31/10/2020

Crítica do filme: 'Shirley'


Originalidade não é algo que simplesmente se manifesta. Exibido nos prestigiados Festivais de Berlim, Sundance e Mostra de SP desse 2020 atípico, Shirley, entre outras questões, aborda o relacionamento matrimonial em duas óticas. Mesmo dentro de um compasso de uma história dentro de uma outra, o roteiro prioriza o ritmo, sem perder completamente o sentido em seus complexos arcos, pois, no final das contas, acaba sendo muito interpretativo. Dirigido pela cineasta norte-americana Josephine Decker e baseado no livro homônimo da escritora Susan Scarf Merrell, o longa-metragem conta com um elenco brilhante, destaque para mais uma atuação impressionante de Elisabeth Moss, uma das mais completas artistas da atualidade.


Na trama, conhecemos a Indelicada, inconveniente, provocativa, excêntrica, adivinhadora de futuros, que sofre com conflitos internos, tem uma visão complicada do mundo, vive tragédias diárias em seu casamento, a escritora Shirley Jackson (Elisabeth Moss) que passa sua vida reclusa em uma casa confortável, tendo a companhia do seu marido Stanley (Michael Stuhlbarg), um prestigiado professor de universidade. Com a chegada do jovem casal Rosa (Odessa Young) e Fred (Logan Lerman) para morarem durante um tempo na casa de Shirley e Stanley, a nova dinâmica mexerá bastante com a rotina depressiva da primeira que entre outros feitos, embarca em uma análise angustiante sobre si mesma e tudo que cria nos seus elogiados textos influenciando a imatura e sem experiência de vida Rosa.


Não é um filme fácil, um quebra-cabeça com peças difíceis de encontrar. A relação de marido e mulher é tensa, com limites ultrapassados, enquanto somos testemunhas de uma desconstrução, ao mesmo tempo vemos uma nova construção de caminhos. As imposições se tornam bastante questionáveis, principalmente, quando começamos a perceber um machismo nada sutil em várias linhas dos arcos com foco no ótimo personagem Stanley (brilhantemente interpretado por Stuhlbarg, um grande ator bastante subestimado).


Nos arcos finais, há uma loucura de acontecimentos intercalados, onde, às vezes, demoramos a encontrar algum sentido. Mas, aliás, as entrelinhas nunca foram tão ricas em paralelos e analogias nesse trabalho que acaba sendo um grande faz de conta do mundo real.