Raphael Camacho, das exatas para o mundo das artes.
Cinéfilo. Gosta de ver filmes e falar sobre eles. Odeia mesmice e pensa que o
mundo precisa encontrar soluções criativas quando falamos sobre cultura. Ganhador
de prêmios, gente boa, coração enorme. Um filme bom muda um dia, uma vida. Não
gosta de muitos filmes do Nicolas Cage talvez por decepção na fase dos últimos
dez anos dele, já que quando era pequeno ele era seu ídolo. Certo dia estava na
melhor faculdade de informática do país, de terno, onde tinha bolsa, após um
dia estressante, entrou em uma turma de Desenvolvimento Local e Social e após algumas
horas já estava sem o terno e uma mudança radical em sua vida aconteceu. Virou
programador de um lendário cinema na zona sul carioca e transformou junto com a
equipe que trabalhava lá esse cinema em algo que marcou uma geração de
cinéfilos. Sempre com muito amor, bom humor e intensidade de querer sempre ser
e fazer o melhor. Se aposentou aos 33 anos dessa vida cinematográfica, o
telefone toca várias vezes com oportunidades nesse mercado mas nenhum projeto o
seduz para um eventual retorno. Quem sabe um dia volta, mas tem que ser o
projeto que brilhe seus olhos. Mantém seu blog ativo sempre que possível, blog
que criou na noite que saiu daquela sala de faculdade mais de uma década atrás.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Falemos do RJ. A cada ano muda um pouco na minha opinião.
Como conheço os programadores, fica muito difícil escolher a melhor
programação. Mas na época que eu era o programador do Cine Joia, sem modéstias, não tenho dúvidas de que o Cine Joia era a melhor programação da
cidade do Rio de Janeiro e uma das melhores da América Latina não só porque o
programador era cinéfilo, intenso, corajoso, justo, carinhoso e competente mas
também porque a equipe do Cine Joia
tinha cada um a seu modo um importante papel como um todo. Mas hoje, acho que a
melhor programação do RJ é do Espaço
Itaú de Cinemas na praia de botafogo, o programador é cinéfilo, você
percebe. Pode ser uma impressão, mas tem um outro famoso cinema badalado que
também gosto pois o frequento a muitos anos mas percebo de alguma forma que
quem o programa não vê muitos filmes o que me deixa com um pé atrás. Nesse meio
quando você trabalha em cinema que tem renome, tudo fica mais fácil por conta da
oferta de filmes que chegam semanalmente querendo ser exibido. O bom programador
tem que ser criativo sempre e não cair na mesmice.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Sempre gostei cinema, demais. Comecei pelos filmes antigos,
lembro por exemplo de assistir várias vezes Ben-Hur em vhs com meu avô Heráclito na cada dele em Vila Isabel. Lembro
que usava cinema como terapia, pois meu pai e minha mãe brigavam a todo
instante durante minha infância e adolescência e eu para me defender daquela
loucura diária, protegia a mim e a minha irmã colocando filmes para nós
assistirmos em um vídeo cassete antigo que precisava usar uma chave de fenda
para fazê-lo funcionar. Mas o estalo mesmo só se deu em uma sessão de dois
reais, na primeira sessão do dia, em um cinema que tinha no Rio Designer Barra
num filme sul-coreano chamado Oldboy.
Tudo mudou após aquelas duas horas e pouca de projeção. Agradeço minhas primas
por terem ido comigo.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Alexandr Sokurov.
Eu não sei explicar mas sempre tive muita curiosidade sobre a história russa. E
como amo cinema, em uma pesquisa, anos atrás sobre cineastas russos cheguei a
filmografia desse genial artista do audiovisual mundial. Meu filme preferido dele
é: A Arca Russa.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Poderia falar os mais badalados mas vou pela vertente do
coração. Não por Acaso. Esse filme
mexe comigo de uma forma que eu não sei explicar. A cena do desfecho do
semáforo é uma das coisas mais lindas e emocionantes que já vi numa produção
nacional.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Não é ver grande quantidade de filmes. É enxergar além do
básico que assistimos quando vemos um filme e obviamente gostar de tagarelar
sobre a obra vista. Todo cinema deveria ter em sua última sessão (no mínimo) a
sessão seguida de debate. Fundamental, ainda mais em tempos como esses que
enfrentamos burrices ligados à políticas a todo instante.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Não. A maioria não entende nada de cinema. O absurdo não é
entender cinema, é não ver filmes. E tem muito programador que não assiste
filme. Raras vezes em mais de 1500 dias programando um cinema no RJ eu marquei
um filme sem assistir. Você precisa oferecer ao seu público o melhor. Sempre.
Aí vem os chatos: ‘O que é melhor?’... blá blá blá. Cada um pensa como quiser,
livre arbítrio, mas pra mim é inadmissível um programador do mercado exibidor
não assistir a filmes. Um técnico de
futebol não vê jogos de futebol?
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Nunca. Serão reduzidas mas nunca deixarão de existir.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
The Beautiful Country
de Hans Petter Moland. Eu estava
assistindo um dia ao programa do Ronnie
Von, por acaso. Lá um crítico de cinema que eu adorava falava sobre os
filmes: Christian Petermann. Ele
indicou esse. Vi e amei. Sempre recomendo, pois, raramente é comentado nas
rodinhas cinéfilas.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não. Absurdo abrir qualquer lugar fechado em um país como o
nosso, onde o governo não conseguiu controlar como deveria o avanço da
pandemia.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
A cada ano melhora. Adoro assistir aos avanços do cinema
nordestino por exemplo, esbanjando qualidade em tela. Temos muito material
humano para produzir coisas ricas, lindas e criativas. Precisamos sempre é de
mais incentivo e o cinema brasileiro ser reconhecido como
importante/fundamental para uma sociedade democrática. E digo mais: há
preconceito do público com filmes nacionais. Precisamos mudar isso. Os próprios
exibidores, na sua maioria, não ajudam. Há pouca divulgação de filmes marcados
mas não badalados. Eu sempre digo: o exibidor precisa ajudar o distribuidor!
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Claudio Assis.
12) Defina cinema com
uma frase:
Não existe caminho para o cinema. O cinema é o caminho.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Programei um filme francês no cinema que eu trabalhava, que
o crítico de um jornal muito famoso no RJ deu uma nota bem ruim pra ele. A
crítica quando é ruim para filmes ditos ‘cults’ ou em cinemas que passam filmes
sem ser blockbusters acaba influenciando um pouco a trajetória do filme no
circuito. Eu assisti ao filme e pensei exatamente ao contrário do texto da
crítica do jornalista, respeito sempre os argumentos dos amigos jornalistas mas
vou sempre pelo que eu penso. Pronto, programei (a crítica sai na 5ª e a
programação é feita entre 2ª e 3ª, então o programador programa sem saber sobre
críticas). Um sucesso estrondoso. As pessoas saiam leves, rindo muito. Numa das
sessões, que estavam lotadas durante toda a semana de estreia, no meio do filme
um cheiro ruim começa a tomar conta da sala. Uma pessoa tinha literalmente se
cagado de rir. Foi uma loucura.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Inusitadamente um clássico do cinema brasileiro.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Acho. E acho bizarro cineastas não assistirem filmes. Tem
muitos. No Brasil então... Tem uma galera que surfa muito na onda dos outros
dentro do audiovisual brasileiro. Só estando dentro desse mercado para sentir
isso. Em eventos você percebe rapidamente, principalmente quando alguns fogem
de determinados papos sobre filmes. Mas prefiro falar dos que são cinéfilos, ou
pelo menos amam cinema, conheço alguns que admiro muito. Sempre bom papear com
esses.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
O Imperador (Outcast),
com Nicolas Cage e Hayden Christensen no
elenco. Eu nunca levantei em um filme, vejo sempre até o final mas esse foi o
que mais chegou perto de eu resolver querer ir embora do cinema. Outro filme
terrível é A Reconquista com o John
Travolta de protagonista, que coisa bizarra esse filme. O engraçado que Cage e
Travolta fizeram juntos o ótimo Faceoff (A
Outra Face). São coisas do cinema!