19/07/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #479 - Alexandre Domingues


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Canoas, Rio Grande do Sul. Alexandre Domingues tem 19 anos e realiza filmes independentes desde os seus quinze anos.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Em Canoas, no Rio Grande do Sul, onde eu moro, cinema apenas nos shoppings, o que torna difícil até a opção de assistir algo no idioma original. Minha solução sempre foi pegar o trem para a cidade vizinha, a capital Porto Alegre, e ir na Paulo Amorim, na Casa de Cultura Mario Quintana.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

O Labirinto do Fauno, e curiosamente eu custei muito para ter coragem de assistir. É que meu vô, que nasceu na fronteira e por isso assistia umas coisas bem diferenciadas no Uruguai que não passavam pela barreira da ditadura, sempre teve uma atenção a mais pro cinema que eu não via nas outras pessoas ao redor de mim. Quando eu tinha uns quatro anos, ele chegou com umas revistas mostrando toda a fantasia que o Del Toro estava atingindo nesse filme, o que deixou meu avô louco pelo lançamento. E então ele morreu, umas semanas depois do dia que trouxe essa revista, e por anos, esse filme me assombrou como o peso de ser o filme que meu vô queria assistir antes dele morrer. 

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Ingmar Bergman. Amor à primeira vista, desde que assisti aquela cena do sonho do Morangos Silvestres e achei parecida com a atmosfera que tentei inconscientemente atingir no meu primeiro curta-metragem, O Observador. Por causa disso, minha relação com o cinema do Bergman acompanha diretamente meus próprios descobrimentos com os meus anseios como cineasta independente. (Imagina o choque que fiquei quando descobri que ele também faz aniversário dia 14 de julho. Vai ver o pessoal mais ligado com signos diria que essa conexão que eu sinto com ele é puramente por alinhamento de estrelas e essas coisas) Escolher um filme dele é difícil pra mim, o preferido varia com o meu humor. Talvez seja uma escolha um pouco óbvia, mas eu diria que Persona, porque até hoje eu não sei nem definir o que se passa na minha cabeça quando eu assisto.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Terra Estrangeira, do Walter Salles. O jeito que consegue abordar o contexto econômico do rombo deixado pelo Collor (um tema que, por motivos pessoais, me toca bastante) em meio a uma narrativa completamente intrigante é absurdamente genial.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Essa resposta é difícil para mim, já que eu já tinha um curta-metragem sendo exibido por aí antes mesmo de eu me considerar minimamente entendedor de cinema. Se entrarmos na etimologia e tratarmos o termo como apenas alguém que ama assistir filmes, então eu acho que a resposta já tá aí.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Eu acho que as pessoas por trás dos cinemas comerciais, como o exemplo dos de shopping como citei, não devem nem mesmo pensar que se tem algo a apreciar no cinema sem ser a grana que ele faz.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acho que não, sinceramente. Eu acho óbvio que vão deixar de ser o foco principal dos lançamentos, mas consigo muito bem enxergar sendo frequentadas por pessoas que procuram a experiência tradicional. Como música em vinil, que ainda é bastante apreciada.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Eu não acho que eu assista muita coisa desconhecida, não me orgulho tanto disso. Mas um filme que me deixou absolutamente boquiaberto e não sei como nunca tinha ouvido falar antes foi O Ano Passado em Marienbad, do Alan Resnais. O jeito que o filme flerta (e se entrega completamente, em muitos momentos) com o surrealismo é algo que eu sonho em conseguir atingir um dia como diretor.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Não. Absolutamente não.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Desde que entrei nesse meio eu acabei conhecendo muita gente que também leva o cinema como sonho de vida, desde gente bem nichada cujas obras são completamente desconhecidas, como eu próprio, ou até quem já faz produções em outro patamar. Todas estas pessoas, apesar das toneladas de conversas que tivemos sobre como isso tudo parece estar trilhando um caminho quase impossível, tinham brilho nos olhos ao falar dos próprios filmes e de seus sonhos com o cinema. Por respeito a estas pessoas (e a mim mesmo), devo reconhecer que tem muita coisa de excelência sendo produzida.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Não me orgulho disso, mas não me vem fácil nenhum na cabeça. Espero que eu corrija isso logo.

 

12) Defina cinema com uma frase:

A arte de usar imagens e sons para manipular o espaço e tempo.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Bacurau, 2019. Estou eu saindo após a sessão da Casa de Cultura de Porto Alegre e um cara que também tava na sessão comenta com a esposa sobre como ele tinha achado o filme incrível, mas o problema é que "esse povo do nordeste é feio demais". Acho que não preciso nem citar a trágica ironia nisso.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Nunca assisti. Seria este mais um dos meus tantos pecados que aqui confessei?

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Basta uma olhada rápida no catálogo de qualquer serviço de streaming e ver a grande quantidade de filmes que são puramente produtos mercadológicos para saber que a resposta é não.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Eu tenho bastante sorte e já faz tempo que tenho gostado de tudo que tenho assistido. Mas tenho a lembrança de ter ido com catorze anos no cinema com a minha tia e escolhido um filme de terror bem genérico que estava passando no cinema do shopping. A Casa dos Mortos, acho que é.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Elena, da Petra Costa. O quanto eu chorei com aquilo...

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão? 

Em sessão não. Soa meio estranho, mas volta e meia não consigo conter as emoções e faço isso assistindo algo em casa, mesmo estando sozinho.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Aquele do vidente. Esqueci o nome. Tudo bem que já fazem muitos anos desde que eu assisti, mas quando eu era criança eu achei incrível.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Mais um pecado para a lista. Eu escuto bastante podcasts, pelo menos, já que aí posso fazer isso no trabalho, e tem vários canais no youtube que eu acho fantásticos. Mas ler, leio pouco. Talvez eu devesse começar com este blog aqui? Pela olhada rápida que dei quando recebi o e-mail já me encantei bastante.

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Eu só tenho acesso a Netflix e Prime. Netflix, hoje em dia, é bem raro algo me agradar. Costumo achar bastante coisa incrível no Prime. Nas olhadas que já dei no catálogo, o Telecine é o que mais teria tudo para me agradar, mas infelizmente o preço está fora do meu alcance.