07/11/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #168 - Nina Giacomo


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de São Paulo. Nina Giacomo é doutoranda em História, Teoria e Crítica pelo Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Eduardo Morettin. Mestra pela mesma instituição, estudou relações de classe, gênero, raça e origem no primeiro cinema brasileiro, a partir da análise de materiais fílmicos e não-fílmicos. Desde sua formação cineclubista, vem focando suas pesquisas no campo da exibição cinematográfica, sempre analisando os filmes na relação com seus públicos. Atualmente estuda erotismo e morte no primeiro cinema brasileiro e toca um projeto no Instagram sobre escrita acadêmica.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Cinemateca Brasileira. Foi onde, 15 anos atrás, encontrei o cinema silencioso, meu objeto de estudo até hoje. É onde pode-se assistir coletivamente ao que não se pode ver em nenhum outro lugar. Infelizmente, a instituição tá fechada há mais de 300 dias. Seus funcionários e a memória audiovisual brasileira tão em risco, de novo, como já aconteceu tantas outras vezes.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Provavelmente Acossado (Jean-Luc Godard, 1960). Minha mãe me mostrou esse filme quando eu tava no Ensino Médio e foi quando eu vi que o cinema podia ser muito mais do que eu imaginava antes.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Difícil escolher um só. Meus filmes preferidos, há muito tempo e ainda hoje, são, sem dúvida: Uma mulher é uma mulher (Jean-Luc Godard, 1961) e A última gargalhada (F. W. Murnau, 1924). Pra colocar também um do primeiro cinema: The big swallow (James Williamson, 1901), que diz tudo sobre o que é o cinema daquela época.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Serras da Desordem (Andrea Tonacci, 2006). É um filme lindo, que me marcou demais e que tem muito de primeiro cinema.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É estar aberta a qualquer tipo de filme e nunca falar de cinema como algo acessível só a um grupinho de pessoas sabidas. Muito cinéfilo gosta de citar nomes desconhecidos como se fossem óbvios. Pra mim, ser cinéfila é amar os filmes e a cultura audiovisual - e amar é compartilhar.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece  possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Depende do que significa "entender de cinema". A maioria das salas busca apenas o lucro e isso também é entender de cinema.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não acredito que isso vá acontecer. A morte do cinema já foi decretada várias vezes, mas ele sempre sobrevive. Assim como os livros, que ainda fazem sentido mesmo num mundo de e-books, a experiência coletiva do cinema nunca vai morrer. Mesmo que a exibição comercial um dia acabe, o cineclubismo não morre.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Vou indicar o período que eu estudo, o primeiro cinema (que vai da década de 1890 até mais ou menos 1914). Muita gente não viu, ou viu só os mais conhecidos, como alguns filmes de Georges Méliès e dos Irmãos Lumière. Vou indicar especificamente a realizadora Alice Guy, que venho estudando nos últimos tempos. Um filme dela, maravilhosamente divertido e crítico, se chama Consequências do Feminismo (1906). Dá pra ver no Youtube.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Não pretendo voltar tão cedo às salas tradicionais de cinema. Ressurgiram os drive-ins como "solução", mas não consigo ver solução num tipo de exibição que exige que o espectador tenha um carro e pague mais de 60 reais num ingresso. Meu sonho é que a pandemia fizesse voltar o cinema ao ar livre, cinema de praça - bem mais seguro e acessível.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Essa pergunta é difícil pra mim. Não acompanho tanto pra poder palpitar. Mas gosto de vários filmes brasileiros recentes. Um que eu gosto muito é Sinfonia da Necrópole (Juliana Rojas, 2014) - mas já não é tão recente assim. Pra falar de um mais atual, vou citar Canto dos Ossos (Jorge Polo, Petrus de Bairros, 2020).

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Resposta um tanto óbvia, mas real: Kleber Mendonça Filho. Costumo perder muitos filmes recentes, mas os dele não perco não.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Lugar de encontro.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Não é inusitada, mas lembro quando numa Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, lá pra 2005, teve uma retrospectiva do cineasta português Manoel de Oliveira. Eu vi quase todos os filmes e, em quase todas as sessões, tinha um senhor que dormia e roncava altíssimo. Formou-se uma cumplicidade entre os espectadores, que riam e se olhavam na falta de outra opção. Os filmes eram mesmo bem paradões e eu mesma lutei pra não dormir algumas vezes, o que era mais difícil ainda com aqueles roncos que embalavam qualquer um!

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Olha, eu teria que rever pra fazer um comentário honesto. Mas não tenho nada contra não.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Depende do que a gente entende por cinefilia. Acho que qualquer pessoa pode se tornar cineasta e pra isso não é preciso ser cinéfilo. Todo mundo que nasceu do século dezenove pra cá tem uma cultura imagética enorme. Todo lado que a gente olha tá cheio de imagens, em movimento ou não. Cada pessoa tem a sua cultura cinematográfica e nenhuma é melhor que outra.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Vou colocar o Austin Powers de 1999 porque fiquei tão indignada quando vi no cinema, aos 12 anos, que saí da sala no meio da sessão! Provavelmente hoje eu até gostasse do filme, mas na época me pareceu um grande ultraje, hahaha.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Todos os filmes de viagem do primeiro cinema (também conhecidos como travelogues). São filmes que mostram paisagens, cenas urbanas, vistas tomadas de veículos em movimento. São filmes que me tocam demais. Vou indicar um que estudei na minha Iniciação Científica: A trip down Market Street before the fire (Irmãos Miles, 1906). É um filme bem simples, mas extremamente tocante. Ele foi feito em São Francisco, nos Estados Unidos, poucos dias antes de um terremoto que destruiu a cidade.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Não costumo bater palmas pra filme, acho isso muito esquisito. Quando a equipe tá presente na sala e o filme realmente me toca, pode até ser. Ou quando o filme tem acompanhamento musical ao vivo, claro. Mas em geral não entendo a lógica de bater palmas pra uma obra que não se apresenta ao vivo. Seria como aplaudir um quadro num museu.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Coração Selvagem (David Lynch, 1990). Não gosto do David Lynch, mas esse filme eu gostei e tem o Nicolas Cage. Mas talvez as melhores obras com o Nicolas Cage sejam os memes mesmo, haha.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Filmografia Brasileira, base de dados da Cinemateca Brasileira, pra fazer pesquisas sobre cinema brasileiro, e Silentlondon.co.uk, um blog sobre cinema silencioso.