Seguindo em nossa jornada sobre esse tema complicado e bastante abordando de diversas maneiras por inúmeras produções pelo mundo todo ano, dessa vez reunimos filmes da Romênia, Israel, França, EUA, Argentina, um clássico sobre o tema com Christopher Walken e Sean Penn no elenco, até curta-metragem separamos para essa parte 3 de nosso especial.
O Caderno de
Tomy (Argentina)
Ame, leia, veja, escute...e pense em mim de vez em quando. Baseado
em uma história real, o longa-metragem argentino O Caderno de Tomy é uma história, antes de mais nada, sobre um
último desejo de mãe para filho. Abordando temas delicados como a linha tênue
entre procedimentos legais e a eutanásia, a difícil tarefa de dizer adeus, o
projeto gera muitas emoções pois em nossas vidas já conhecemos ou conhecemos alguém
que já conheceu quem teve câncer. Disponível na Netflix, o filme pode também ser definido como uma grande mistura
de sentimentos. Escrito e dirigido pelo cineasta Carlos Sorin.
Na trama, conhecemos uma mulher de 40 e poucos anos (interpretada
pela ótima atriz argentina Valeria
Bertuccelli) que é diagnosticada com um câncer terminal. Seu marido (Esteban Lamothe), sempre ao seu lado,
faz de tudo para que ela fique bem nos seus últimos dias em um quarto de
hospital. Certo dia, fugindo de um quadro depressivo por conta de sua situação,
resolve escrever um diário endereçado a seu filho pequeno, a cada página que
escreve ela conta sobre sua experiência de estar ali mas também todos seus
desejos par ao futuro dele. Além do diário, resolve ir twitando sobre sua
rotina e acaba ficando famosa involuntariamente saindo em jornais e aparecendo
na televisão.
Quando ser corajoso e forte é nossa única opção. Não é um filme
fácil, há muita dor pelo caminho dos 84 minutos de projeção. Os diálogos da
protagonista com o médico chefe são sinceros, fortes e com uma maturidade
gigante. Sedação paliativa ou eutanásia, os contornos dessa linha tênue chegam
já no arco final dando bastante profundidade para o polêmico tema.
Por mais que não seja o foco principal, está dentro de outros
subtópicos o sentido do relacionamento de pais e filhos. Além disso é algo
profundo, dolorido e notório que não é fácil para ela nem para todos ao seu
redor. As cenas dos arcos finais deixam nossos corações apertados. O Caderno de Tomy gera muita reflexão
sobre o sentido de nossas vidas e o que fazemos com ela.
Se Algo
Acontecer...Te Amo (EUA)
Só o amor vence batalhas que durante muito tempo não pensamos em
como superar. Como contar os reflexos de uma tragédia através da técnica de
animação em menos de 15 minutos? O vazio existencial, a solidão. Uma tristeza
que abala o casamento, portas abertas de uma lembrança que machuca mas que
mostra uma esperança. Se Algo
Acontecer...Te Amo, curta-metragem disponível na Netflix (que legal ter curtas em algum streaming!), busca
transformar pequenos minutos em grandiosos momentos contando o recorte de uma
família, suas desilusões e algum caminho para a esperança. Escrito e dirigido
pela dupla Michael Govier e Will McCormack o projeto transforma a
dor em forma de traços e tinta.
Utilizando as técnicas de animação, o drama Se Algo Acontecer...Te Amo mostra uma família que tem sua rotina
completamente afetada com lembranças após uma tragédia acontecer com a filha
dentro de um colégio norte-americano. Em 12 minutos somos testemunhas de um
avassalador recorte de uma família abatida pelo luto.
A sombra, o espírito. A interpretação para tudo o que vemos vem de
cada um de nós. Fica forte a tendência de que os sentimentos podem ser
identificados como as sombras que vão e vém nesse pequeno grande filme. A
paleta de cores se mostra presenta e sem entrelinhas indica o colorido quando
geravam lembranças da filha. Govier e McCormack tem um grande méritos de
conseguir envolver o espectador do primeiro ao último minuto. Um projeto
corajoso e muito emocionante.
Uncle Frank (EUA)
Você vai fazer as coisas como
querem que você faça ou da maneira como você quer fazer? Escrito e dirigido
por Alan Ball (produtor de seriados de sucesso
como A Sete Palmos e True Blood), em seu
segundo longa-metragem como diretor, Uncle Frank é
sensível recorte passado no início da década de 70 onde um professor
universitário não assumidamente gay precisa enfrentar seus grandes fantasmas do
passado quando seu pai falece. Delicado e com reflexivos diálogos, o filme
percorre todas as dores de um personagem (e os ótimos coadjuvantes)
inteligentes e cativantes. Os atores Peter Macdissi e Paul Bettany conseguem extrair de seus personagens
todo amor e carinho de uma relação secreta que passa uma grande verdade para o
lado de cá da tela. Um emocionante filme, disponível na Amazon Prime.
Na trama,
conhecemos a jovem Beth (Sophia Lillis) que
mora no interior dos Estados Unidos e não possui muitos sonhos na vida. Sua
grande referência acaba sendo o seu tio Frank (Paul Bettany) um
homem inteligente, educado, professor da Universidade de Nova Iorque, distante
do resto da família, por motivos que a princípio não sabemos, que a faz
entender alguns conceitos básicos para que tenha independência e consiga ser
quem ela realmente quiser ser. Os anos se passam e Beth passa para a mesa
Universidade que o tio dá aulas e acaba, durante uma festa meio que secreta,
descobrindo que ele é gay e vive casado com Wally (Peter Macdissi), um
engenheiro aeronáutico, a mais de 10 anos. Dias depois, Frank recebe a notícia
que seu pai, avô de Beth, faleceu, e os dois precisam embarcar para a cidade
natal deles para o funeral.
Há uma
impressionante linda passagem entre os arcos, harmônicos e com recheio de
emoções perdidas ou encubadas principalmente do amargurado protagonista que
acaba se descontruindo e se construindo novamente aos nossos olhos. Não chega a
ser um road movie mas é um caminho de descobertas, ou, encerramentos de
capítulos não terminados de um passado que vivia gritando dentro de Frank. A
delicadeza percorre todos os menos de 100 minutos de projeção, mesmo nas partes
mais dolorosas como os preconceitos sofridos há uma quebra de hipocrisia com
sarcasmos e muitos risos, alguns desses provocados pelo ótimo personagem Wally
(o quase desconhecido por aqui, o ator libanês Peter
Macdissi em grande atuação).
Fica mais
rico ainda o filme se analisarmos pela ótica de Beth, a referência em quase
tudo que conhece sobre livros e vivência vem desse tio tão especial para ela,
como se fosse uma filha para ele. Uncle Frank não
deixa de tocar o ponto principal a todo instante, relacionamentos pais e
filhos, na linha do protagonista e na de muitos dos personagens coadjuvantes,
seus conflitos e suas escolhas. Um belo trabalho de Bell e cia.
Caminhos
Violentos (EUA)
Violência gera violência.
Explorando uma relação explosiva entre pai e filho, o cineasta nova
iorquino James Foley nos apresenta um longa-metragem
repleto de questões que envolvem principalmente questões familiares e a falta
de uma maturidade em um início de uma fase adulta conturbada, sem muitas referências.
Somos testemunhas de caminhos inconsequentes, violentos em uma primavera de
1978 no interior da Pensilvânia. Vale o destaque também para a trilha sonora,
com direito a canção Live to Tell da Madonna. Destaques para as atuações de Christopher Walken e Sean Penn.
Na trama,
conhecemos Brad Jr. (Sean Penn), um jovem que trabalha
com um bico pouco rentável e vive com a mãe, a avó e o irmão em uma simples
casa na Pensilvânia. Brad Jr. se apaixona por Terry (Mary
Stuart Masterson) com quem deseja fugir da cidade e ter uma nova
vida. Mas, ao mesmo tempo, Brad tem em sua vida novamente o seu pai, o bandido
Brad Sr. (Christopher Walken) com que começa a ter uma
reaproximação que culminará em um desfecho tenso, frio e sangrento.
Baseado em
fatos reais, At Close Range, no original, possui
um roteiro bem desenvolvido, assinado por Nicholas Kazan. As
verdades da vida são colocadas todas expostas, nem toda trama tem um final
feliz, como muitas trajetórias inconsequentes e/ou perdidas do lado de cá da
telona. O foco é total na relação complicada entre pai e filho, uma verdadeira
luta entre a imaturidade e o pensar sem escrúpulos. Toda a trajetória é
violenta, desde o abandono da ex-esposa e dos filhos até a maneira como lida
com isso e os inconsequentes atos que se seguem. Um filme marcante, com cenas
fortes que apresentam ao público uma história chocante, indicado ao Urso de
Ouro no Festival de Berlim.
Charter (Suécia)
Se tivesse que escolher, você
ficaria com sua mãe ou seu pai? Indicado da Suécia ao próximo Oscar na
categoria Melhor Filme Estrangeiro, Charter, escrito e
dirigido pela cineasta sueca de 34 anos Amanda Kernell,
possui um arrepiante abre alas, um diálogo no escuro que diz muito sobre
sentimentos dúvidas/incertezas que veremos ao longo dos intensos 94 minutos de
projeção. No início tudo é muito misterioso, aos poucos vamos descobrindo as
verdades e alguns porquês (nem todos) sobre como todos os personagens foram
parar ali naquela situação complexa que envolve guarda das crianças, a polícia,
assistentes sociais, e uma mãe em fuga com os próprios filhos. Um drama
profundo, muito bem dirigido. A atuação de Ane Dahl Torp é
uma das melhores dos últimos anos quando pensamos em filmes europeus.
Na trama,
conhecemos Alice (Ane Dahl Torp) uma mulher que
precisou se distanciar dos dois filhos, Elina (Tintin Poggats Sarri)
e Vincent (Troy Lundkvist) por alguns meses esperando sair a
decisão sobre a custódia das crianças. Mas certo dia, Vicent liga para mãe no
meio da noite e isso faz com que ela volte correndo para o lugar onde seus
filhos vivem e acaba sequestrando as crianças com destino às ilhas canárias.
Mas o pai das crianças, o indecifrável Mattis (Sverrir Gudnason)
não deixará barato e aciona a polícia em busca do paradeiro deles.
O roteiro
bate na tecla ‘Peso na consciência’ constantemente. Há uma mágoa imensa dos
filhos para com a mãe deles. Por conta de escolhas do passado, isso fica
evidente com mais clareza quando analisamos as atitudes pela ótica da filha
Elina. Mas as demonstrações de arrependimento os une, quando o espírito materno
grita, atitudes desesperadas e impulsivas se jogam na tela gerando uma fuga
para redescobertas e um entrelinhado pedido de desculpas embutido em cada
atitude simpática vindo dessa mãe que se distanciou mas voltou. Charter é uma poderosa Fita nórdica que fala sobre
assuntos importantes que acontecem diariamente no mundo, principalmente quando
envolve filhos, pais e separação.
On the Rocks
(EUA)
As verdades precisam ser contadas ou descobertas? Analisando um peculiar
raio-x da desconfiança na cabeça de uma esposa que se sente afastada do marido,
a cineasta Sofia Coppola (que escreve e
dirige esse projeto) nos leva em bom ritmo a uma trama repleta de ótimos
diálogos mesmo com um clima amargurado que percorre toda a trama. Entre um
drink e outro pai e filha nos divertem com diálogos sobre casamentos, o mundo,
traições, escolhas, atos machistas. Bill Murray e Rashida Jones nos brindam com ótimas atuações. As
passagens dos arcos são lindas, metáforas de interseção entre a cidade e os
problemas cotidianos entre quatro paredes.
Na trama, conhecemos Laura (Rashida Jones) uma escritora que está em uma péssima
fase no seu trabalho e ainda começa a desconfiar da constante falta de tempo do
seu marido Dean (Marlon Wayans). Nisso, surge seu
pai Felix (Bill Murray) na história, um negociante de artes bem
sucedido, sedutor, bom vivant, que acha ser o maior conhecedor sobre
relacionamentos da face da terra. E assim, no vai e vém pelas principais ruas
de uma nova Iorque que nunca dorme pai e filha tentarão descobrir se há
segredos de Dean.
Uma pulga atrás da orelha é uma expressão que se
encaixa na vida da protagonista. Em busca da própria aventura, Laura tenta a
todo instante analisar cada variável da vida que leva e acaba entrando em
constante pane emocional quando vestígios de mentiras aparecem em sua frente.
Nessa hora que surge a figura do pai, de cara vemos uma relação pai e filha
muito amistosa, resumindo é objetivo e deveras protetor por parte do mais
velho. Caricato, porém, exalando carisma, o seu excêntrico Felix vira algo
marcante na história, méritos do sempre hilário Bill
Murray. Os ótimos diálogos não avançam muito em profundidade e a
situação matrimonial ganha contornos de background em alguns momentos.
Mesmo não sendo perfeito, On the Rocks nos apresenta um drama disfarçado de comédia
elegante com pitadas sobre um recorte do que acontece entre quatro paredes.
Mãe e Muito
Mais (EUA)
Há sempre espaços nas histórias da
vida para um final melhor. Camuflado de comédia bobinha Mãe e muito mais, é muito mais que uma historinha
água com açúcar. Consegue traçar paralelos reflexivos sobre idade, dúvidas,
incertezas dentro de um contexto de amizade que passa de mães para filhos.
Escrito e dirigido pela cineasta Cindy Chupack (produtora
do famoso seriado Sex and the City) o filme aposta em
três recortes de relacionamento mãe x filho diferentes, com três artistas
fantásticas que transpiram carisma. Ao longo de simpáticos 100 minutos, o
longa-metragem, que está disponível no catálogo da Netflix, caminha, nem tão raso, nem tão profundo, por
assuntos tabus dentro desses relacionamentos.
Na trama,
conhecemos as inseparáveis amigas Carol (Angela Bassett),
Gillian (Patricia Arquette) e Helen (Felicity
Huffman) que viveram a vida toda no interior de uma grande cidade e
todas elas presenciaram a formação de cada um dos respectivos filhos delas.
Quando em uma conversa argumentam sobre os porquês dos filhos não ligarem no
dia das mães, impulsivamente resolvem ir atrás deles, que são amigos, e moram,
cada um em sua casa, em Nova Iorque. A partir daí, casa uma delas tentará
entender situações, melhorar relacionamentos e aparar problemas do passado
pensando sempre em ter um futuro melhor no relacionamento mães e filhos.
Aquela
sensação angustiante de ver o filho crescer e se importar pouco com a mãe. Esse
raciocínio é a alma das personagens, seus objetivos passam por essa questão e o
que o roteiro faz para descascar esse tema é muito produtividade, pois,
habilmente, consegue abre abas, como subtemas, para questões existenciais
resolvidas dupla, mãe e filho. Andando pelas ruas de Nova Iorque, muito
parecido com a sensação de vários outros filmes (clichê mas bem válido), as
mamães chegam à encruzilhada de que talvez não possam ser tão perfeitas como
elas pensam, nem seus filhos.
Falando
sobre traição, sexualidade, síndrome do ninho vazio, questões mal resolvidas de
um passado longe mas presente o trio de amigas se descontroem aos olhos mais
atentos em busca de um novo norte. Por isso, podemos afirmar que Mãe e muito mais é uma jornada convincente que
mostra muito sobre relacionamentos de mães e seus filhos.
Tempestade
de Areia (Israel)
Há
momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.
Selecionado como representante de Israel ao Oscar de melhor filme estrangeiro
em 2017, Tempestade de Areia, falado todo em árabe, abre mais
uma vez os campos de discussões sobre culturas e tradições sobre os direitos da
liberdade de escolha na vida das mulheres que vivem cercadas de imposições de
costumes. Na linha de frente da história estão duas mulheres corajosas que
sofrem com essas imposições. A cineasta israelense Elite Zexer, em seu primeiro longa-metragem, consegue criar um
drama delicado recheado de argumentos para discussões sobre o despertar da
necessidade de mulheres que não possuem liberdade de escolhas.
Na trama,
conhecemos Layla (Lamis Ammar) uma
jovem filha de uma família de beduínos (parte de um grupo árabe habitante dos
desertos) que consegue convencer seu pai a deixar ela freqüentar a faculdade.
Lá, conhece um grande amor e decide tentar resolver sua situação com seu pai Suliman
(Hitham Omari), esse que acaba
tomando decisões drásticas em relação a isso. Ao mesmo tempo, sua mãe Jalila (Ruba Blal) está irritada com o segundo
casamento de seu marido e busca, mesmo em meio aos próprios conflitos, entender
a situação de Layla e ajudá-la.
Atrás dos
véus, estão duas mulheres fortes e corajosas, mãe e filha. Um conflito
ideológico, oriundo de tradições e culturas, é imposto para a jovem Layla.
Querendo lutar pelo seu direito de amar quem ela bem desejar, entra em choque
com a imposição do pai de arranjar um casamento com quem ele quer. Já sua mãe
Jalila viveu todo o drama de não saber com quem iria se casar e sofre
atualmente com a preferência do marido para a segunda esposa. Os retratos
emocionais se refletem nas situações mostradas, como as necessidades que Jalila
passa com suas filhas enquanto a nova esposa do marido tem uma nova casa com
geladeira funcionando e eletricidade.
A
passividade do pai em alguns momentos chama a atenção. A mãe, figura forte e
muito centrada tenta ajudar sua filha em certos momentos mas sempre na dúvida
do que realmente quer para ela. Com o sofrimento imposto pelo segundo casamento
de seu marido, as prováveis conseqüências de ajudar a filha a ir atrás do
destino que ela quer são jogadas para escanteio, prevalece o amor pela filha.
As escolhas que são feitas, já no ato final, mostram os conflitos e até onde
conseguimos ir pra lutar contra quem amamos.
Vencedor
do Grande Prêmio do Júri na categoria World Cinema Dramatic no Festival de
Sundance, Tempestade de Areia é um grito de socorro
para essas mulheres que vivem presas em conflitos sem poder respirar suas
próprias escolhas e conhecer o que é liberdade.
Tempestade (França)
Temos o destino que merecemos. O nosso destino está de acordo com os
nossos méritos. Vencedor de dois prêmios no aclamado Festival Internacional de
Cinema de Veneza em 2015, Tempête, no original, dirigido pelo francês Samuel Collardey, é uma daquelas pérolas sensíveis, raras, que
explora a ausência até seu último suspiro. Dúvidas e escolhas são bastante
explorados pelos personagens, repletos de indagações e sonhos, quase análogos à
incerteza quando estamos passando por uma fase adolescente para a fase adulta.
Um recorte maduro sobre a paternidade e a busca por melhores condições para uma
família.
Na trama, conhecemos o pescador Dom (Dominique Leborne), um homem perto dos quarenta anos que trabalha
em alto mar ficando pouco tempo por mês em terra. Ele recentemente se divorciou
e conseguiu a guarda de seus dois filhos, Mailys (Mailys Leborne) e Matteo (Matteo
Leborne) que escolheram ficar com ele por terem problemas com a mãe. Mesmo
ausente, Dom sempre preenche a casa onde vive com os filhos de amor e carinho,
mesmo com algumas irresponsabilidades. Quando a filha fica grávida aos
dezesseis anos, Dom precisará encarar escolhas que mudarão para sempre os rumos
dessa família.
A ausência é um tema importante, explorado com leveza, também acompanha
toda a história, os caminhos da maturidade até a responsabilidade, grande
dilema do protagonista. Há um certo descontrole quando se vê cheio de
tempestades em sua vida, com a eminência da perda da guarda de seus filhos e a
decisão de pensar em um trabalho remunerado que o deixe mais presente, em
terra, perto deles. Movido pelo amor que tem pelos filhos, o protagonista
embarca em uma transformação em sua vida pessoal e profissional, se apegando em
seus sonhos para escrever um horizonte cheio de esperança e estabilidade.
Um pai ausente mas amoroso, irresponsável com detalhes da vida mas que
ajuda quando está por perto. Dom, personagem marcante, é um retrato de parte da
sociedade que na busca pro melhores condições para a família acaba abdicando de
momentos importantes na formação dos filhos. Tempestade é um
recorte que exala humanidade, duro, transformador quando estamos em um limite
de nossas forças e de como todos os dias podemos aprender mais sobre nosso mundo.
Um Lindo dia
na Vizinhança (EUA)
A mudança
do mundo destruído pelas palavras. Um cotidiano das emoções em forma de
declamações, um livro contado sobre a arte das emoções. Baseado em fatos reais,
mais precisamente do artigo de Tom Junod, Can You Say ... Hero, Um Lindo dia na Vizinhança, que
estreou faz poucos dias no concorrido (por termos muito poucas salas) circuito
brasileiro de exibição, navega pelos sentimentos de forma bastante simples que
dão a entender algo parecido a original, as declamações de pensamentos nos
levam ao instantâneo ato de pensar sobre aquilo buscando referências em nossas
próprias vidas. No papel principal o ator Matthews Rhys, em
atuação apenas ok. No papel coadjuvante, nosso eterno Forrest. Tom Hanks é um ator diferenciado, sempre em busca
dos mais complexos personagens e sempre com maestria para nos contar suas
histórias. Somos sortudos por ser da mesma geração desse gênio da arte de
interpretar. A direção é da cineasta californiana Marielle Heller (do elogiado Poderia Me Perdoar?).
Na trama,
conhecemos um rabugento jornalista Lloyd Vogel (Matthew Rhys, do
ótimo seriado The Americans) que após uma ordem
de sua chefe, precisa fazer um texto de 400 palavras sobre o famoso
apresentador de público infantil, Fred Rogers (Tom Hanks). Conforme
vai conhecendo mais a fundo seu entrevistado, o protagonista começa a passar
por mudanças profundas na sua forma de pensar e expressar seus sentimentos,
principalmente com o recém aparecido pai.
Um
Lindo dia na Vizinhança é um
projeto peculiar que você precisa ser convencido que ele pode ser uma boa
experiência. Não deixa de ter também quebra de certos paradigmas como o olhar
para a câmera. A tal da inteligência emocional, a partir da inspiração. Um Lindo dia na Vizinhança é um filme que
você precisa ser convencido que ele pode ser uma boa experiência, isso pode
acontecer. A paciência é um fator importante. Nas imperfeições, a subtrama do
protagonista e sua saga em reconciliar com seu pai seja pouco profunda, quando
Hanks sai de cena o filme dá umas despencadas, mesmo Chris Cooper estando ótimo no papel do pai do
protagonista.
Onde ir
onde quando a alma está ferida? Um fator interessante é que há uma conversa
franca com o espectador. Uma grande sessão de terapia que ultrapassa as
barreiras da telona. Muitos podem se identificar demais com a história contada,
sobre pais e filhos. Psicólogos, psicanalistas, psiquiatras precisam assistir a
esse filme. Gera um bom debate.
Bacalaureat (Romênia)
Ética é a
concepção dos princípios que escolhemos, moral é a sua prática. Depois de
encantar o mundo cinéfilos com filmes como 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias,
o renomado cineasta romeno Cristian
Mungiu volta ao universo cinematográfico, após um hiato de quatro anos, com
o profundo longa metragem Bacalaureat, que lhe
rendeu nada mais nada menos que o prêmio de melhor diretor no último e badalado
Festival de Cannes. Explorando os caminhos tumultuados que um pai precisa tomar
para que sua filha tenha uma vida distante dos problemas de onde vivem, Mungiu
acaba fazendo uma grande exploração bastante Kantiana traçando um paralelo
emblemático entre escolhas e consequências no mundo atual.
Na trama,
conhecemos o médico Romeo (Adrian
Titieni), um homem de idade mediana que mora com sua mulher Magda (Lia Bugnar) e sua filha Eliza (Maria-Victoria Dragus) em um bairro de
classe média de uma cidade da Romênia. Romeo possui uma amante, Sandra (Malina Manovici), por quem possui um
carinho enorme. Quando sua filha Eliza sofre uma violência a caminho da escola
e isso a impede de completar a tempo questões de uma prova importante para o
futuro dela, Romeu precisará caminhar por uma estrada onde uma linha tênue
divide as posições da ética e da moral.
Um dos
fatores mais interessantes do fantástico roteiro, escrito pelo próprio diretor
do filme, é que as ações e consequências que vemos ao longo dos 122 minutos de
projeção parecem um grande debate filosófico, pisando em linhas éticas e
morais, passando pelo tráfego de influência e manipulação em um sistema de
ensino rígido. Todas as peças contribuem para o debate, Romeo é apenas nossos
olhos nesse tabuleiro de escolhas, um homem comum, com seus princípios, talvez
nada diferente de mim ou de você.
As ações
das pessoas influenciam o comportamento do indivíduo. Sem uma mancha no
currículo e com uma reputação irreparável, Romeo em poucos dias ultrapassa
todos os limites éticos possíveis fazendo com que sua personalidade mude e que
as emoções fiquem à flor da pele. As variáveis do protagonista são muito bem
exploradas pelas lentes inteligentes de Mungiu, percebemos o constrangimento e
a decepção caminharem lado a lado, Romeo fica completamente esgotado. Os
embates e diálogos com sua filha são as cerejas no bolo, definindo também uma
necessidade de Eliza em trilhar seus próprios pensamentos, se distanciando da
proximidade de seu pai e tomando as atitudes que melhor achar.
Bacalaureat,
infelizmente, não tem previsão de estreia no Brasil. Uma pena, discutir sobre a
maneira de se comportar regulada pelo uso (moral) e os costumes (ética), é um
prato cheio para nós cinéfilos que gostamos de traçar paralelos com nossa
realidade. Esse filme tem muito de muitos lugares.
Fences (EUA)
Mude suas opiniões, mantenha seus princípios. Dirigido e protagonizado
pelo genial artista Denzel Washington, Fences fala
sobre a vida de um homem, seus conflitos, suas convicções e suas relações
conturbadas e cheias de princípios com sua família. Baseado na peça homônima de
enorme sucesso escrita por August Wilson
(que assina o roteiro), e também protagonizada por Denzel nos teatros (papel
que lhe rendeu o prestigiado prêmio Tony em 2010), o longa metragem tem
momentos de pura poesia que nos faz pensar a cada minuto sobre nossa vida e
nossos sonhos nesse imenso mundo cheio de diversidades em que vivemos. Talvez a
cereja do bolo, as atuações de Denzel e Viola Davis são magistrais.
Na trama, ambientado na década de 50 nos Estados Unidos, acompanhamos a
trajetória de Troy Maxson (Denzel Washington)
um homem analfabeto, que foi preso por anos, e depois trabalhou duro todos os
dias para sustentar sua família, de origem humilde, em um bairro familiar norte
americano. Frustrado toda vida por não conseguir ter sido um jogador de
baseball profissional, com todo o talento que tinha, seu destino lhe reservou
outra história e assim ele vive o cotidiano entre um drink e outro, tentando se
manter consciente em casa e no relacionamento conturbado que possui com sua
mulher Rose Maxson (Viola Davis) e
seus dois filhos além de ter que cuidar do irmão Gabriel (Mykelti Williamson), um ex-combatente do exército que voltou com
problemas da guerra.
Mesmo falando de assuntos familiares complicados, com a ótica totalmente
em cima nas escolhas que o protagonista toma, o filme respira poesia e leveza.
As lições que o texto de August Wilson provoca no espectador são inúmeras. As
cercas do título fazem total sentido, é o paralelo com Troy que parece ter
colocado uma grande proteção em volta de quem os cerca. Mesmo com atitudes
impulsivas e seguindo uma regra de disciplina fervorosa, Troy é o retrato de
grande parte dos trabalhadores norte americanos de origem humilde na década de
50, esperando por chances que às vezes nunca chegam, lutando contra
preconceitos todo dia. Podemos fazer uma analogia com os tempos atuais de crise
não só no Brasil mas em boa parte do planeta.
O filme ganha contornos mais dramáticos quando Troy conta a sua esposa
Rose, com quem é casado há 18 anos, que terá um filho em breve de uma amante. Essa
cena já vale o ingresso, Viola e Denzel não dão só show, dão aula em cena. A
partir desse ponto, muita coisa muda na visão de Rose mesmo Troy tentando se
manter firme em suas atitudes e as conseqüências que chegam a partir disso,
como o distanciamento do filho mais novo que é praticamente expulso de casa
certo dia pelo pai.
Fences possui cerca de 140
minutos, e praticamente nem sentimos. Podemos dizer que é um teatro filmado,
com poucos cenários e impactantes diálogos. É uma história forte, muito bem
escrita e atuada que conta com atuações espetaculares de dois dos melhores
atores norte-americanos em atividade. Bravo!
Más Notícias
para o Sr. Mars (França)
Os velhos
acreditam em tudo, as pessoas de meia idade suspeitam de tudo, os jovens sabem
tudo. O novo trabalho do cineasta alemão Dominik Moll (O Monge) é antes de tudo um filme que dita suas regras
nas entrelinhas da loucura de uma mente reclusa e exausta dos seus caminhos
iguais dia após dia. Explorando bastante seu caricato protagonista, Moll
transporta para tela, de maneira bem leve (e muitas vezes bem estranha), as
dezenas de possibilidades que o ser humano tem todo dia de acordar e sair da
rotina estressante.
Na trama,
somos apresentados a Philippe (François Damiens), um analista de sistemas que
vive uma vida certinha, cheia de regras e pacata em uma cidade francesa. Perto
de fazer quase 50 anos sua ex-mulher, uma repórter famosa de uma emissora
francesa, decide de uma hora para outra se mudar para a Bruxelas,
deixando os dois filhos adolescentes para ele cuidar. Só isso já seria
impactante em sua rotina mas para deixar mais maluca essa história, Philippe
começa a enfrentar problemas no seu trabalho, tendo que trabalhar com um
funcionário que vai alterar de vez os rumos dessa história.
É preciso
paciência e colocar nossas células cinzentas para buscar as associações que o
roteiro também escrito pelo diretor busca explorar. Obviamente, a crise de meia
idade é o ponto de start para que o fechado protagonista comece a navegar em
sua controlada loucura que afeta (e ele também é afetado) a todos que o cercam,
desde os novos ‘amigos’ de trabalho, a ira de um supervisor escandaloso, sua
relação com os dois filhos, a distância de sua ex-esposa e o aparecimento em
tons fantasmagóricos hilários de seus pais.
Exibido no
Festival de Berlim em 2016, esse curioso projeto, tem como protagonista o
excelente e versátil ator belga François Damiens.