13/05/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #414 - Eduardo Chacon


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, do Rio de Janeiro. Eduardo Chacon tem 44 anos, é professor de História do Brasil República no Departamento de História do IFCH-UERJ e do Programa de Pós-Graduação em História da UERJ. Pesquisa as relações entre História e Cinema, com foco no cinema brasileiro. Escreve romances, contos, poemas e roteiros. É autor do romance A perna de Sarah Bernhardt, disponível em edição Kindle na Amazon, e do roteiro do curta Quero ser Jane Fonda (Simone Ordones, 2021), disponível no YouTube. Participa de dois podcasts sobre cinema: Cinematógrafo: a história nos filmes (sobre filmes históricos) e Cinemetílico (encontro de dois casais de amigos para beber e conversar sobre filmes, virtualmente).

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Entre as salas comerciais, gosto do Espaço Itaú de Cinema, em Botafogo, pela oferta diversificada, equilibrando-se entre blockbusters e filmes menos óbvios. Já entre as salas especializadas, não dispenso uma visita ao Centro Cultural Banco do Brasil e à Caixa Cultural, pelas mostras dedicadas a cinematografias alternativas ou obras de difícil acesso nos streamings. Lembro também com muito carinho da Sessão Cineclube que existiu nos anos 2000 no Cine Odeon, organizada pela revista Contracampo em parceria com o Grupo Estação. Foi uma oportunidade ímpar de aprendizagem, com debates ao fim das exibições e folhetos contendo comentários críticos (tenho vários arquivados, guardo com o maior carinho).

 

2) Qual o primeiro filme que você  lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Brasa Adormecida (Djalma Limongi Batista, 1987). Eu tinha 9 anos de idade e fui assistir, acompanhado de uma vizinha de 15, num dos cinemas da Cinelândia. É um filme com Maitê Proença e nós estávamos acompanhando com entusiasmo a novela Dona Beija, na TV Manchete. Nossos pais devem ter pensado que seria um filme inofensivo, como a novela, e autorizaram que fôssemos sozinhos. No entanto, a obra do Djalma é totalmente fora dos padrões, tanto em relação às novelas quanto aos filmes que eram exibidos na TV aberta na época – tem referências ao Humberto Mauro, diálogos com o surrealismo e umas boas doses de homoerotismo. Lembro bem de não ter entendido nada, mas de achar fascinante aquele universo. Intuí que deveria ter uma chave em algum lugar que me abriria as portas da compreensão daquele mistério. Essa foi uma experiência muito marcante! Tenho registros muitos vívidos das cenas, das reações, da inquietação. Quando revi o filme, já adulto e cinéfilo, fiquei encantado. O Djalma tem poucos filmes, mas são tão criativos e instigantes, que lhe garantem um lugar especial na história do cinema brasileiro.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Billy Wilder, pelo equilíbrio entre a autoria e a submissão aos padrões ditados pelos grandes estúdios. Ele seguia o caminho do meio, com uma capacidade ímpar de fazer filmes vendáveis, mas cheios de subtextos, filosofia, reflexões sobre o próprio ofício. Por esse motivo, adoro Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950) – é uma homenagem ao cinema e, ainda, um excelente noir. A cada vez que revejo, descubro um detalhe novo, uma minúcia do cenário, do elenco, do roteiro. Sou fascinado!

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Os Inconfidentes (Joaquim Pedro de Andrade, 1972). Considero genial o modo como Joaquim Pedro conduziu a mise-en-scène e a edição do filme. É um modo muito sofisticado de narrar a História no cinema, sem ceder aos apelos da grandiloquência do gênero épico. E ainda driblou a censura, abordando temas relacionados à ditadura. Gosto do modo como o filme consegue ser político por meio da experimentação de linguagem, mas ainda manter um nível pronunciado de comunicação, sem cair no hermetismo. E tem uma equipe maravilhosa, né? Eduardo Escorel no roteiro e na edição, Pedro de Moraes na fotografia, Anísio Medeiros na arte e no figurino, além de um elenco muito afiado, encabeçado por José Wilker.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É não conseguir passar um dia sem assistir a um filme ou ler, escrever, conversar sobre cinema. Também é um modo de compreender o mundo, de enquadrá-lo – pensar por meio de referências a filmes, cenas, cineastas, técnicas cinematográficas. E fazer cálculos de quantos DVDs consigo comprar com a grana que sobra no fim do mês... rs!

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não. A maioria é feita por pessoas que entendem de mercado – o que não acho necessariamente ruim. Na lógica capitalista em que estamos inseridos, o cinema precisa se mostrar rentável para continuar a existir. E não acho que filmes com apelo de bilheteria sejam “menores” do ponto de vista artístico, intelectual, filosófico. Mas, como respondi lá na questão 1, conheço salas que são geridas por quem concebe o cinema de forma plural, garantindo espaço a obras que não atrairiam um público numeroso. E essa diversidade é fundamental – acredito que devam existir filmes (e espaços de exibição) para todos os públicos, com todos os formatos, temáticas e abordagens. Do blockbuster mais bombado ao curta experimental que só sete pessoas viram, tem que ter lugar para tudo.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Essa conversa já vem de longe, né? Desde meados do século XX que tem gente dizendo que vão acabar e elas seguem aí... não diria que estão firmes, mas seguem existindo. Agora, durante a Quarentena, não tenho ido às salas, mas é uma das coisas de que mais sinto falta – a experiência gregária, estar junto com pessoas que foram àquele lugar buscando o mesmo que eu, ter uma experiência compartilhada. Rir, chorar, levar susto junto. Ouvir as reações. Não há sofá em casa que substitua isso. Acredito que a capacidade de reinvenção do cinema é imensa e seu apelo também. Para não ser exagerado, dizendo que as salas nunca vão acabar, apostaria em mais 50 anos, no mínimo.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Imagine (Andrzej Jakimowski, 2012). Conta a história de um professor de uma escola de cegos que tenta revolucionar o ensino usando uma técnica semelhante ao do “radar” dos morcegos. A partir desse mote, a obra apresenta a paisagem sonora de Lisboa de modo muito poético. Um filme para ser

ouvido...

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Por mais que eu queira voltar a frequentar as salas, não considero uma atividade essencial. Claro que me preocupo e me solidarizo com as salas – e faço tudo que está ao meu alcance para ajudar a mantê-las durante a Quarentena –, mas acredito que a preocupação com saúde pública deva vir em primeiro lugar.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Apesar das dificuldades financeiras, está em um momento muito criativo. Tenho acompanhado entusiasmado o lançamento de filmes como Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), Sinfonia da Necrópole (Juliana Rojas, 2014), As Boas Maneiras (Marco Dutra e Juliana Rojas, 2017), Corpo Elétrico (Marcelo Caetano, 2017), Benzinho (Gustavo Pizzi, 2018), Temporada (André Novais Oliveira, 2018), M-8: quando a morte socorre a vida (Jeferson De, 2019), Vaga Carne (Grace Passô, 2019). São obras que mostram a força da produção brasileira atual, com enfoque em estilos, temas e personagens que precisam urgentemente figurar nas telas.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Lúcia Murat. Mesmo os filmes de que não gosto muito têm um lugar especial na estante de DVDs. Adoro o modo como ela pensa a História, tanto na ficção quanto nos documentários, e as obras que refletem sobre o Rio de Janeiro. Que bom te ver viva, Quase dois irmãos, A memória que me contam, Brava gente brasileira, Praça Paris, Ana. Sem título – gosto tanto deles, mexem comigo em diversos níveis, intelectual e emocionalmente.

 

12) Defina cinema com uma frase:

A possibilidade de compreender a si próprio e a outrem por meio de imagens e sons.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Em uma sessão no Festival do Rio, daquelas com legenda eletrônica sendo projetada ao vivo por alguém na sala, houve um problema com o dispositivo. E o filme, em mandarim, seguiu rolando... Quando consertaram o aparelho, já não havia como saber se a legenda estava correta, pois ninguém na sala falava mandarim. Ver na tela uma xícara de chá enquanto na legenda se lia “que vestido bonito você está usando hoje”, passou a ser uma situação comum durante a sessão. Foi uma experiência disruptiva (risos!).

 

14) Defina ‘Cinderela Baiana’ em poucas palavras...

Determina os limites da minha cinefilia...

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo? 

Não. Contudo, prefiro aqueles que são. Gosto de filmes que trazem alguma referência a outras obras. O cinema que pensa o cinema, sabe?

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Ele não está tão afim de você (Ken Kwapis, 2009) foi o único que me fez sair da sala antes do fim. 

 

17) Qual seu documentário preferido? 

Uma longa Viagem (Lúcia Murat, 2011). A mistura entre documentário e ficção, o diálogo com a arte performática - tudo me faz ter um carinho especial por ele. O tema também me atrai bastante. Gosto de pensar sobre o cotidiano nas ditaduras – quais os dilemas? Que saídas? Se puder acrescentar mais um, seria outro da Lúcia: Ana. Sem título. Mas sobre esse não vou dizer nada, porque acho que pode estragar a experiência. Só recomendaria enfaticamente!

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?   

Sim, para vários, sobretudo no Festival do Rio. Mas assisti a Metrópolis (Fritz Lang, 1927) no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em uma sessão com orquestra ao vivo que foi simplesmente memorável. Foram alguns minutos de aplausos. Momento lindo!

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu? 

Serve só a voz? (risos!). Homem Aranha no aranhaverso (Bob Persichetti e outros, 2018).

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Guia do Cinéfilo, claro!

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Netflix.