O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, do Rio de Janeiro. Maria Caú tem 38 anos, é professora,
pesquisadora e crítica de cinema (filiada à Abraccine). Formada em Cinema pela
UFF e Doutora em Ciência da Literatura pela UFRJ, trabalha como especialista em
conteúdo audiovisual. É autora do livro Olhar o mar: Woody Allen e Philip Roth
— a exigência da morte (Editora Verve, 2015) e integra o conselho editorial do
site Críticos (https://criticos.com.br/).
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Acho que certamente a melhor
programação do Rio de Janeiro ainda é a do Grupo
Estação, mas sou bastante fã da galera do Grupo Casal também, que programa o Cine Santa Teresa, o Museu da
República e o Barra Point. Ambos os grupos apostam numa programação mais
afinada com a minha visão de cinema, apesar de eu ter me chocado ao ver Vingadores no Estação Botafogo em 2019.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e
pensado: cinema é um lugar diferente.
Olha, eu sou fascinada por cinema
desde muito novinha, então essa pergunta poderia ter múltiplas respostas a
depender do sentido das palavras diferente
e lugar. Se você está falando do
cinema como um espaço físico, a sala de cinema e o que acontece ali, então a
minha primeira lembrança é Batman, o
de 1989, do Tim Burton, que eu vi
legendado com minha mãe sussurrando as legendas porque eu, recém-alfabetizada,
não lia naquela velocidade ainda. Mas se você está falando do espaço imaterial
do cinema, então talvez Persona, do Bergman, que eu vi boquiaberta no
extinto Telecine Classic com uns 16/17 anos.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Hora da resposta polêmica. Todo
mundo que me conhece sabe que esse cara é o Woody Allen. Eu passei anos da
minha vida escrevendo sobre ele (dissertação, que foi publicada, e tese, que
com essa polêmica toda jamais será). Woody
Allen é um diretor com uma obra grande e genial, mas vamos dizer que hoje (não amanhã, não ontem) o meu filme
favorito dele é Manhattan.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Essa coisa de favorito é uma
obsessão das pessoas, né? É bastante próprio de uma parcela da crítica de
cinema, que se tornou mais uma compilação e listas e notas do que um diálogo
com as obras e os autores. Acho ótimo para uma conversa de bar, mas para uma
análise mais séria é complicado sustentar UM favorito na cinematografia
brasileira como um todo. O que eu posso dizer é que o filme nacional mais
próximo do meu coração é Cabra marcado para morrer, do Eduardo Coutinho.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Eu não sei. Eu sinto que essa
palavra foi esvaziada pelos ditos cinéfilos de hoje em dia. Por isso, eu mesma
jamais me defino como cinéfila. Na sua origem, a palavra designava um movimento
cultural e uma forma de espectatorialidade crítica, além de social, política e
filosoficamente engajada. Na minha cabeça não há diferença entre cinéfilo e
crítico, ambos têm a mesma construção de olhar e transitam nos mesmo espaços.
Mas isso tudo era antes. Agora cinéfilo é o cara que compete nas redes sociais
com outros cinéfilos para ver quem viu a maior quantidade de filmes ou é capaz
de dizer mais prontamente alguns fatos de decoreba sobre eles.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
Depende do que você define com
entender de cinema. Entender de mercado exibidor é ou não “entender de cinema”?
A questão também é a liberdade que essas pessoas têm ou não para programar. A
gente fica aqui culpando esses indivíduos quando o problema da distribuição é
muito maior, é uma questão que deveria passar primeiro pelas medidas de Estado,
que são uma piada no Brasil. De que adianta você entender tudo de cinema e
trabalhar num conglomerado enorme que te pressiona a atingir certos números sem
desejar construir ações de formação de público? Acho que a grande maioria dos
programadores que eu conheço têm formação compatível com seus cargos, ou seja,
“entende de cinema”. Mas têm pouca liberdade de propor ações no contexto em que
estão inseridos. Dito isso, há pessoas que conseguem quebrar essas enormes
barreiras, em geral em cinemas menores e de “arte”, como o Pedro Azevedo, meu grande amigo, que faz um trabalho brilhante
programando o Cinema do Dragão em
Fortaleza, ou o Paulo Máttar, que
está à frente do Cine Arte UFF
(Niterói/RJ) e tem uma proposta de programação muito bonita e coerente com a
universidade.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Algum dia tudo vai acabar. Nos
próximos cem anos? Não. Elas vão se transformar? Certamente.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Até hoje nunca consegui conversar
com ninguém sobre O som das nuvens, o primeiro longa do Hans Weingartner (que depois dirigiu Edukators), com Daniel Brühl antes de ele ser uma
grande estrela do cinema alemão, porque sempre que eu menciono o filme ninguém
viu. E eu gosto muito.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Já temos uma vacina, né? Resta saber
quando esse governo genocida vai vacinar uma parcela mais expressiva da
população. Mas acredito que os cinemas não deveriam ter reaberto, e digo isso com
dor. E acho que deveríamos ter investido em exibições ao ar livre, em parques,
por exemplo, e com medidas de distanciamento e máscaras.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
O cinema brasileiro é rico e
plural, apesar da completa falta de incentivos que o governo deste genocida que
é o Bolsonaro instituiu, com o desmantelamento de políticas culturais que,
apesar de ainda insuficientes, vinham dando resultado. O cinema brasileiro é
uma expressão cultural de resistência.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Acho que no momento este lugar
está ocupado pelo Kleber Mendonça Filho,
mas isso muda o tempo todo. Só quer dizer que os caminhos do cinema dele me
interessam muitíssimo no contexto atual. Há outros artistas que me interessam
muito também, que estão no meu radar, como a Beatriz Seigner, Júlia e Lúcia Murat, o pessoal da Filmes de Plástico, Grace Passô, isso
porque eu não entrei na seara do curta-metragem nesta resposta e tentei ser
concisa.
12) Defina cinema com
uma frase:
“O cinema é uma explosão do meu
amor pela realidade”. A frase não é minha, é do Pasolini.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.
Quando eu era criança, em
Araruama, era comum vender ingressos para muito além da capacidade da sala de
cinema. Então, eu assisti a O rei leão senta em cima da minha jaqueta
jeans, num corredor cheio de crianças sentadas no chão. Esse cinema era muito
velho e carente de reformas, e era também comum que morcegos dessem rasantes
sobre nossas cabeças enquanto estávamos assistindo aos filmes.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Uma piada interna velha de certos cinéfilos repetitivos.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não. Mas às vezes ajuda o ser humano a não achar que está
revolucionando a linguagem a cada passo. Às vezes, piora ainda mais o ego do
sujeito. Vai saber.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
O volume de filmes ruins que eu
vi é bem maior do que o de filmes bons, de modo que responder a essa pergunta é
impossível.
17) Qual seu
documentário preferido?
Sinto que essa pergunta é mais
apropriada para pessoas que estão pouco acostumadas a assistirem a documentários.
Eu assisto a muitos documentários e amo demais esse formato para ter uma
resposta. Poderia fazer uma listinha de 20 títulos ou mais. Impossível
responder.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Diversas vezes. É costume fazer
isso em sessões apresentadas pelos diretores ou pela equipe do filme, de forma que
obviamente a resposta teria que ser sim. Agora, se você se refere a aplaudir
espontaneamente, numa sessão comum, sim, já fiz também algumas vezes. Muitas
delas porque o filme expressava algo que me parecia politicamente importante
naquele contexto.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Acho o Nicolas Cage um dos atores mais inteligentes que eu conheço, nunca
entendi as piadas recorrentes com ele. Por que digo inteligente? Porque é
alguém que, a partir de uma óbvia limitação como ator, conseguiu entregar
ótimos trabalhos em filmes memoráveis e com diretores do quilate de David Lynch, irmãos Coen... Meu filme
favorito dele é o espetacular Coração selvagem, mas eu tenho um
carinho especial por Despedida em Las Vegas, que vi com
meu pai quando era adolescente.
20) Qual site de
cinema você mais lê pela internet?
Certamente, o IMDB,
site de consulta que fica aberto o tempo inteiro no meu navegador.