Nosso entrevistado de hoje é um dos cinéfilos mais
inteligentes que conheço e um cara ótimo para papear sobre cinema. Membro da
Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) e curador do
Cineclube Águas Férreas, o crítico Bruno
Giacobbo fala e escreve sobre filmes, por amor, há um tempo incontável, e
profissionalmente, desde 2013. Ele se considera um dos últimos românticos, pois
vive a procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começa a acreditar que tal
recanto só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas.
Contudo, apesar disto, é feliz como um italiano quando sabe que terá amor,
vinho e um bom filme pela frente.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação?
Em relação a este aspecto, minhas salas favoritas são a do Espaço Itaú, na Praia de Botafogo, e a
do Estação Gávea, no Shopping da
Gávea. São salas que não dão ênfase aos blockbusters. Elas possuem uma
programação mais voltada para o que, hoje, chamamos de “cinema cult” e dão
bastante espaço para o cinema brasileiro. Contudo, a sala do meu coração é o São Luiz, no Largo do Machado. Tenho
uma história afetiva com ela.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
O Retorno do Jedi,
numa sala de cinema na cidade de Lambari.
Com certeza este cinema não existe mais. Eu poderia citar, também, Goonies, num cinema de rua de Porto
Alegre. Acho que foram estes dois filmes que despertaram alguma coisa em mim,
pela primeira vez.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Pergunta complexa. Não dá para dar apenas uma resposta.
Então, vamos lá: Walter Hugo Khouri
e Eros, O Deus do Amor; Krzysztof Kieślowski e o seu grandioso Decálogo. Sim, eu sei que em tese são
dez filmes de uma hora cada, mas eu acho quase impossível desassociar uns dos
outros. E eu gostaria de citar também Sidney
Lumet e o seu dolorosamente poético Sérpico.
4) Qual seu filme
nacional favorito e por quê?
Eros, O Deus do Amor,
de Walter Hugo Khouri. Este filme,
para mim, traduz boa parte a genialidade daquele que é o maior cineasta
brasileiro de todos os tempos. A câmera subjetiva que mostra, em 99% do tempo,
o olhar do narrador, me deixou louco da primeira vez que assisti. E este é o
filme, também, onde conhecemos mais a fundo a personalidade de Marcelo Rondi, o
protagonista da obra-curso do Khouri, uma espécie de alter ego do diretor. Este
personagem foi interpretado por gente como Paulo
José, Tarcísio Meira e Antonio Fagundes, mas o seu melhor
intérprete foi, sem dúvida alguma, Roberto
Maya, que é quem estrela este longa-metragem.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Olha, Camacho, tem gente que acha que ser cinéfilo é ver
muito filme. Eu conheço pessoas que dizem ver cinco filmes por dia. Eu não
duvido, mas fico me perguntando o quanto essa pessoas conseguem assimilar de um
filme quando assistem cinco no mesmo dia? Eu gosto muito de fazer sessões
duplas quando vou ao cinema. Sair de um filme, tomar café e mergulhar em outro.
E, claro, há situações e situações. Quando você está no Festival do Rio e sabe
que ali serão exibidas algumas obras que talvez jamais estreiem no Brasil, você
acaba querendo ver tudo o que conseguir encaixar no seu dia. Em resumo, estou
dizendo isso para afirmar que ser cinéfilo não é, necessariamente, ver muitos
filmes. Ser cinéfilo é amar verdadeiramente o cinema.
6). Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
O que é entender de cinema? Esse pensamento “pessoas que
entendem de cinema” me parece um pouco excludente. É claro que, em tese, nós
críticos e todos aqueles que trabalham com cinema temos percepções que as
pessoas que encaram os filmes como uma mera diversão não têm. Isto não quer
dizer que estas pessoas não entendem de cinema, elas só entendem de um jeito
diferente do nosso. Acredito que a mesma lógica procede para quem cuida da
programação. Isto sem falar que esta programação também segue uma lógica
econômica e de mercado que não tem muito a ver com entender de cinema ou com o
gosto do programador. Se ainda estivéssemos falando de cineclubes, mas não
estamos. Assim, prefiro pensar que ainda conheço muitas salas, embora não
tantas quanto já conheci.
7). Algum dia as
salas de cinema vão acabar?
Não.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram, mas é ótimo.
Amadas e Violentadas, Tchau,
Amor e A Mulher que Inventou o Amor,
os três do artesão Jean Garrett. Os
mais velhos, os críticos da antiga, devem ter visto, mas o público mais jovem
precisa descobrir o Garrett. Um dos grandes cineastas brasileiros de todos os
tempos. Ah, vou citar mais dois filmes, está bem? O média-metragem O Gafanhoto, do John Doo, que está dentro da antologia “Pornô!”, e o longa-metragem Duas
Estranhas Mulheres, de Jair Correia.
Isto tudo para dizer que o cinema brasileiro não se resume ao Cinema Novo, à Retomada ou a Humberto Mauro. Nunca se produziu tanto
neste país quanto na época da Boca do Lixo.
9). Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Acho que os cinemas podem abrir, sim, desde que sejam
tomadas medidas bastante rigorosas de higiene do ambiente, de controle do
número de pessoas por sessão, de respeito a uma distância mínima entre os
lugares ocupados pelo público e por aí vai. Desta forma, acredito que dê para
abrir os cinemas antes de termos uma vacina.
10). Como você
enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Em termos de criatividade, de iniciativa, melhor do que
nunca nos últimos dez ou 15 anos. Os últimos três anos foram pródigos de filmes
inventivos, criativos e originais. Se faz cinema em São Paulo, em Minas, no
Ceará, em Pernambuco, no Rio de Janeiro, em Goiás, na Bahia, se faz cinema em
tudo que é lugar. E cinema de qualidade.
11). Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Eu não perco um filme dos cineastas Marco Dutra e Juliana Rojas.
12). Defina cinema
com uma frase:
“Good films make your
life better”. Amo esta frase. Se você procurar no Google, vai achar a foto
da fachada de um cinema, em Londres, com esta frase no letreiro, como se fosse
o nome de um longa-metragem.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Festival do Rio.
Sessão de Me Chame Pelo Seu Nome. Vi
pessoas saírem da sala carregadas, escoradas, umas nas outras, de tanto chorar.
Não lembro de um filme que tenha causado tanta comoção. Tenho ainda outra
história peculiar... e escatológica. Cinema
São Luiz, não lembro o filme, a sessão não estava muito cheia. Lá pelas
tantas, sinto um cheiro horrendo de xixi. Ao término, ouvi alguns funcionários
comentarem que tinha sido um senhor que costumava ir lá e, por algum problema
renal, sempre se mijava nas calças.
14). Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Comédia involuntária.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não entendo um cineasta que não seja cinéfilo. Todavia, como
em muitas profissões existem pessoas que não amam o que fazem ou até mesmo não
gostam, apesar de não entender, não acho que seja obrigatório ser cinéfilo para
dirigir um filme.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Prefiro pular essa pergunta. Risos.