As poesias na arte de amar. Dirigido pela cineasta Ildikó
Enyedi e vencedor do último grande prêmio de melhor filme no Festival de
Berlim, Corpo e Alma é uma incrível
jornada sobre o amor que chega ao espectador de maneira inusitada, ligada por
sonhos, onde somos testemunhas, ao longo das quase duas horas de projeção, de
uma das histórias mais bonitas que apareceram numa tela de cinema esse ano. O
projeto, que demorou mais de dez anos para ficar pronto por conta de uma grave
crise no órgão que administra o cinema Hungria, possui uma riqueza nos
detalhes, há um silêncio preponderante em muitas cenas, seja nos olhares
distantes dos protagonistas, seja nos reflexos que acompanham as metáforas
cotidianas na arte do descobrir. Um trabalho primoroso de direção.
Teströl és lélekröl,
no original, conta a história de Endre (Géza Morcsányi), um gerente
administrativo de uma empresa do ramo alimentício, que possui um problema em um
dos seus braços, que durante uma sessão com uma psicóloga chamada para auxiliar
a empresa que trabalha, descobre que seus sonhos se completam com os mesmos sonhos
de uma nova funcionária da empresa chamada Mária (Alexandra Borbély). Assim, se
encontrando quase sempre nos sonhos mas sem muita aproximação na vida real,
resolvem embarcar nessa história onde buscam a todo instante entender melhor
sobre o amor e sobre essa situação totalmente inusitada que é o fato de se
ligarem por um sonho.
Um filme possui uma lentidão, um ritmo diferenciado,
necessário para absorvermos os paralelos que o roteiro busca explorar. Os
protagonistas são dois pilares, cada um com sua essência que juntos em cena transformam
uma inusitada história de amor em algo inesquecível. Endre é um homem
desiludido que vive em pura reclusão mesmo tendo certa vida social, prefiro a
solidão do que se envolver. Já Mária é uma superdotada, com memória espetacular
que não consegue interagir com ninguém, vive uma vida metódica sabendo muito
pouco sobre sentimentos e o próprio corpo. Quando o inusitado aparece nessa
história, na forma de um sonho em conjunto, acontece uma ação quase instantânea
na arte do desabrochar para vida dessas duas almas. Lacunas nunca preenchidas,
chegam pela curiosidade, levando Endre e Mária a uma jornada de erupções
sentimentais que passam, do amor até o ciúmes sempre de forma mais delicada do
que estamos acostumados a ver.
Um dos grandes méritos de Enyedi em sua direção é tentar
captar todos os sentimentos que passam nos personagens de maneira poética,
usando as imagens como forma de preenchimento de um pensamento. A arte de amar
é uma ciência não exata, totalmente fora de controle, as duas almas que
conhecemos nesse fabuloso filme descobrem que a vida pode ser muito mais quando
deixamos de olhar para o lógico e conseguimos entender até o impossível.