03/09/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #79 - José Eduardo Belmonte


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

Nosso convidado de hoje é paulista e tem cinco décadas de amor ao cinema. Cinéfilo, formado em cinema na Universidade de Brasília, José Eduardo Belmonte é diretor e roteirista. Fez seu primeiro curta-metragem, Três (1995), sob orientação de Nelson Pereira dos Santos. Subterrâneos, em 2003 foi seu primeiro longa-metragem e depois uma série de importantes trabalhos no audiovisual nacional: A Concepção (2005), Se Nada mais der Certo (2008), Meu Mundo em Perigo (2010); Billi Pig (2012); O Gorila (2012); Alemão (2014); Entre Idas e Vindas (2016); Carcereiros - O filme (2019). Atualmente, Belmonte está na parte de montagem de outros quatro projetos: Auto da Mentira, Alemão 2, As Verdades e O Pastor e o Guerrilheiro.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Me mudei pro RJ faz pouco tempo- até pela proximidade eu vou muito no Net da Gávea.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

São dois. Solaris do Tarkovski e Gaviões e Passarinhos do Pasolini - os dois vi aos 15 anos anos numa mostra sobre cinema fantástico - o primeiro me causou estranhamento, mas intrigou muito. O segundo me causou profunda identificação com a liberdade criativa.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Também não existe um. Tenho uma lista de cinco preferidos que vai mudando com o tempo. Mas hoje seriam Godard (Prénon Carmem), Scorsese (Touro indomável) Johhnie To (Exilados), Alain Resnais (Meu Tio da América) e Fritz Lang (Scarlet Street) - se você me perguntar ano que vem provavelmente algo vai mudar.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Difícil um só também, rs. Mais numa lista tríplice: Terra em Transe (Glauber Rocha), Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade) e São Bernardo (Leon Hirszman).

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É ter amor pelo cinema-  é gostar, se dedicar, ter curiosidade pelas diferenças, pelos detalhes, estar aberto a mudanças, perseverar.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

O cinema talvez seja a arte que, por causa do seu modo de produção, mais sofra a dicotomia entre negócios e arte- daí penso que pode até ter pessoas que conhecem cinema na programação, mas acho - ênfase no acho - que quando um filme faz boa bilheteria o exibidor dá preferência a esse, independente se esse filme for uma experiência cinematográfica menos interessante que outros filmes.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Penso que não, pois o hábito de ir para um lugar escuro e ver/ ouvir histórias com um grupo Existe desde do tempo das cavernas. Mas sim, talvez a configuração que exista hoje mude e talvez a sala de cinema acabe pra alguns tipos de filmes. Como tudo na vida haverá perdas e ganhos - a proporção de cada parte disso só o tempo dirá.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Não consigo um também. Confiança do Hal Hartley; Sudoeste do Eduardo Nunes; Tell me Lies do Peter Brook;  Nelson Mandela: The Myth and Me de Khalo Matabane; se começar a fazer uma lista aqui não acabo rs. Acho que isso valia uma mostra.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Minha opinião é que não. Mas a questão é que é uma doença nova que ainda não sabemos muito sobre ela. E se a vacina demorar- e se ela não ter imunidade por um longo tempo- e se os cinemas quebrarem- existe alguma forma de abrir algum protocolo de segurança- existe algum plano econômico factível pra socorrer as salas de cinema? Acho importante que se junte a sociedade pra discutir sobre essas questões e consigamos consenso com discernimento. Sei que não sou um especialista, mas hoje não consigo entender porque algumas coisas abrem e outras não.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Hoje existe um volume de produção muito grande e enfim uma possibilidade de indústria se formando - ainda que nesse momento esteja estagnada- e pra quem começou em Brasília nos anos collor- em que a produção era um longa por ano e em Brasília era um curta a cada dois anos- ver isso é bom. Ver muita gente produzindo e outros polos de produção pelo país. Mas acho que a gente precisa ainda buscar mais a diversidade- de estilos, de modos de produção, de gente fazendo- e procurar entender mais o país pelos nossos filmes.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Tem um curta metragista que admiro muito que está agora chegando ao primeiro longa: Cássio Pereira dos Santos- que é formado em cinema em Pequim. E também acompanho com interesse toda a produção da Filmes de Plástico e do Gabriel Mascaro.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Duas rs.

“O cinema não tem fronteiras nem limites.

É um fluxo constante de sonho.” - Orson Welles.

“Cinema é a importância do que está dentro do quadro e o que está fora.” — Martin Scorsese.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Na faculdade fui com um colega ver o Ano Passado em Marienbad do Alain Resnais- e meu colega estava no churrasco e tinha bebido muito e naquelas horas do filme que as cenas ficam se repetindo em looping ele falou pra mim: "cara, to muito bêbado, to vendo a mesma cena várias vezes..."

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Nunca vi- mas são as tentativas de cinema comercial brasileiro- é uma longa trajetória de tentativa e erro.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não precisa- não existe uma regra. Mas claro, o conhecimento só agrega e aumenta seu repertório.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Tenho habilidade que gosto em mim que é de esquecer um filme ruim- ou não ir até o final de um.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Na Captura dos Friedman. Nunca consigo um - então tem Cabra Marcado pra Morrer.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Só em festival de cinema. Mas já senti vontade quando vi Estrada Perdida do David Lynch e Asas do Desejo do Wenders.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Tem dois: Leaving Las Vegas e A Outra Face