de frente para escolhas que vão influenciar todos ao seu redor.


No retorno para casa, é rotulada por alguns como heroína, por outros como vítima. As antíteses encontradas aqui acabam sendo o que aparecem na trajetória da protagonista em busca da redescoberta das relações com quem ama. As marcas da violência expostas no corpo deixam implícitos torturas físicas e emocionais, algo difícil de lidar, principalmente em uma região consumida pela guerra. Os dilemas e principalmente a questão da maternidade se misturam em um entrelaçado com a tristeza onde fica notório que uma série de tragédias vão se suceder. Não há como ter final feliz, não importa o caminho que seguir. A dor da personagem nessas escolhas acaba sendo também sua fortaleza, seu necessário ponto de uma solitude que se torna incontrolável.


O longa-metragem, primeiro da carreira de Maksym Nakonechnyi, também abre espaço para  os multirecortes sobre os pensamentos da população ucraniana em conflito em uma região explosiva, repleta de tensão, na muito falada Donbass. Com a guerra entre Ucrânia e Rússia ainda em andamento, um filme como Visão de uma Borboleta traz uma importante reflexão sobre os tempos atuais e muitos traumas que nunca serão deixados pelo caminho.



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Crítica do filme: 'Wildhood: Busca Pelas Raízes'


As raízes que contam várias histórias. Selecionado para o Festival do Rio 2022, o longa-metragem canadense Wildhood: Busca Pelas Raízes nos apresenta em sua trama um emocionante road movie que navega na troca de perspectiva sobre a vida através de um recorte sobre sexualidade e família na visão de um adolescente. O projeto também mostra um profundo destaque para os Mikmaq (indígenas do leste do Canadá), principalmente o lado cultural. Esse é o primeiro trabalho de longa-metragem, de Bretten Hannam, roteirista e cineasta canadense, não-binário, de raízes Mi'kmaq.


Na trama, conhecemos Link (Phillip Lewitski), um jovem adolescente com raízes indígenas, que mora no Canadá e tem um cotidiano de conflitos com muitas discussões e violência no relacionamento com o pai. Certo dia, ele descobre que sua mãe (que ele pensara estar morta) está viva e morando em um lugar longe dali. Ele resolve ir atrás dela, e leva seu irmão caçula junto. Ao longo dessa viagem cheia de surpresas acaba encontrando outro jovem, Pasmay (Joshua Odjick), que embarca com eles nessa jornada.


Ao longo de quase 110 minutos de projeção, caminhamos pelas estradas sempre tumultuadas das descobertas e redescobertas. O protagonista é um jovem solitário, com uma rebeldia presente, se vê em conflito pelas suas relações familiares (evidente na relação com o abusivo pai) e também por não conseguir liberdade para expressar sua sexualidade em um universo machista que está inserido. A troca de perspectiva, onde o personagem se descontrói para se construir novamente é oriunda da necessidade de conhecer sua mãe e entender mais sobre sua história com raízes em um povo indígena que foram um dos primeiros povos a habitarem a região Atlântica do Canadá. Esse olhar mais próximo sobre as tradições indígenas caminha junto com a história de Bretten Hannam com inspiração na própria caminhada.


O olhar para a sexualidade do protagonista também é algo destacado no longa-metragem (sem previsão de estreia no Brasil). A descoberta do amor, do desejo, a partir da amizade com Pasmay é algo que surge aos poucos produzindo belíssimas cenas. Exibido no Festival Internacional de Cinema de Toronto, Wildhood: Busca Pelas Raízes é um delicado trabalho, repleto de poesia, que fala sobre auto descobertas, desejos, sonhos tudo isso numa fórmula poética que combina diálogos com significados. 



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11/10/2022

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Crítica do filme: 'Canção de Ninar'


Exibido na Mostra Panorama do Festival de Berlim e selecionado para o Festival do Rio, Canção de Ninar nos leva para uma jornada profunda de uma forte protagonista, cheia de conflitos sobre a chegada da primeira filha, e também do reencontro com o seu passado além das surpresas que chegam na sua trajetória. Escrito e dirigido pela cineasta espanhola Alauda Ruiz de Azúa, o filme, extremamente sensível, delicado, que se entrega à melancolia de forma inteligente, é um recorte contemporâneo da maternidade.


Na trama, conhecemos a jovem Amaia (Laia Costa), de cerca de 30 e poucos anos, que acaba de ser mãe de primeira viagem. Após o nascimento da criança, ela passa por diversas fases, como: a relação com o seu lado profissional agora sendo mãe e os conflitos com o marido Javi (Mikel Bustamante) muitas vezes ausente. Em todos esses momentos, seu pai Koldo (Ramón Barea) e sua mãe Begoña (Susi Sánchez, em grande atuação) se mostram presentes e em certo momento onde já não consegue mais lidar com tudo que vem passando sozinha resolve passar um tempo com eles na casa onde morou quando pequena. Esse período será de grande aprendizado e também trará grandes surpresas.


As dificuldades da primeira gestação é o abre alas desse interessante projeto que vai apresentando ramificações mas que não chega a ser um conflito de gerações, os intensos diálogos nos mostram paralelos entre mãe e filha talvez aí um embate implícito dentro do olhar maternal. Não chega a ser uma reviravolta mas o roteiro apresenta surpresas onde quem ajuda e é ajudado se inverte levando esse projeto para outras questões onde o olhar da protagonista se reconstrói chegando à conclusão que a perfeição é algo inalcançável. Em muitos desses momentos brilha o talento de Laia Costa e do grande destaque do filme Susi Sánchez. Impressiona a carga dramática alcançada das duas em cena, nosso olhar fica atento a cada diálogo entre as duas.


Em seu primeiro longa-metragem da carreira, após uma série de curtas que ganharam mais de cem prêmios nacionais e internacionais, Alauda Ruiz de Azúa, que é formada em Filologia (o estudo da linguagem por meio de fontes históricas), consegue passar ao público as fases emocionais mais intensas de um período na vida de sua protagonista, as descobertas, aprendizados e principalmente as várias formas de enxergar o amor.



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Crítica do filme: 'Os Piores'


Vencedor da Mostra Um Certo Olhar em Cannes, o longa-metragem francês Os Piores nos leva a uma gangorra de emoções em uma história profunda sobre alguns jovens de um bairro francês que são chamados durante o verão para realizar um longa-metragem. A questão aqui é que seus personagens no filme acabam de alguma forma tendo uma relação impactante com a realidade deles em um mundo repleto de altos e baixos. Um primoroso trabalho das cineastas Lise Akoka e Romane Gueret. Um dos melhores filmes da seleção do Festival do Rio desse ano.


Na trama, conhecemos Lily (Mallory Wanecque) e Ryan (Timéo Mahaut), dois jovens que moram no mesmo bairro e após uma seleção são selecionados para interpretar personagens em um filme chamado ‘Pissing in the North Wind’ que será rodado no bairro com direção do cineasta belga Gabriel (Johan Heldenbergh). Lily é uma jovem que possui um terrível trauma na sua vida, seu irmão pequeno, a quem era muito ligada, faleceu de câncer recentemente e no bairro é alvo de bullying. Já Ryan, meio rebelde, parece segurar suas emoções, é um jovem que não mora com a mãe e vê na irmã uma força maternal. Os dois, no filme vão interpretar irmãos e durante as gravações muitas emoções irão surgir e também novos conflitos.


A metalinguagem aqui proposta é um impulso para identificarmos os paralelos entre o filme dentro do filme e a realidade dos personagens nos seus cotidianos durante o processo de filmagens. E isso é feito sob algumas perspectivas. Tem a visão dos moradores do bairro que, em sua maioria, acha que a produção do filme está escolhendo os jovens mais problemáticos (daí o título do filme). Tem a visão da própria produção do filme que precisa lidar com os protagonistas não profissionais e todo o estresse do diretor durante as filmagens. E a visão dos próprios protagonistas e tudo que aprendem nos intensos dias de filmagens durante o verão. As cineastas Lise Akoka e Romane Gueret parecem ter uma grande observação sobre esse olhar focado nos bastidores de uma produção cinematográfica. Elas já haviam feito um curta-metragem de 28 minutos chamado Chasse Royale (2016), tratando sobre uma audição para um filme.


A curva de aprendizado para os envolvidos acaba sendo um destino que a princípio parecia improvável mas que aos poucos vamos vendo na tela. Temas como sexualidade, bullying, maternidade, amizade, referências na vida, ética, moral, são vistos nos ágeis diálogos do ótimo roteiro (que também é escrito pelas diretoras e Elénore Gurrey). Se o objetivo desse projeto era conseguir nossa atenção sobre a questão de um processo de filmagens, Os Piores consegue mais que isso, consegue nossa atenção para um recorte onde a maturidade corre em passos largos para combater as desilusões que aparecem sem avisar.



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09/10/2022

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Crítica do filme: 'Pérola'

Créditos fotos: Marcinho Nunes

Abalou Bauru! Baseado em uma peça de teatro, de enorme sucesso em todo o Brasil, escrita pelo dramaturgo Mauro Rasi, Pérola, segundo trabalho de Murilo Benício como diretor de um longa-metragem, é um projeto cativante, que através de lembranças, memórias, nos leva a olhar pelo buraco da fechadura no campo das emoções e conflitos de uma família, de Bauru, do interior de São Paulo. O principal mérito do roteiro é conseguir fazer rir e chorar de forma constante em uma história de sentimentos diversos ao longo de um recorte de muitos anos. Drica Moraes, uma força da natureza em cena, domina sua personagem com maestria, uma baita atuação dessa fantástica artista brasileira.


Na trama, conhecemos Mauro, já adulto, que recebe uma notícia que o faz refletir sobre uma das pessoas mais importantes de sua vida, sua mãe, Pérola (Drica Moraes). Essa, uma mãe de família, esposa carinhosa, com dois filhos, moradora de Bauru, que tem uma personalidade forte mas nunca deixa de ser amável. Ao longo de alguns anos, onde, entre outras questões, vemos uma curiosa e demorada construção de uma piscina, vamos entendendo os grandes embates dessa família como tantas outras pelo Brasil, que brigam, fazem as pazes, buscam se entenderem nos conflitos mas nunca deixam de se amar.


Nessa comédia dramática, que traça seu objetivo principal em emocionar possui na sua trajetória um encontro com a comédia de maneira brilhante, uma fórmula mágica que parece ser transferida do teatro para a tela grande sem perder sua força. Se no teatro Vera Holtz, Sergio Mamberti e outros excelentes artistas brilharam nesses personagens, nessa adaptação para as telonas não é diferente, com um elenco maravilhoso com destaque para a fabulosa interpretação de Drica Moraes. Impossível não se emocionar!


A passagem temporal é grande e os pontos principais dessa família não se limitam a pai, mãe e filhos, como também há o genro religioso, as tias fofoqueiras, a vovó já idosa que precisa morar com eles, entre outros. Parece que estamos abrindo a janela e assistindo ao desenrolar da trama, como se de alguma forma tudo que vemos já ouvimos por aí, o que transforma a experiência em algo nostálgico. Rasi começou a escrever esse texto para o teatro no dia em que sua mãe faleceu, nos palcos o narrador era Emilio, um alter ego do autor, aqui na adaptação cinematográfica o nome é o do criador dessa história, uma homenagem ao dramaturgo que nos deixou em 2003.


O abstrato universo da lembrança, da memória, é por onde o filme navega, o grande ponto intercessor, com um narrador presente, que nos mostra suas angústias que vão desde conflitos pelo sonho em ser um escritor de peças de teatro até os medos por questões de sexualidade.


Pérola não deixa de ser uma homenagem de Murilo Benício também ao Teatro Brasileiro, como já fizera em seu primeiro longa como diretor, O Beijo no Asfalto baseado na obra de Nelson Rodrigues.




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Crítica do filme: 'Regra 34'


Vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Locarno nesse ano, o longa-metragem brasileiro Regra 34 é um chocante projeto que consegue unir em uma mesma trajetória reflexões importantes de nossa sociedade, desde de interpretações sobre leis, dos direitos das mulheres, da violência sob alguns pontos de vistas, até o infinito universo dos desejos ligados aos impulsos virtuais. A cineasta Julia Murat consegue com sua forte protagonista (interpretada pela ótima Sol Miranda) nos levar à 100 minutos de impactantes diálogos e ações. Regra 34 é um filme que demora a sair de nossas mentes, há uma reflexão constante sobre os ótimos temas abordados, principalmente sobre as várias óticas da violência. O projeto faz parte da seleção do Festival do Rio 2022 e também da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do mesmo ano.


Na trama, conhecemos Simone (Sol Miranda), uma jovem negra, de vinte e poucos anos, que, após a faculdade de direito, está iniciando seu caminho na Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro. Seu cotidiano é intenso, precisa lidar pelas possibilidades da lei sobre vários tipos de violências quase sempre contra mulheres. De noite, ela é Camgirl, faz performances sexuais online, buscando expor seus desejos e também os desejos do público que já a acompanha faz tempo. Quando ela se vê em um certo descontrole quanto a violência (e até mesmo os limites) de suas apresentações na internet, escolhas precisarão serem tomadas.


Em Regra 34, a violência é o ponto chave para refletirmos sobre os dois mundos vividos pela protagonista. Como Camgirl, a protagonista, cada vez mais explorando seus impulsos sexuais se vê em um dilema dentro do seu refletir quando embarca em práticas BDSM (sigla para Bondage, Disciplina, Sadomasoquismo) e começa a sentir o desconforto com a violência do público em relação às suas apresentações. Como advogada, Simone se impõe para ajudar mulheres que sofrem de violência doméstica, inclusive se revoltando em muitos momentos com os absurdos presenciados. Nos debates que tem, no seu início de vida profissional na defensoria pública, se vê constantemente em volta da hipocrisia de outros profissionais que tiveram uma trajetória bem diferente dela até ali, sem sentir nem observar tudo que ela viu.


O título do filme chega para trazer uma interpretação sobre essa curiosa Regra 34 criada pelo mundo virtual (quase um universo paralelo que só se expande) que se define em: ‘Se alguma coisa existe, há também uma versão pornô dela. Sem exceções’. Refletimos muito sobre essa questão pelos dilemas de Simone principalmente quando seus desejos sexuais perigosos a aproximam de uma violência, de um machismo que combate na sua realidade.


Como usar o direito para mudar a sociedade? Os debates sobre leis e sociedade são excelentes, temas debatidos por professores e alunos prendem nossa atenção e nos fazem pensar através do olhar de Simone. Seria muito importante esse filme ser exibido para estudantes de direito, tem muitos temas que podem gerar debates importantes.


Desde o poderoso Terra Transe, do inesquecível Glauber Rocha, que o Brasil não ganhava um importante prêmio em Locarno (um dos grandes festivais do universo cinema). E o Leopardo de Ouro não poderia estar em melhores mãos, Regra 34 busca através de seu impactante contexto, os temas que joga ao nosso refletir, recortes da sociedade e o desconsolo quanto à violência.



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07/10/2022

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Crítica do filme: 'Império da Luz'


A Solidão e a Solitude. Filme de abertura do Festival do Rio 2022, Império da Luz é um interessante recorte de uma Inglaterra nos anos 80 onde conhecemos uma linda história de amor que tem um cinema como grande palco. A intensidade da paixão, a diferença de idade, o preconceito, o assédio, a literatura, o cinema, são vários os elementos reunidos nessa história brilhantemente escrita e dirigida pelo excelente cineasta britânico Sam Mendes. Emocionante em muitos momentos, com uma atuação digna de Oscar da fabulosa Olivia Colman, o filme nos leva a refletir também sobre a linha tênue entre a solidão e a solitude.


Na trama, conhecemos Hilary (Olivia Colman), uma mulher introspectiva que trabalha em um lindo cinema de frente para o mar em uma Londres dos anos 80. O cinema em que ela trabalha é administrado pelo Mr. Ellis (Colin Firth), com quem a protagonista tem um caso. Certo dia, um jovem e super carismático chamado Stephen (Micheal Ward) é contratado para trabalhar no lugar e aos poucos vai se aproximando de Hilary. Dessa aproximação, surge uma linda história de amor que terão alguns intensos capítulos ao longo das duas horas de projeção.


O amor aqui é mostrado de forma intensa, com o equilíbrio chegando de forma sutil através de gostos em comum pela literatura e as maneiras diferentes de se enxergar a vida. A diferença entre as idades nos leva a entender melhor os personagens, uma mulher sem muitas expectativas de mudanças em sua vida com conflitos emocionais provocados por alguns traumas e esse jovem sonhador, de atos bondosos, que se abala a cada novo episódio de racismo que sofre em qualquer lugar. Ela, anda na linha tênue entre a solidão e a solitude, mais do segundo, dentro de um estado de privacidade, quase um isolamento involuntário. Ele, usa a solidão como fortaleza quando precisa mas sem deixar de encaixar pitadas de esperança em sua estrada. Esses dois corações se compreendem, se encaixam, fazendo muito sentido o sentimento que nasce entre os dois mesmo com o destino batendo à porta, onde escolhas precisarão serem tomadas.  


No roteiro escrito por Mendes (primeira vez que ele dirige a partir de um roteiro que escreveu sozinho), há uma tentativa de profundidade sobre a época em que o filme é ambientado, o início dos anos 80, em uma Londres repleta de ebulições em várias áreas, com os primeiros anos de Margaret Thatcher como primeira ministra. O preconceito, o racismo, desses tempos é sentido mais forte por um dos protagonistas, um carismático jovem, negro, que sonha em entrar na faculdade de arquitetura mas sofre por cada ação de mentes preconceituosas e violentas que andavam pela cidade.


A magia do cinema acaba encontrando seu cantinho em muitos momentos por aqui, citações à grandes clássicos do cinema, o dia-a-dia de um mercado exibidor sempre muito dinâmico naqueles tempos, os clientes malas, os clientes legais, aquela ansiedade que todos nós sentimos quando esperamos muito a estreia de um lançamento, a descoberta dos próprios funcionários pelo grandioso universo de emoções que aparece quando assistimos a um filme.


Império da Luz nos faz refletir sobre a sociedade de outros tempos e do atual, também sobre o abstrato mundo do amor, do companheirismo, do querer o bem mesmo com obstáculos pelo caminho. Sam Mendes emociona com sua obra. Todo bom filme nunca deveria encontrar um fim em nosso refletir.



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03/10/2022

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Pausa para uma série: 'The Old Man'


Caça ou caçador? Chegou recentemente ao catálogo da Star Plus, um projeto com muita qualidade quando pensamos em seriados de ação e espionagem, tendo um protagonista no terço final de sua vida, lidando com conflitos de um passado que nunca se desprendeu de sua trajetória. The Old Man e seus plot twists inesperados é um trabalho primoroso, que nos mostra uma série de conflitos que enfrentam os ótimos personagens com um ponto de interseção uma intrigante parábola sobre paternidade. Esse é um daqueles seriados que não conseguimos parar até descobrir todos os mistérios que se acumulam na ótima história. No elenco, os excelentes Jeff Bridges, John Lithgow e Alia Shawkat.


Na trama, acompanhamos a história de Don Chase (Jeff Bridges) um homem que vive solitariamente com seus dois cães em uma cidade do interior dos Estados Unidos e que teve a perda da esposa anos atrás. Durante uma invasão à sua casa, ele percebe que seu passado como agente da CIA acaba batendo novamente à sua porta. Assim, ele resolve ir atrás da resolução de um situação de algumas décadas atrás e descobre que um homem perigoso está atrás dele. Contando com a ajuda da filha Emily (Alia Shawkat), por quem só se comunica por telefones descartáveis acaba entrando em uma gangorra de emoções que tem uma outra peça importante, o ex-companheiro da CIA Harold Harper (John Lithgow).


Tudo é muito misterioso, à princípio, nesse surpreendente seriado de intensos sete episódios disponíveis na Star Plus. Criado pela dupla Robert Levine e Jonathan E. Steinberg, o projeto nos leva a duas linhas temporais onde entendemos aos poucos alguns dos porquês que levam o protagonista a fugas constantes. Don Chase, e obviamente esse não é seu nome verdadeiro, é um homem que luta contra pesadelos diários, parece viver forçadamente numa solidão inquietante fruto de consequências de seu passado conturbado onde negociou e lidou com questões atrás das linhas inimigas que culminou com uma ação que o levou a uma vida cigana, quase um nômade. As decisões que precisa tomar ao longo desse recorte mostrado nos leva a entender melhor sua personalidade digna dos mais fiéis espiões da ficção.


A parábola da paternidade dita acima, acaba chegando com a erupção de muitos problemas, quando as peças se encaixam nos lugares e conseguimos entender as razões e consequências de todos os personagens que de alguma forma estão interligados para uma situação (não podemos ir muito à fundo aqui senão as surpresas se entregam facilmente). Harold Harper, outro grande personagem dessa história, é um contraponto, quase a razão dentro de uma trama cheia de espinhos. Os conflitos desse último chegam mais forte exatamente quando não consegue ser tão mais racional quanto emocional. Há um duelo Don e Harper mas com variáveis que mudam constantemente muitas vezes fazendo eles jogarem pelo mesmo objetivo. Não há heróis ou vilões, há intepretações diversas sobre as ações de todos. Filmado todo em Los Angeles, na Califórnia e inspirado na obra homônima do romancista Thomas Perry, o projeto teve entre os consultores um agente da Cia, um ex-juiz do exército e um especialista em assuntos afegães.  


The Old Man e sua explosiva trama de espionagem mistura conflitos pessoais com relações internacionais em uma história cheia de surpresas que deixarão o espectador atento aos profundos e cheios de detalhes sete episódios.  



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29/09/2022

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Crítica do filme: 'A Acusação'


Não é não. Chega aos cinemas nas primeiras semanas de outubro um filme que mostra os desenrolares de uma denúncia de agressão sexual e os conflitos que surgem para todos os envolvidos e suas famílias. A Acusação, dirigido pelo cineasta israelense Yvan Attal é um profundo drama que aborda os olhares da lei, das famílias, da opinião pública, sobre um caso de estupro. Um filme impactante que deveria ser exibido em muitos lugares e com debates sobre suas reflexões.


Na trama, conhecemos Alexandre (Ben Attal) um arrogante, privilegiado, com sentimento de superioridade, mimado, estudante francês de 22 anos que mora nos Estados Unidos e estuda engenharia em Stanford que durante sua passagem pela França, para visitar seus pais, um famoso apresentador de TV chamado Jean (Pierre Arditi) e uma ensaísta chamada Claire (Charlotte Gainsbourg), é acusado de estupro. Quem faz a acusação é Mila (Suzanne Jouannet), uma jovem de 17 anos que é filha de Adam (Mathieu Kassovitz), um professor de literatura e Valérie (Audrey Dana), uma protética dentária. Para complicar mais ainda a situação, Claire e Adam são namorados. A situação é levada aos tribunais, onde as versões do fato são ouvidas e julgadas pela lei.


De 20 minutos à perpetuidade. Uma séria acusação, um trauma para toda uma vida. Quais os argumentos para se duvidar de uma jovem que alega ter sofrido um abuso? O constrangimento é evidente, logo na denúncia Mila precisa detalhar para dois policiais homens o que houve, depois é exposta no jogo das lei, onde o advogado de defesa expõe intimidades e outros traumas. Presenciamos um pesadelo sem fim de uma jovem que procurou a justiça para ajudá-la com sua dor.


Vamos sendo guiados pelas óticas dos personagens, não só as dos dois jovens, mas também de seus pais.  Do lado de Alexandre, onde os parentes mais tem aprofundamento, vemos o pai, figura pública, controlador, mulherengo, inclusive se relaciona com a estagiária do seu trabalho, parece ter uma relação distante com o filho mas sem deixar de lhe proporcionar uma vida confortável. A posição da mãe nessa história é delicada. Ela é uma ensaísta que sempre defendeu a condenação de qualquer tipo de abuso sexual e ainda por cima a acusação é feita pela filha do seu atual namorado. Será suas atitudes algum tipo de reflexo de sua criação?


Vidas despedaçadas, julgamentos sociais. Logo a trama se caminha para um drama de tribunal onde o que realmente aconteceu se torna algo em segundo plano pois fica evidente que uma agressão ocorreu, um ato unilateral, uma ação sem consentimento. Pelo lado da lei, advogados travam batalhas de argumentos, colocando em exposição a vida íntima de agressor e vítima.  


A palavra de um contra a palavra do outro. Houve consentimento aos olhos da lei? Qual a verdade jurídica? A Acusação faz o espectador refletir sobre cada conflito que se segue, mesmo com duas percepções de uma mesma cena, acompanhamos os rumos de um veredito em relação à lei mas na parte moral a verdade é uma só.



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Crítica do filme: 'O Perdão'


A culpa em contraponto ao perdão. Exibido no Festival de Berlim em 2020, o longa-metragem iraniano O Perdão nos mostra conflitos de dois personagens que passam pelo luto de formas diferentes e mesmo assim interligados por um mesmo acontecimento. Dirigido pela dupla Maryam Moqadam e Behtash Sanaeeha, vamos percorrendo o presente de personagens que buscam soluções em meio ao caos emocional de conflitos subsequentes à uma tragédia. Há um debate sobre alguns temas importantes ligados à justiça, principalmente sobre a pena de morte e também sobre a opressão contra as mulheres por conta das crenças e costumes do país islâmico situado no Golfo Pérsico.


Na trama, conhecemos Mina (Maryam Moqadam), uma mulher que trabalha em uma fábrica de leite, mãe de uma menina surda que acabou ficando viúva após seu marido ser preso e condenado à pena de morte no Irã. Um ano se passa e buscando soluções para seu presente, agora solteira e com uma filha pequena, acaba descobrindo que seu marido era inocente no processo que foi condenado. Buscando entender seus direitos pelo erro cometido pela justiça iraniana ela acaba sofrendo por alguns conflitos que se desdobram. Até que um dia Reza (Alireza Sani Far) aparece em sua porta, ela não sabe mas ele é alguém arrependido por uma sentença feita.


Uma mulher trabalhadora buscando seguir em frente com sua vida após uma injustiça feita com seu marido. Essa é apenas uma rasa definição sobre tudo que vemos ao longo dos quase 110 minutos de projeção. Há conflitos muito mais profundos. Somos testemunha de um recorte no presente dessa mãe que não consegue se desprender do luto. Aos poucos esse presente se torna uma rede cheia de conflitos. Um conflito com a família do falecido marido, muito por conta da indenização e o dinheiro que ficaram para ela.  No prédio onde mora, por ter deixado um homem entrar na sua residência e esse não sendo seu marido, acaba sendo expulsa de onde mora. As dificuldades de alugar um lugar para morar sendo uma mulher solteira em um país preconceituoso e onde o conservadorismo domina os costumes. As burocráticas idas a administração governamentais para entender seus direitos, até mesmo consegue uma indenização de 270 milhões de tomans iraniano (o que na conversão para real dá mais ou menos 35.000 reais)...mas quanto dinheiro do mundo vale a vida de uma pessoa?


Há também um profundo debate sobre a pena de morte que percorre todo o filme, principalmente quando sabemos sobre um dos personagens que aparece na trama, um juiz que se sente culpado pois na sua primeira condenação à morte acaba condenando um inocente.


O perdão do título chega por duas vias que não conseguem se desprender das emoções. Principalmente quando entendemos melhor a trajetória do misterioso Reza, um homem que não consegue se perdoar. Assim, mesmo com uma harmonia entre Mina e Reza, ambos não conseguem chegar ao ponto de um equilíbrio para qualquer tipo de relação. Pra onde quer que olhemos, para todos os conflitos vistos aqui, conseguimos refletir de maneira profunda sobre assuntos que precisam serem discutidos pela sociedade.



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28/09/2022

Crítica do filme: 'A Queda'


O luto pra falar sobre medo. O medo para falar de sobrevivência. Buscando instigar nossos pensamentos em relação à situações extremas, principalmente e implicitamente nos fazendo responder sobre o que faríamos em uma determinada situação à mais de 600 metros do chão, A Queda é um drama que aborda a sobrevivência, a amizade, o luto, o trauma e os conflitos que surgem entre duas amigas que se colocam em uma situação extrema. O projeto tem um abre alas que lembra um pouco o filme Risco Total (aquele filme de 1993, estrelado pelo Stallone), principalmente sob a ótica do trauma. Sonolento em alguns momentos, o roteiro parece guardar a sete chaves uma reviravolta mas que não é aprofundada. Tem começo, meio e fim muito perto do previsível.


Na trama, conhecemos as amigas Becky (Grace Caroline Currey) e Hunter (Virginia Gardner), duas aventureiras que adoram praticar o alpinismo que em uma dessas aventuras acabam presenciando uma fatalidade com o namorado de uma delas. Um ano se passa e a dupla de amigas volta a se reunir, dessa vez para um novo desafio: subir até uma antena de transmissão que fica a mais de 600 metros do chão localizada em um deserto na Califórnia. Algo de inesperado acontece e as amigas precisarão se unirem ainda mais para buscar soluções nas alturas.


Há um caminho por cima do pensamento sobre a adrenalina mais compreensivo por quem ama viver perigosamente, praticando esportes que tem lá seus riscos. Cá pra nós, subir uma antena de quase 610 metros, com uma escada já corroída e nitidamente em más condições realmente é para poucos corajosos. Nesse projeto, o medo de altura não existe! O roteiro caminha pelo medo, pelo trauma, pelos conflitos, os arrependimentos, as relações familiares (essa sem muita profundidade) para mostrar um recorte de soluções sobre auto sobrevivência. Outro fator importante é a questão do luto por onde uma das personagens acaba se construindo logo nos primeiros minutos.


A questão da sobrevivência prolonga o clímax. Como sobreviver em um lugar inóspito onde não pega celular, onde qualquer rajada de ventos inesperada pode te derrubar? Não há uma reviravolta profunda mas uma questão do passado que acaba se tornando um certo conflito, mexendo mais ainda com as emoções das duas amigas. Quase sem água, com muitas horas naquela situação, medidas extremas e perigosas acabam sendo tomadas dentro da necessidade.


Dirigido pelo cineasta britânico Scott Mann, A Queda aos poucos se torna previsível, surpreende pouco. Chega a ser decepcionante pra quem criar altas expectativas pelo bom trailer divulgado.



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25/09/2022

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Crítica do filme: 'Não se Preocupe, querida'


Um experimento dentro de uma manipulação existencialista. Nessa frase podemos definir tudo que vemos nas pouco mais de duas horas de projeção do projeto da cineasta, e também atriz, Olivia Wilde, Não se Preocupe, querida. A perfeição e a harmonia de tudo ao redor da protagonista chama a atenção do espectador desde o primeiro minuto e aos poucos vamos entendendo melhor uma série de mistérios que se sucedem nesse curioso projeto que encosta em alguns pontos com a sensação do universo das séries de 2022, Ruptura.


Na trama, conhecemos Alice (Florence Pugh), uma dona de casa, feliz, que vive em um bairro repleto de harmonia, onde a felicidade parece reinar 24 horas por dia. Seu marido Jack (Harry Styles) é um engenheiro que trabalha em um lugar misterioso mas que lhe proporciona uma vida bastante estável. A rotina de Alice é dialogar com vizinhas, pegar o bondinho do bairro onde moram e ir até uma escola dança. Uma rotina completamente dedicada ao marido e ao seu estilo de vida nos anos 50. Até que certo dia ela começa a ter algumas alucinações e começa a olhar ao seu redor de outras formas achando brechas nessa vida perfeita. Assim, a protagonista embarca em uma jornada de descobertas que vão muito além do imaginava.


Uma utopia? Sim, podemos dizer que a trama gira em torno disso. A tecnologia encosta nessa questão, do criador e da criatura também apresentando os contextos do livre-arbítrio ou não. É uma escolha estar ali naquele lugar? Para alguns sim. A partir daí vamos vendo claramente uma protagonista buscando soluções contra uma vilania que surpreende não deixando muitos porquês soltos mesmo que personagens mal explicados se somem à trama principal. É como se estivéssemos em um tabuleiro de xadrez onde o jogo se inicia quando a protagonista entende em partes seu grande conflito.


O filme objetiva refletir sobre a crítica social, as maneiras encontradas de viver a perfeição. Só que a realidade sempre vai deixar conflitos e por aí vamos entendendo alguns complexos personagens que se envolvem em uma trama que vai do drama ao suspense psicológico em instantes. A condução de Wilde para esse liquidificador que envolve utopia, experimento e os enigmas dos calcanhares de aquiles do ser humano é muito interessante, nos faz pensar sobre tudo aquilo que nos é apresentado.  Esse é um ótimo filme para debater com os amigos pois várias interpretações podem ser vistas.



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24/09/2022

Crítica do filme: 'O Último Poema do Rinoceronte'


Um amor, a inveja, uma separação abrupta, dolorosa, em tempos de uma revolução. Escrito e dirigido pelo cineasta iraniano Bahman Ghobadi, O Último Poema do Rinoceronte nos mostra uma triste história de um amor separado pela inveja tendo como plano de fundo a revolução do Irã em 1979 transformou o país de uma monarquia autocrática para em uma república islâmica teocrática. Ao longo dos intensos 88 minutos de projeção, vamos conhecendo uma história hipnotizante que lida de tragédias à poesia com um final emblemático.


Na trama, lançada no Brasil no ano de 2015, conhecemos Mina (Monica Bellucci) e Sahel (Caner Cindoruk/Behrouz Vossoughi) um casal apaixonado que vive juntos desde os tempos em que se conheceram na faculdade. Ele é um escritor, famoso por seus poemas, e junto de sua esposa vivem uma confortável vida. Eles tem um motorista que acaba desenvolvendo uma paixão não correspondida por Mina. Esse mesmo motorista se torna um revolucionário importante e que com a revolução que acontece na Irã em 1979 acaba ganhando status de poder. Ele executa um plano maligno, prendendo injustamente Mina e Sahel, ela por 10 e ele por 30 anos. O tempo passa e após sair da prisão Sahel vai atrás de seu amor que se mudou para Turquia e foi morar com ex-motorista que os prendeu.


Aqui o sofrimento é envolto de reflexões mas também mostra uma realidade arrepiante.   Preso injustamente por supostamente ter escrito poemas políticos, nosso primeiro olhar chega em duas linhas temporais para Sahel. Na primeira, um jovem de sucesso no seu trabalho, casado com a mulher que ama que vê tudo desmoronar pela inveja de um outro homem. No segundo momento enxergamos um homem já no fim de sua vida, com uma lacuna imensa não preenchida pelas três décadas de ficara preso. À beira de uma margem das águas de um mar ele observa no alto de uma montanha a nova casa de sua esposa sem saber direito o que fazer pois disseram a ela que ele havia morrido na prisão.


Mina é a outra parte dessa dolorosa trama. Na prisão, sofre uma violência atrás da outra. Fortes abalos emocionais, Mina é forçada a assinar o divórcio, é violentada, engravida, passa 10 anos presa, escutando barulhos ensurdecedores de torturas em outras celas. Vive por acreditar que um dia possa estar novamente com seu grande amor precisando viver os conflitos e os acaso que estão fixados em seu destino. A arte aqui acaba se tornando uma força para passar por esse momento extremo. O refletir sobre os poemas do marido acaba sendo o dispositivo de lembrança que guarda no seu pensamento.


O amor abstrato ligado à uma inveja sem tamanho é a mola propulsora das maldades do ex-motorista que virou líder de uma revolução. Um homem perturbado, obsessivo, que usa e abusa de seu poder para conseguir o que quer. Sua história acaba sendo o ponto de interseção, o ima de definição de destinos.


O Último Poema do Rinoceronte, belissimamente bem filmado constrói um forte elo entre sua trama e o espectador. Chega a ser hipnotizante. Um trabalho impecável de Bahman Ghobadi.



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