Nosso convidado de hoje é um grande cinéfilo! Aquariano,
redator publicitário há mais ou menos 30 anos. Buscando ampliar horizontes, Érico Fuks começou no início dos anos
2000 a exercer paralelamente a crítica de Cinema. Sua primeira incursão foi na
revista eletrônica Contracampo.
Depois, foi colaborador da IstoÉ Gente,
Omelete e revista SET. Foi um
dos editores-fundadores do site Cinequanon.
Sua última passagem nesse segmento foi como colaborador da revista Rolling Stone, onde escreveu para seu
guia sobre Cinema e Música. Foi membro da APCA por 3 anos consecutivos.
Participou de uma coletânea e de um ciclo de debates sobre uma retrospectiva de
Woody Allen, promovida pelo Centro
Cultural Banco do Brasil - SP. Além disso, gosta de stand up comedy e já fez,
como amador, algumas apresentações em casas de shows de São Paulo.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Costumo frequentar os cinemas que prezam pela diversidade.
Com uma programação mais extensa, que abrange desde os blockbusters e filmes de
tom mais comercial, como também valorizam o cinema brasileiro de pequeno
alcance, filmes mais autorais, lançamentos de distribuidoras pequenas ou
independentes. Aqui em São Paulo temos o privilégio de ter um circuito exibidor
com distribuidoras próprias, como é o caso do Belas Artes (Pandora),
Reserva Cultural (Imovision) e PlayArte. Nesse aspecto, do cinema
heterogêneo, coloco em pé de igualdade os citados Belas Artes e Reserva, como
também os Itaús e, pelas mostras,
retrospectivas e "últimas chances", o Cinesesc e o Circuito SPCine.
Por uma questão mais afetiva, prefiro o Belas Artes, que além de tudo tem uma
equipe jovem que estuda cinema, se envolve com cinema e procura conhecer um
pouco melhor o produto que vende, diferente de alguns complexos cinematográficos
mais comerciais.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Sinceramente, não sei (risos). Lembro que um dos primeiros,
talvez o primeiro filme que vi, foi Dumbo.
Morri de medo: aquele ambiente grande, escuro, uma imagem em movimento sobre um
enorme pedaço de pano... Lembro que depois, ainda criança, todo domingo eu ia
com minha mãe ao cinema do clube do qual era sócio (Hebraica), e lá eu via que
tinha algo diferente na sala. Naquela época eu treinava minha leitura
acompanhando as legendas. Lembro também, ainda criança, que meus pais me
levaram pra ver um filme que eu não entendi nada. Só anos depois eu descobri
que era uma dos primeiros trabalhos do Kusturica,
e que o filme fazia parte da programação da Mostra de Cinema. Ou seja, eu
frequentava a Mostra antes mesmo de saber que aquilo era a Mostra (risos).
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Eu não curto muito esse lance de criar ranking, elencar
melhores e piores. Cinema pra mim é um mutante, em constante transformação.
Como eu não acredito muito nesses critérios absolutos de categorizar meus
gostos, acabo nem me preocupando muito em criar listas. O que é melhor hoje
pode não ser melhor amanhã. Nossa memória afetiva é meio traiçoeira. Existem
ALGUNS diretores que tenho em alta conta. Só pra não te deixar no vácuo e
responder: Fanny e Alexandre, do Bergman. Mas aí o leitor pode achar que
eu tô assassinando o Kubrick, o Kurosawa, o Fellini... (risos).
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Vai na mesma linha da pergunta anterior. Tá bom, vai. Vou
deixar aqui o Limite, de Mário Peixoto, que só consegui ver uma
vez.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Taí uma palavra que eu TAMBÉM não gosto: "amigo"
do cinema. O cinema não estabelece somente uma relação de amizade, amor. Uma
pessoa que vai muito ao cinema e vê muitos filmes se considera cinéfilo, mas
acho que não é só isso. Cinema pra mim é amor e ódio, é algo mais dialético e
visceral ao mesmo tempo. Não importa QUANTOS filmes você veja, mas sim a
relação que você estabelece com a arte. Distanciamento? Identificação? Fuga?
Uma vez participei de um grupo de discussão e numa das postagens se falou sobre
o termo mais apropriado: cinelatria, talvez. Não se chegou a um consenso. Acho
que o termo cinéfilo poderia ser trocado por cinedito: o cinema mais vicia do
que cria uma relação de amor e amizade.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Tenho a sorte e persistência de conviver com um ambiente do
cinema que faz uma programação mais razoável, dando espaço para obras mais
"alternativas" e tentando conciliar com filmes mais palatáveis, que
garantem a sobrevivência da sala. Mas, de um modo geral, a gente sabe que o
lançamento de um filme é pensado pela maioria dos exibidores como adereço da
pipoca. Os filmes são lançados com base em sinopses. Mas é difícil dizer se
essas escolhas são conscientes, ou feitas por falta de entendimento técnico.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Se depender de mim, nunca (risos). Esse assunto do cinema
ameaçado já é meio antigo. Temia-se o fim do cinema com a chegada do
videocassete. Ele sobreviveu e o que morreu foi o VHS e as locadoras. Temia-se
o fim do cinema com a TV a cabo, e ele resistiu. Temia-se o fim do cinema com a
chegada do streaming, e ele tá aí, sobrevivendo. Claro, existe uma
transformação, que me parece ser muito mais urbana do que da própria arte. O
cinema de rua praticamente fechou, mas várias salas de shopping são
inauguradas. O que anda com os dias contados são essas tecnologias que procuram
substituir o cinema, como foi o VHS e agora talvez aconteça com a TV a cabo, se
eles não repensarem suas estratégias e continuarem cobrando valores absurdos.
Mas acho que rola uma questão mágica, sabe? O cinema tá aí. Com a pandemia,
voltaram os drive-ins, que estão lotando. Quer coisa mais retrô que isso?
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Também sou meio contra esse lance de indicar, orientar,
influenciar pessoas. Parece meio coisa de corretor da Bolsa, "esse filme
tá bem cotado, esse teve queda"... (risos). Cinema é arte, e arte é risco.
Faz parte da experiência cinematográfica ver filmes péssimos. E esse negócio de
"muitos não viram" é meio relativo. Afinal, quem vai me ler? Esse
leitor talvez tenha visto os filmes que a maioria não viu, eu não sei. Mas tá
bom, vai, vou te dar essa canja (risos). Lembro de um filme que creio ter
passado despercebido no circuito comercial. É de 1990, com direção e roteiro de
Tom Stoppard (acabei de ver no
Google, rs). Chama-se Rosencrantz &
Guildenstern Estão Mortos. Esses personagens são secundários na peça
Hamlet, mas aqui ganham o protagonismo com diálogos e situações absurdas. Tem Gary Oldman e Tim Roth nos papéis principais.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Acho que isso é algo inevitável. O comércio já está
reabrindo aos poucos. E a gente não sabe se a vacinação em larga escala vai
ocorrer em janeiro ou no meio do ano que vem. Eu não sou autoridade técnica pra
determinar o que "deve" ser feito ou deixado de fazer. Confio nos
comitês de contingência e nos profissionais da ciência e da saúde. O cinema é o
último, junto com teatro e grandes shows, a ter sua reabertura permitida na
escala dos planos de flexibilização das cidades. Uma medida bastante razoável.
Se todos os protocolos de higiene e segurança forem adotados (e eu acredito que
na maioria dos cinemas isso vai acontecer), acho que ir ao cinema será algo
possível dentro de alguns meses. Mas isso vai depender também de outros fatores
que nada têm a ver com cinema: horários de shopping, queda nos índices de
infectados, etc.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
O cinema brasileiro vai muito bem, obrigado. O que fode é
essa política do atual Governo Federal, de acabar aos poucos com a arte e a
cultura. Mas tivemos aí representantes em Cannes, um documentário que concorreu
a Oscar, uma grande quantidade de filmes inscritos em Berlim, enfim... O cinema
brasileiro vive um grande momento de explosão autoral, em que a qualidade
artística, o rigor estético estão ganhando visibilidade. Parece que a arte vive
da crise, não é mesmo? Ou usa sua técnica justamente pra falar dela. E
questionar os valores sociais. Quanto mais retrógrados os tempos em que
vivemos, mais combustível para a contestação. A gente tem nomes que vêm à
cabeça primeiro, como Kléber Mendonça,
Karim Aïnouz, mas tem também a
galera mineira do Filmes de Plástico, da Grace
Passô, tem uma moçada se dedicando aos filmes de terror... ainda bem que a
gente não depende só de Paulo Gustavo
(risos).
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Eu assisto a quase tudo o que estreia comercialmente. Portanto,
não perco o trabalho dos atores bons, nem dos atores ruins (risos). Mas vou
citar dois atuais que admiro bastante:
Júlio Andrade e Irandhir Santos.
12) Defina cinema com
uma frase:
Cinema é o constante estado de desconstrução.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Vixe, tem várias (risos). Lembro vagamente do primeiro Star Wars, aquele de 1977, no extinto Cine Gemini, em que um espectador teve
um ataque epilético durante a projeção. Meu pai, que era médico, foi prestar os
primeiros socorros pra pessoa.
Teve também um amigo meu que, depois de assistirmos a Quinteto Irreverente no também extinto Cine Arouche (acho que hoje é um cinema
pornô, não sei ao certo), quis aprontar. Acho que ele se inspirou no filme.
Trocou as placas "masculino" e "feminino" dos banheiros, só
pra presenciar a confusão. Não deu muito certo. TODAS as pessoas entraram em
seus respectivos banheiros errados, ou seja, não rolou aquele constrangimento
ao entrar ou sair (risos).
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Você acredita que eu NUNCA vi esse filme?
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não necessariamente. Claro que o repertório, as referências,
ajudam bastante. Assim como é bastante recomendável que um escritor leia
bastante. Mas um bom cineasta pode ter uma equipe muito foda, pode ter
experiência em outros segmentos paralelos (Publicidade, por exemplo), pode
adquirir conhecimentos de forma mais intuitiva... é possível, mas o ideal seria
que ele também gostasse de ver o que os outros colegas de profissão estão
fazendo ou já fizeram.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Cara, eu tenho 52 anos, vejo quase 500 filmes por ano... não
sei te responder, minha memória já não anda tão boa pra coisas tão ruins
(risos).