O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de João Pessoa
(Paraíba). Jéssica Rodrigues tem 29 anos, tem graduação em Arte e Mídia pela
UFCG, especialização em Artes e Tecnologia pela UFRPE e mestrado em Artes
Visuais pela UFPB/UFPE. Atualmente, é professora substituta no Departamento de
Comunicação da UFPB, atuando no curso de Bacharelado em Cinema e Audiovisual.
Tem experiência com produções cinematográficas nas funções de pesquisadora para
roteiros de ficção e documentário, roteirista, diretora e assistente de arte.
No âmbito acadêmico, realiza pesquisas em torno do hibridismo entre elementos
da ficção e do documentário, bem como a sua aplicação em produções de autoria
feminina do Brasil. Dirigiu os curtas documentários “Mulheres de Assis” (2016) e “Dama
da Noite” (2018), este último, um filme híbrido que foi vencedor dos
prêmios de melhor roteiro e melhor atriz da Mostra Tropeiros da Borborema no
Festival de Cinema Comunicurtas de 2018.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Cine Bangüê,
localizado no Espaço Cultural José Lins do Rego, João Pessoa- PB. Acho muito
bacana porque lá são exibidos filmes paraibanos, brasileiros e estrangeiros,
com foco nos filmes independentes, ao invés dos comerciais)
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Quando eu penso em cinema como lugar diferente, eu penso em
lugar de expressão que utiliza mecanismos audiovisuais para se concretizar.
Nesse contexto, durante a minha infância eu sempre fui muito estimulada pela
minha mãe a assistir filmes. Na época, a gente não ia muito aos cinemas, mas a
gente tinha o costume de locar filmes, então o nosso final de semana era
basicamente isso, assistir e comentar os filmes. Eu lembro de ter visto O Exorcista (William Friedkin, 1973) e The
Fear of God: 25 Years of “The Exorcist” (Nick Freand Jones, 1998), num box VHS que fizeram em comemoração
aos 25 anos do filme, nele, tinha uma fita que mostrava todo o processo de
produção do filme e eu achei aquilo genial. Mas foi só com Closer (Mike Nichols,
2005) que eu despertei realmente para a possibilidade de realização do cinema
em seu sentido técnico e estético. A partir dali, comecei a olhar o cinema
enquanto uma possibilidade de contar algo, através dessa relação
roteirista-diretor-ator, que claro, é permeada e nutrida por todas as outras
funções desse processo mágico de produção de um filme.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Acredito que essa é uma resposta muito passível de mudanças,
porque a gente vai acabar sempre conhecendo novos filmes e novos diretores, o
que acaba dando um sentido mais rotativo para esse lugar de “favorito”. Mas por
hora, e confesso que já por um tempo, tem me chamado muita atenção o cinema de Lúcia Murat, uma cineasta brasileira,
carioca, de 71 anos, que conta com cerca de 12 longas-metragens em sua
carreira. Por conta de sua experiência com a luta armada contra a ditadura
militar e sua consequente passagem por centros de detenção e tortura, Lúcia
acaba trazendo essas vivências para cinco de seus filmes. Além disso, a
cineasta costumeiramente recorre ao hibridismo narrativo, aquele que brinca com
características da ficção e documentário em uma única obra. Dentro desse
contexto discursivo e estético, dois de seus filmes me chamam mais atenção, Que bom te ver viva (1989) e Ana, sem título (2020), o primeiro e o
último filme realizados pela cineasta até então.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Lisbela e o
prisioneiro (Guel Arraes, 2003).
Acho um filme divertido de assistir e completo em seus diferentes setores da
produção, com destaque para a equipe de arte, de fotografia, de som e o elenco,
que é fabuloso.
Mas tem dois outros filmes que eu gosto e recomendo muito, Estômago (Marcos Jorge, 2007) e Que
horas ela volta (Anna Muylaert,
2005).
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Para mim uma pessoa cinéfila é uma pessoa apaixonada por
cinema. Contudo, cinéfilos não gostam só de assistir filmes, mas também de
pesquisar sobre a história do cinema, de seus profissionais e de seus
mecanismos de produção.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feita por pessoas
que entendem de cinema?
Acredito que as programações dos cinemas seguem a lógica do
mercado. Existe sim um processo de curadoria dos filmes que serão exibidos e
que é realizado por profissionais que entendem de cinema. No entanto, diferente
do foco das galerias de exibição, que visam mais o conteúdo estético e
discursivo das obras ou de um cinema com foco em exibições independentes, as grandes salas
comerciais de cinema realizam o processo curatorial visando exibir obras que
irão trazer um número maior de público e que as farão lucrar mais, inclusive
com a venda de produtos extras, como copos, camisas, etc. Por isso, é mais
comum ver filmes de super-heróis do que filmes de produtoras independentes do
Brasil nas grandes salas de exibição do país. Porém, acredito que as salas de exibição
são gerenciadas por equipes que contam com um ou mais profissionais para
realizar o processo curatorial das obras que serão exibidas.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Acredito que essa pergunta surge, principalmente, a partir
da adesão das plataformas de streaming pelo público em geral. Também achavam
que o cinema iria acabar quando a
televisão e o vídeo surgiram. Inclusive tem dois filmes bem bacanas que
tratam sobre esse questionamento do fim do cinema, são eles: Quarto 666 (Wim Wender,1982) e De volta
ao quarto 666 (Gustavo Spolidoro,
2009). São as chamadas crises do cinema, de tempos em tempos que questionam o
seu fim. Contudo, mostrando-se um
“eterno mutante”, o cinema acaba se adaptando e nessa questão em específico,
acredito que acaba por permitir várias possibilidades de exibição, onde uma não
exclui a outra. São possibilidades diferentes que o público tem para se
relacionar com o filme. Assim, por mais que as televisões tragam as tecnologias
do óculos 3D, por exemplo, ir ao cinema e assistir ao filme naquela tela, com
aqueles moldes arquitetônicos e todo o ritual que geralmente envolve o “ir ao
cinema”, gera uma experiência totalmente diversa. Nem melhor, nem pior, apenas
diversa.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Ana, sem título (Lúcia Murat, 2020). Um filme híbrido
que trata sobre a vida de Stela, uma jovem atriz brasileira, que viaja pela
América Latina a fim de entender melhor a origem de algumas cartas trocadas
entre artistas plásticas da região, durante os anos de 1970 e 1980. Além de
desvendar a origem das cartas, Stela vai atrás da história de Ana, uma artista
plástica brasileira daquela época, que desapareceu.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Acredito que embora o setor esteja sendo bastante
prejudicado, não é a hora de abrir as salas de cinema. É aí que todo o processo
de readequação tecnológica ao qual o cinema está tão acostumado entra, as novas
possibilidades de exibição nos permitem ter o acesso às produções, embora sejam
experiências espectatoriais totalmente diferentes.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Acredito que embora o Brasil ainda careça de maior incentivo
para o setor, as produções de um modo geral vêm se mostrando cada vez de maior
qualidade técnica e estética. Acredito que o acesso a cursos de formação
técnicos ou acadêmicos e o acesso a equipamentos de imagem e som, faz com que
realizadores de grande potencial possam aparecer, quando antes os grandes
custos de produção os escondiam.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Dira Paes e Irandhir Santos. Acredito que são
atores muito completos, que já perpassaram pelos mais diversos tipos de
personagens, não só no cinema. Eu sempre fico muito curiosa em assistir as produções
que eles participam.
12) Defina cinema com
uma frase:
O cinema é uma maneira de representação das diversas
instâncias e relações da vida e dos seres vivos, tanto no campo do real quanto
com o imaginário.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Acredito que a coisa mais inusitada que já vi em uma sala de
cinema foi ela vazia, só tinha o meu grupo assistindo ao filme.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras…
Uma espécie de autoficção.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Acredito que não é obrigatório o diretor ser cinéfilo, mas
acredito que a prática de estar constantemente vendo filmes e procurando sobre
eles, acaba ajudando os diretores a construir um senso crítico e estético mais
apurado. Afinal, no cinema nada é novo, tudo é uma reformulação e readaptação
de algo que já existia.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Acredito que o filme que eu menos gostei de assistir foi Cura Fatal (Derrick Granado, 2020). Acho que o filme se perde no meio da
narrativa.
17) Qual seu
documentário preferido?
Acho Lixo
Extraordinário (Lucy Walker,
2010) um documentário muito bacana.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim. Um filme muito massa realizado por Jéssica Queiroga Magliano, que chama Nem tudo são flores (2016).
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Leaving Las Vegas
(Mike Figgis, 1995).
20) Qual site de cinema
você mais lê pela internet?