O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso convidado de hoje é roteirista de filmes como Os Espetaculares (2020), Ricos de Amor (2020), Eu Fico Loko (2017), S.O.S. Mulheres Ao Mar 2 (2015), S.O.S. Mulheres Ao Mar (2014), Confissões de Adolescente (2013), Sem Controle (2007), entre outros. O
querido cinéfilo Sylvio Gonçalves escreveu
seis episódios da série da Rede Globo As
Brasileiras (2011/12). É autor de livros como os romances infanto juvenis Liberdade Virtual (Saraiva, 1999), Saci à Solta (Saraiva, 2008) e Três Vinganças (Atual, 2011). Foi
crítico de cinema da Revista Cinemin
(Editora Ebal) e da Rádio MEC. É
graduado em Jornalismo Audiovisual pela Faculdade da Cidade e em Cinema pela
UNESA.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Há duas salas que sempre me emocionam quando as visito: Cinemateca do MAM e Estação Net Rio, o qual frequento desde
que os anos 80 quando se chamava Cooper
Botafogo e acabara de reabrir como cinema de repertório. Boa parte da minha
formação como cinéfilo aconteceu nessas duas salas, desde a minha adolescência.
Felizmente (miraculosamente até) permanecem em atividade e contando ambas com
excelentes curadorias.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
OK, essa vai ser a primeira das minhas respostas duplas. O
primeiro filme que lembro de ter assistido quando criança é Se Minha Cama Voasse / Bedknobs and Broomsticks, produção Disney dirigida por Robert Stevenson. É um filme que tem
tudo que pode fascinar uma criança: combinação de live-action com animação,
efeitos especiais, uma feiticeira, e até uma invasão alemã à Inglaterra na
Segunda Guerra Mundial. Mas Contatos
Imediatos do Terceiro Grau foi o primeiro filme que me fez pensar “tem uma
ou mais pessoas por trás disso, inventando a história e decidindo o que eu vou
ver e de que forma”.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Meu filme favorito em todos os tempos é 2001: Uma Odisseia no Espaço. Meus diretores favoritos, além de Stanley Kubrick, são Alfred Hitchcock (filme favorito: Psicose) e Jacques Demy (filme favorito: Duas
Garotas Românticas). Ei, com mais de um século de cinema, chegar a um
empate triplo é até uma façanha.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
O Pagador de Promessas.
O filme de Anselmo Duarte a partir
de roteiro de Dias Gomes foi talvez
o primeiro filme brasileiro adulto e clássico que assisti – meu professor do
ensino médio conseguiu uma cópia em 16 milímetros. O filme fala ao meu coração
em muitos aspectos: mostra um Brasil culturalmente múltiplo, é contado sob o
ponto de vista dos desfavorecidos, aponta os malefícios do autoritarismo, é
trágico, e ainda consegue ter muitos momentos de humor.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Pergunta difícil. É um conceito muito subjetivo. Pra mim,
não é apenas gostar de filmes e assisti-los compulsivamente. É também essas
coisas. Mas principalmente é ser um eterno estudante autodidata. É querer ver
um filme e entendê-lo não apenas pela sua forma aparente, mas pelo sentido,
pelo contexto histórico e por sua posição cronológica na obra dos cineastas. É
não ter preconceitos contra gêneros, nacionalidades, diretores ou atores. É
assistir a tudo que é mais importante de novo e descobrir constantemente
clássicos. É reassistir a filmes, porque uma obra é um emissor em harmonia com
o receptor. De acordo com o seu estado de espírito e as condições sob as quais
você assiste à obra, ela será uma experiência diferente.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Mais importante do que conhecer cinema, uma sala precisa
conhecer o seu público. Sem essa noção, não garantirá sua sobrevivência. O tipo
de público muda de acordo com o bairro, cidade, país. Porém, quanto maior a
qualidade dos filmes exibidos, mais sofisticado esse público irá se tornar, até
um ponto em que ele será um público diferente. Acho que o que quero dizer é que
uma sala de cinema tem duas obrigações 1) manter-se aberta 2) educar plateias.
É por isso que considero tão importantes as sessões especiais de clássicos que
algumas redes de cinema promovem ocasionalmente.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
A pandemia é a prova definitiva que não. Quando assisto a um
filme em casa ou no Drive-In, sinto uma falta imensa da percepção compartilhada
com uma plateia. As outras pessoas estão rindo? Estão nas beiradas de suas
cadeiras? Se emocionaram? Assistir a um filme numa sala de cinema é paradoxal:
ao mesmo tempo em que é mais envolvente do que o entretenimento doméstico, nos
mantém continuamente cônscio de que há outras pessoas assistindo com você.
Tenho a impressão de que todos estão descobrindo que sentem muita falta dessa
experiência coletiva.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Nothing, de Vicenzo Natali, diretor de filmes como Cubo e Splice a Nova Espécie.
Pra mim, Natali é criminosamente subestimado. E até seus raros fãs ignoram
Nothing. O filme é uma comédia surreal que aborda o medo que todos nós nutrimos
de que um dia tudo aquilo que conhecemos e amamos simplesmente desapareça. É um
filme sobre finitude e desapego. Coerentemente, possui uma produção
extraordinariamente econômica.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Eu acho que o primeiro passo arriscado foi abrir os
shoppings e todos os outros espaços internos. Assistir a um filme numa sala
fechada será uma decisão responsável se houver obrigatoriedade de uso de
barreira física dupla (máscara e shield), distanciamento entre poltronas e –
principalmente – que o ar condicionado esteja desligado, pois o fluxo nos dutos
facilita a contaminação. Falando por mim, não me imagino assistindo a um filme
por detrás de uma barreira de plástico, com metade do rosto coberta por pano e
passando calor.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
No momento o que mais preocupa é a manutenção do cinema
brasileiro. A qualidade técnica e a variedade artística foram alcançadas na
última década, e o que fazemos aqui está em par com países como Itália, França,
Espanha. A questão, repito, é se o cinema brasileiro continuará a existir em
número significativo de produções e diversidade de gêneros e públicos-alvo.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Não perdia um Domingos
de Oliveira, perda imensa. No momento estou bem atento para as próximas
realizações de Kleber Mendonça Filho.
12) Defina cinema com
uma frase:
A união de todas as artes.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Odeon, Rio de
Janeiro, filme Corpo Em Evidência,
com Madonna. Sessão lotada às três
da tarde de uma segunda-feira de 1993. Numa cena de sexo, a plateia masculina
que estava no mezanino acima da minha cabeça simplesmente URROU em coro
coletivo. Nem em filmes de terror eu levei um susto tão grande.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Um filme sincero.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Pra ser um bom cineasta é preciso estudar cinema,
constantemente. Pra mim, essa é uma das definições de cinefilia.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Só posso dizer que não foi Cinderela Baiana.
17) Qual seu
documentário preferido?
Arquitetura da
Destruição. Uma tese de antropologia em forma de cinema.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim, e no ano passado, na maioria das vezes em que fui ao
cinema. Explico: passei o segundo semestre de 2019 em Milwaukee, Wisconsin,
EUA, e as pessoas do Midwest são extrovertidas e calorosas. Participei de
aplausos retumbantes para filmes como Parasita,
O Farol, Coringa e até clássicos que assisti em festivais e sessões da
meia-noite, como Intriga Internacional,
de Hitchcock, e Prelúdio Para Matar, de Argento.