12/06/2020

Crítica do filme: 'O Ritmo da Vingança (The Rhythm Section)'


As várias faces de uma vingança. Dirigido pela cineasta norte-americana Reed Morano (diretora também do pouco falado no Brasil I Think We're Alone Now), The Rhythm Section, no original, é um profundo drama sobre uma jovem que tem seu destino mudado após uma tragédia. A questão da vingança é um ponto chave para tentar se conectar com o filme de alguma forma, pois, por ter um roteiro extremamente denso a personagem vira uma incógnita incompreensível. O filme parece um carro super potente com o freio de mão puxado. A ação imposta não se conecta com o drama proposto.

Com um orçamento que beirou aos 50 milhões de dólares e baseado no livro homônimo escrito por Mark Burnell (também quem assina o roteiro do projeto), O Ritmo da Vingança nos apresenta a jovem Stephanie Patrick (Blake Lively) que vê sua rotina mudar em poucos anos com o falecimento de toda sua família em um trágico incidente aéreo. Anos se passam e com a vida acabada e sem rumo, ela é procurado por um Keith Proctor (Raza Jaffrey) um jornalista que possui provas de que o acidente de sua família na verdade foi um assassinato/atentado. Assim, reunindo forças de ontem não tem e buscando novas habilidades, Stephanie vai atrás de quem cometeu esse crime.

O drama funciona melhor do que a ação. Com um tabuleiro complicado de enxergar e peças pouco explicadas, o filme segue em ritmo alucinante mesmo não completando as explicações/motivos dos personagens. Apressado e intenso, deixa a função de levar o filme nas costas para uma forte personagem interpretada por Blake Lively, uma atriz competente, que não faz muitos filmes e sempre busca escolher personagens intrigantes de alguma forma como a ótima Adaline Bowman de A Incrível História de Adaline. A protagonista busca se reconstruir ao longo 110 minutos de projeção mas fica mais confusa do que quando a conhecemos no início.

É estranho falar isso mas dá a impressão de que falta entrosamento entre a personagem e o roteiro, impressão que talvez melhore no livro com mais detalhes sobre a mesma. As cenas de ação se esforçam para serem impactantes mas preenchem pouco tanto do lado do entretenimento quanto do lado de sentido para a trama. Um potente carro, com freio de mão puxado. Uma pena.

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Crítica do filme: 'A Ilha da Fantasia'


Pra ser ruim ainda falta muita coisa. Baseado em um seriado conhecido dos anos 80, A Ilha da Fantasia versão cinematográfica possui um roteiro cheio de falhas, clichês irritantes, uma direção muito infeliz e atores pouco inspirados. Resumo disso? Quase duas horas sonolentas para qualquer cinéfilo que tenha forças para ir até o final desse que podemos afirmar com grandes certezas ser um dos piores filmes desse inusitado ano na indústria cinematográfica. Nada funciona em arcos repletos de problemas. Parece uma compilação de vários filmes ruins da década de 90.

Na curiosa trama dirigida por Jeff Wadlow (Kick-Ass 2), conhecemos um grupo de pessoas que não se conhecem mas ganham uma grande surpresa ao chegarem a uma ilha paradisíaca administrada por Mr. Roarke (Michael Peña), um excêntrico homem que esconde grandes segredos. Após se adaptarem rapidamente à ilha, é dado a chance para cada um dos novos hóspedes de escolher um desejo que assim a ilha o realizará para os mesmos. Isso realmente acontece, só que não da forma/consequência que os hóspedes esperavam.

As subtramas que dividem o roteiro se interceptam em um alucinante mundo do faz de conta sem julgamentos. A questão que seria interessante, o conflito entre o desejo e o racional do impossível é jogado para o canto enquanto o roteiro busca por quase todos os clichês usados em Hollywood para transformar o filme em uma receita de bolo. Parece ser mais uma homenagem ao clássico seriado do que necessariamente um filme interessante. As atuações são terríveis, falta carisma em muitos momentos, não há um personagem que domine alguma sequência em algum instante. Resumindo, cotadíssimo para o próximo framboesa de ouro.

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31/05/2020

Crítica do filme: 'Stupid Young Heart'


As escolhas que temos em nossas vidas. Exibido no TIFF (Festival de Cinema de Toronto), dois anos atrás, e indicado, no mesmo ano, ao Oscar de Melhor filme estrangeiro pela Finlândia, Stupid Young Heart é um profundo retrato sobre a adolescência quando um casal de jovens precisa definir seus futuros com uma gravidez não programada. Intenso e mostrando muitas verdades contidas por aí, o filme ainda aborda a questão da imaturidade, da política e do preconceito em uma parte da Europa gelada e muitas vezes inconsequente. A boa direção fica a cargo da competente cineasta finlandesa Selma Vilhunen, indicada ao Oscar no ano de 2014 na categoria de Melhor Curta-metragem pelo filme Pitääkö mun kaikki hoitaa? .

Hölmö nuori sydän, no original, conta a história de Lenni (Jere Ristseppä) e Kiira (Rosa Honkonen) um casal de jovens que com pouco tempo de um quase relacionamento precisam enfrentar as dificuldades e desafios de uma gravidez. Com movimentos maduros de ritmos completamente diferente, o primeiro acaba muito confuso, com péssimas amizades e busca conhecer um mundo que não conhece mostrando ser influenciado ao extremo por extremistas preconceituosos. A segunda precisa encarar tudo de forma corajosa, sendo duas forças segurando as batalhas que enfrenta durante a gravidez.

Lenni parece que não rompeu o rito de passagem para a aceleração da maturidade pela gravidez da namorada, ainda vive como se nada tivesse acontecendo e acaba sendo levado a um extremismo oriundo de sua falta de boas amizades e de maturidade. Os pais do casal parecem estar alheios aos sofrimentos, o foco é total nas escolhas e nas portas que abrem os jovens que em poucas situações parecem estar na mesma sintonia. O estalo, gatilho, para Lenni não é eminente, o personagem passa por uma grande transformação até encontrar um equilíbrio entre suas diferentes escolhas e suas emoções, há uma cena emblemática no desfecho, ao lado do vizinho imigrante mais velho com que briga durante todo o filme.

Política, complicações na adolescência, grupos extremistas, falando um pouquinho sobre tudo, o roteiro por Kirsikka Saari consegue ir um pouco além da superfície nos guiando em um projeto recheado de entrelinhas que mostram um pouco de uma parte da Europa fria atual e uma visão bastante impactante dos jovens e suas relações de amizade e influência. Um bom filme.

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30/05/2020

Crítica do filme: 'Waves'


Como lidar com os abalos emocionais que preenchem as lacunas do nosso interior? Como começar a escrever sobre um dos filmes mais impactantes que você verá (ou já viu) nos últimos anos? Waves é a reunião de um excepcional roteiro, uma direção impecável e atuações que farão você estar em todos os lugares como testemunha ocular desse belíssimo filme escrito e dirigido pelo cineasta Trey Edward Shults (Ao Cair da Noite). Ao longo dos 135 minutos, dando a impressão de ter duas partes profundamente intercaladas, como se fossem um lado A e labo B daqueles vinis antigos, Waves conquista os corações cinéfilos de maneira arrebatadora. Magnífica obra-prima.


Na trama, conhecemos Tyler (Kelvin Harrison Jr.), um jovem estudante por volta dos 18 anos que faz parte da equipe do colégio de lutas e vive uma bela vida ao lado de sua madrasta Catharine (Renée Elise Goldsberry), seu pai Ronald (Sterling K. Brown) e sua irmã Emily (Taylor Russell). Extremamente pressionado aos seus treinos e em ser o melhor pelo seu pai, Tyler vive um grande conflito interno quando recebe a notícia de que sua namorada está grávida e vai ficar com o bebê. A partir dessa situação se desenrolam fatos que vão marcar para sempre a vida do jovem e também de sua irmã que precisará ter forças para lutar contra pensamentos do seu passado para seguir em frente e tentar encontrar a tão sonhada felicidade.


Profundo, impactante e inesquecível. Cheio de metáforas, câmeras que giram 360 graus, olhares que falam mais de mil palavras, indo fundo sobre os atos e consequências dos mesmos, somos testemunhas de uma tragédia familiar vista por alguns ângulos que debruçam sobre a culpa e o inesperado. Quase um espelho da realidade do lado de cá da telona, vemos tudo que acontece, principalmente as transformações de uma família que parecia perfeita mas que muda toda sua rotina a partir de uma situação que influencia pra sempre o modo como cada um deles observa a vida.


O roteiro é primoroso, duas partes que nos fazem pensar sobre a vida, preenche todos seus arcos com uma profundidade extensa além de uma carga emocional gigante. Os artistas estão excelente, um melhor que o outro, mesmo que Sterling K. Brown e Taylor Russell roubem as cenas em diversos momentos. Merecem o Oscar os dois. A direção é dinâmica, delicada que mete o dedo na ferida mostrando a dor de forma dura, como é do lado da realidade daqui de fora. Waves é um dos grandes filmes da década, e você não pode perder. Bravo!

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26/05/2020

Crítica do filme: 'Radioactive'


A humanidade tem amadurecimento suficiente para descobertas tão impactantes para nosso mundo? Mostrando os dois lados de uma grande descoberta, a radioatividade, através de pequeno fragmentos da movimentada vida da genial cientista Marie Curie, Radioactive, no original, dirigido pela cineasta iraniana Marjane Satrapi (Persépolis) adota a tática dos assuntos em superfície (sem profundidades) para reunir importantes momentos pessoais e profissionais sobre a primeira mulher a ser laureada com um Prêmio Nobel e a primeira pessoa e única mulher a ganhar o prêmio duas vezes. Entre vaias e aplausos, entre choros e felicidade, vivendo à frente de seu tempo, revolucionando o mundo da ciência, essa poderosa protagonista é interpretada com competência pela ótima atriz britânica Rosamund Pike.

Na trama, conhecemos Marie Skłodowska (Rosamund Pike), uma jovem cientista polonesa que vive na França pois onde encontra um berço para seus estudos. Sofrendo de preconceito por ser mulher e ter um gênio complicado de lidar, Marie acaba conhecendo o também cientista Pierre Curie (Sam Riley) por quem logo se apaixona e passa a dividir teorias sobre seu trabalho, chegando a descoberta das infinidades da radioatividade. A partir disso, muita coisa acontece e impacta não só sua vida pessoal mas a maneira com que vão usar todo esse conhecimento sobre radioatividade jogado às conclusões do mundo.

O primeiro arco é bastante corrido e dá a impressão de que teríamos que saber informações que não se completam sobre a personagem principal. As peças vão se encaixando melhor no segundo ato, com auxílios de ambientações futurísticas sobre as conclusões e derivações dos estudos avançados da descoberta feita pela protagonista. A linha tênue entre mostra a Maria na vida pessoal e a na vida profissional acaba deixando o filme com pouca harmonia, exatamente por pensarem em quantidade no que qualidade, exemplificando melhor: correm e mostram a superfície dos conflitos, não vão a fundo. Há uma certa ingenuidade nas licenças poéticas, alguns fatos provavelmente foram recheados com mágica de cinema, dificilmente reproduzidos exatamente como ocorridos.

Exibido no Festival de Toronto no ano passado, independente se o filme é bom ou não, há muita importância aos olhos de novas gerações conhecerem figuras impactantes da nossa história como Marie Curie. Dentre os feitos mais fantásticos no mundo da física e da química, Maria descobriu a radioatividade, algo que fora usado para o bem e para o mal, como cutuca o filme em alguns momentos.

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17/05/2020

Crítica do filme: 'A Música da Minha Vida'


As interseções de um gatilho musical, inspirador, que muda para sempre quem deixar que a mensagem chegue até o epicentro do seu coração. Pouco badalado, no final do segundo semestre do ano passado, passou como uma flecha nos cinemas o drama/musical A Música da Minha Vida. Despretensioso, com um protagonista muito carismático e um roteiro redondo, vai conquistando o público aos poucos. A trilha é uma menção à parte já que o filme, baseado em fatos reais, também pode ser classificado como uma gigante homenagem aos 70 anos de vida, completados ano passado, e aos mais de 50 anos de carreira de um dos maiores da música, o chefe, Bruce Springsteen.

Na trama, dirigida pela cineasta queniana Gurinder Chadha (do bom Driblando o Destino) o longa-metragem nos mostra o retrato da adolescência conturbada e criativa de Javed (Viveik Kalra) que vive com os pais descendentes de paquistaneses na Inglaterra no final da década de 80. Muito dedicado ao estudo mas sem muitos amigos e não aproveitando a vida como deveria por conta de costumes de sua família, certo dia ganha uma fita k7 de um músico que faz muito sucesso no mundo chamado Bruce Springsteen. As canções do ‘chefe’ começam a fazer sentido na vida de Javed e impulsionado pela força dessas letras começa a realizar uma grande revolução em sua vida.

Já disponível em algumas plataformas de streamings espalhadas pela internet, A Música da Minha Vida é uma grata surpresa. Reúne esperança, música boa, avança a superfície de conflitos sobre costumes e preconceitos em meio a uma Inglaterra e sua eclética sociedade. Há crítica social, há momentos puros de musicais que nos fazem lembrar à década de 70/80, ou mesmo de melhor nos ambientar ao que acontecia lá para os que não viveram por lá. Os arcos sobre amizade são muito bonitos, se desconstroem e constroem novamente. Não deixando de lembrar que esse filme é baseado em fatos reais, antes do início dos créditos já vemos fotos históricas do protagonista e seu eterno ídolo na vida real, um belo complemento para a chuva de esperança que assistimos ao longo das quase duas horas de filme.

Procurando uma palavra para definir esse projeto, só meio veio uma: inspirador. Muito difícil, você que não conhece, logo após terminar o filme não ir procurar/pesquisar Springsteen. Um música, um filme, a cultura em geral, mudam vidas. Pena que alguns governantes nunca vão entender isso.  

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Crítica do filme: 'Desejo de Matar' (2020)


Quando a vingança é o único destino que temos. Baseado na obra homônima de Brian Garfield e também no clássico longa-metragem da década de 70 dirigido por Michael Winner, roteirizado Wendell Mayes e protagonizado pelo lendário Charles Bronson, Desejo de Matar (2020), filme já disponível no amplo catálogo da Netflix é um projeto que busca na ação sua força motriz, dessa vez protagonizada pelo eterno John McClane Bruce Willis, mostra a história de contraponto à redenção de uma alma perturbada por traumas que desperta para a violência de maneira inconsequente. Pena que tudo é muito previsível nesse novo roteiro, tendo brilho somente no pequeno espaço que arranja para falar sobre a questão da violência e a própria população se armando para se defender.

Na trama, conhecemos o renomado médico cirurgião Paul Kersey (Bruce Willis), aluno brilhante da prestigiada faculdade de Stanford que vive uma vida praticamente perfeita ao lado de sua esposa Lucy (Elisabeth Shue) e sua filha Jordan (Camila Morrone). Certo dia, a vida do protagonista muda ao avesso quando descobre que sua filha e sua esposa foram baleadas em uma tentativa de assalto a sua própria casa. A partir desse trauma, Paul desperta em si uma parte nunca antes vista, aprendendo sobre armas e virando um justiceiro implacável na cidade de Chicago.

Se não fosse a previsibilidade que compõe os primeiros arcos, essa fita de ação tinha boas chances de estar na galeria dos bons projetos do gênero ação de 2020. Mas não adianta, parece que existem fórmulas hollywoodianas que insistem em estar em todas os filmes. Um copiar/colar que incomoda muito a quem assiste muitos filmes. Bruce Willis, conhecido em filmes de ação, topa o desafio de tentar buscar originalidade em um roteiro não tão brilhante quanto o da década de 70, tenta levar o roteiro nas costas muito por conta de seu intenso carisma mas acaba naufragando junto com todo o resto.

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09/05/2020

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Crítica do filme: 'A Maratona de Brittany'


Os benefícios mental e corporal a partir de mudanças chaves na nossa rotina. Cinema é um ótimo jeito de conscientizar pessoas ao redor de todo o planeta, com esse pensamento o debutante em roteiros e direção cinematográfica de longas-metragens Paul Downs Colaizzo resolve contar com bastante realidade e de maneira muito objetiva, a trajetória de uma mulher que entra em uma auto descoberta sobre a vida perto dos 30 anos e revoluciona sua maneira de pensar, agir e se cuidar. Exibido no Festival de Sundance no ano passado, e passando quase desapercebido pelo circuito exibidor brasileiro, o projeto conta com ótima atuação da atriz Jillian Bell.

Na trama, conhecemos a baladeira e descompromissada com a vida Brittany (JIllian Bell), uma mulher de 28 anos, gordinha que não consegue se encontrar em nenhuma parte de sua vida. Após uma consulta de rotina ao médico, descobre que seu corpo vai muito mal das pernas e resolve mudar da água pro vinho sua rotina, começando pelo grande desafio de conseguir correr todo dia na rua para se exercitar. Essas corridas logo se transformam em bem estar, amizade, mudança radical na sua rotina e assim, batalhando contra sua mente do passado, ela foca para encarar todos os desafios que a vida lhe coloca.

Impressionante como em menos de duas horas de fita, um projeto consegue tocar em tantos pontos importantes na vida de uma pessoa. Muito bem filmado, o espectador se sente a todo instante, de alguma forma louca que só o cinema consegue, interagindo com a personagem, interpretado pela ótima Jillian Bell (que perdeu cerca de 40 quilos durante as filmagens, assim como sua personagem durante o curso do filme). As lições sobre as amizades positivas e negativas, o preconceito (a parábola do segurar ou não a porta do metrô é excelente), as oportunidades que batem a porta e precisamos estar preparados, luta de viver numa cidade grande, concorrência para conseguir um bom emprego, o roteiro navega de maneira deliciosa por esses e outros ótimos temas sempre tendo como pano de fundo as ações e reações da protagonista.

Baseado na vida de Brittany O'Neill, como deixa claro no final, nos créditos, A Maratona de Brittany é um despertador de emoções muito bonito. Acredito na premissa de que quem assiste a esse filme pode também conseguir querer mudanças, lutar e ser feliz. No final das contas, o que importa é como nos vemos, não os outros.

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07/05/2020

Crítica do filme: 'Sem Palavras'


Sempre teremos tudo aquilo que quisermos, mas, às vezes, só o tempo dirá quando. Navegando pelo caótico universo capitalista e competitivo que vivemos, somos testemunhas de mais um brilhante refém dos nossos tempos, que consome sua vida de Workholic se cuidando mal e dando pouco valor a sua família. Dirigido pelo cineasta francês Hervé Mimran, em seu terceiro longa-metragem no currículo, Sem Palavras é um filme guiado por um assunto complexo mas que tem no leme um dos mais habilidosos artistas do mundo, especialista em caminhar entre o drama e a comédia de maneira elegante e muito carismática, o fantástico Fabrice Luchini. A melancolia que estaciona entre alguns arcos deixa o filme pouco dinâmico mas com Luchini em cena tudo pode mudar em minutos, ele puxa para si a responsabilidade de emocionar. E consegue. A história é inspirada no livro J'étais un homme pressé de Christian Streiff. ex-CEO da Airbus e da Peugeot Citroen.

Na trama, ambientada na mais famosa cidade francesa e seu enorme centro egocêntrico de concorrência coorporativa, conhecemos o brilhante professor e homem de negócios Alain Wapler (Fabrice Luchini) que passa mais tempo no trabalho do que em casa, tendo pouca proximidade com a filha, principalmente após a perda da esposa. Durante uma semana corrida e cansativa, Alain tem um AVC que afeta seu cérebro na região da memória e onde grava palavras, assim, precisa passar um tempo longe do trabalho para se recuperar e conta com a ajuda de sua filha Julia (Rebecca Marder) e da Fonoaudióloga Jeanne (Leïla Bekhti). Com o passar dos dias Alain percebe que sua vida entrou em uma grande e inesperada mudança.

O ritmo acelerado do início é para marcar o território da personalidade forte do protagonista, praticamente um extenso tapete vermelho que ligará os pontos no futuro com a intensa transformação que passa o personagem principal ao longo dos 100 minutos de projeção. Como já comentado, os arcos variam muito, há uma tríade criada com a chegada de Jeanne importante que mostra um pouco além da ótima personagem, seus dramas no campo amoroso e na descoberta maternal.

Recheado de analogias, fator super positivo, em uma cena específica, quase sem palavras muito se diz, nessa, há uma belíssima comparação fina entre a letra de uma canção emblemática, inclusive a cena do filme que tem essa música aparece, nos guiando a preencher lacunas e a pensar, será que agora o pai lidará com a possibilidade de melhorar o relacionamento com sua única filha? Veja o filme e saberá a resposta! Vale por Luchini.

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05/05/2020

Crítica do filme: 'Ordinary Love'


Não haverá um minuto em que não estrei com você. Exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Toronto no ano passado, o drama Ordinary Love, com estreia apontada para outubro no Brasil, é encontro de dois grandes atores mostrando a vida como ela é. Um primoroso roteiro, inclemente, profundo mais próximo da realidade do que nossos corações permitem para não se emocionar. Das atuações em perfeita harmonia, Leslie Manville e Liam Neeson, parece que enxergamos esse casal numa volta na praia, ou correndo por aí em alguma pista para pedestres esportistas amadores. Dirigido pela dupla de cineasta Glenn Leyburn e Lisa Barros D'as, Ordinary Love é uma devastadora história sobre amores, união e perdas.

Na trama, conhecemos o harmônico casal Joan (Lesley Manville) e Tom (Liam Neeson) que vivem seus dias animados e com uma união de anos em perfeita sintonia mesmo com os fortes abalos de uma tragédia anos atrás. Mas, a rotina do casal que adora realizar caminhadas matinais, é mudada abruptamente quando a primeira é diagnosticada com câncer de mama e precisa iniciar o tratamento por quimioterapia. A partir dessa situação o relacionamento dos dois muda mas o amor que vive no lar deles é preparado também para enfrentar qualquer tristeza.

Os conflitos durante o tratamento pela quimioterapia expõe os limites emocionais que cada parte do casal chega. Por meio de metáforas delicadas inseridas nas emoções, medos e resistências da protagonista, fruto do magistral roteiro assinado por Owen McCafferty, como a cena do sonhar de um trem partindo e o marido do lado de fora. Essa analogia mostra muito sobre as emoções desse momento delicada que ela enfrenta. A cena do diálogo de Nesson conversando e dizendo tudo que sente sobre a situação com ele enfrentada em frente ao túmulo da filha é algo que emociona numa escala inimaginável, só vendo e sentindo a força dessa cena.

Mas o que seria um bom filme sem dois grandes atoes em cena? Manvile e Neeson nasceram para esses respectivos papéis. A sintonia é enorme, parece que estamos abrindo a porta de casa e encontrando à luz da vida de um casal de vizinhos ou mesmo de lembranças de histórias que nos contam na realidade. A atuação dos dois já vale o ingresso mas Ordinary Love ainda tem muitos outros méritos e merece uma chance nas suas escolhas sobre ‘qual filme quero ver nesse ano’.

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04/05/2020

Crítica do filme: 'A Ilha dos Assobios' (La Gomera)


Quanto mais você aprende sobre as coisas peculiares, mais o universo deposita um vale de sorte. Depois de conquistar a atenção dos cinéfilos nos ótimos A Leste de Bucareste (2006), Polícia, Adjetivo (2009) e O Tesouro (2015), o cineasta romeno Corneliu Porumboiu volta às telonas com mais uma retrato instigante da natureza humana que mistura características peculiares envoltas em uma trama muito bem amarrada. A Ilha dos Assobios, La Gomera no original, concorreu a palma de ouro em Cannes no ano passado. Mais um vez, Porumboiu brinca entre o drama e a tragicomédia apresentando uma forte história que fala sobre escolhas e assobios. Ótimo!

Na trama, conhecemos o indeciso policial Cristi (Vlad Ivanov), um homem que é meio que um agente duplo: policial e joga também do lado do crime. Ele é envolvido em uma trama onde é pressionado por Gilda (Catrinel Marlon), esposa de um chefe de uma gang a libertar esse em uma prisão que fica numa ilha, onde um peculiar dialeto é o jeito mais seguro de se comunicar. Tendo que aprender as regras gramaticais dos assobios, o policial precisa definir de que lado está nessa grande enrascada.

Podem perceber que todo filme bom começa com um ritmo meio confuso mais aos poucos, quando as peças se encaixam, tudo fica mais nítido, um deleite pro cinéfilo. Usando da excentricidade para contar uma saga descontrolada de um homem sem mais nada a perder na vida (pois tudo que fez até aqui fere seus princípios) até encontrar o amor novamente, Porumboiu encaixa elementos de plano de fundo cirúrgicos, de vez em quando cronologicamente misturados que fazem o espectador entender o que ta vendo não pelos arcos mas por uma ótica de transformação do protagonista. É como se a cada sequência do personagem principal abrisse uma porta e nos levássemos junto a ele para saber o que tem lá dentro, uma jornada com tentativa de ser original o tempo todo, um frescor no meio de tanto mais do mesmo que assistimos por aí.

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30/04/2020

Crítica do filme: 'Bait'

Quando a técnica de filmagem se sobrepõe e faz tudo ganhar sentido na características dos personagens. Bait, tá aí um filme extremamente interessante! O cineasta Mark Jenkin, que assina a direção e roteiro dessa pérola com passagem pelo Festival de Berlim e vencedor de um BAFTA, resolveu usar 130 rolos de filme Kodak que viraram um 16mm todo em preto e branco para mostrar aos cinéfilos as possibilidades de criatividades, não só narrativas mas de técnicas quando pensamos sobre um filme. Simples e complexo, dramático e pulsante, um baita achado na galeria dos bons filmes exibidos em festivais nos últimos anos.

Na trama, conhecemos o emburrado pescador Martin Ward (Edward Rowe), um homem de poucas palavras, que possui um sonho de ter um barco só dele para ganhar mais dinheiro e buscar uma felicidade ainda distante. O protagonista possui um péssimo relacionamento com o irmão Steven (Giles King), pois, esse usa o barco que foi do pai deles como transporte turístico e não para pescar conforme as tradições da família. Além disso, Martin confronta a tudo e a todos buscando preservar a parte da cidade que mais conhece da maneira como ele sempre conheceu. Mas, no meio tempo de tudo isso, uma tragédia acontece e isso pode mexer nos planos do destino de Martin.

O modo como fora filmado, belíssimo, que teve até que ter todos os diálogos dublados em estúdio, às vezes pode atrapalhar nossa análise sobre essa pequena relíquia cinematográfica. Há um complemento entre a técnica utilizada e as características dos personagens, o preto e branco carrega no ar a essência de seu protagonista, alma pesada, emoções de um protagonista cheio de problemas. Tudo se encaixa muito bem principalmente quando conhecemos os porquês e as consequências de tudo que assistimos. Ainda há tempo do roteiro abordar como subtrama jovens e descobertas do amor, os impactos e embates da mudança de rota do turismo de uma região tradicional, relacionamento familiar, ciúmes de irmão.

O interessante é que se formos analisar a fundo, percebemos que dá para se entender o filme de trás pra frente, ou ao contrário. Jenkin mostra aos cinéfilos que a simplicidade usada com criatividade, é uma arma impactante de quem busca uma originalidade tão necessária na mesmice de nossos tempos.
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Crítica do filme: 'Bad Education'


Li essa frase em algum lugar recentemente: ‘A ganância insaciável é um dos tristes fenômenos que apressam a autodestruição do homem.’, não sei de quem é mas ela ilustra muito bem o que assistimos no ótimo longa-metragem produzido pela HBO, Bad Education. Lançado a poucos dias no Brasil, o projeto busca recriar um dos maiores escândalo envolvendo roubos quando falamos na ajuda que o governo norte-americano oferece as escolas públicas. Reunindo uma série de situações que mostram toda a ganância e princípios evidentes de sociopatia dos envolvidos, o filme além de bombástico do ponto de vista humano é um espetáculo de boas atuações do ponto de vista cinematográfico. Hugh Jackman, na pele do protagonista, mostra que como herói ele foi muito bom ator mas como vilão é muito melhor.

Com direção de Cory Finley (em seu segundo longa-metragem) e roteiro assinado pelo nova iorquino Mike Makowsky (baseado no artigo de Robert Kolker para a New York Magazine), Bad Education, conta a história de duas pessoas amadas pela comunidade de Roslyn (Nova Iorque), nos Estados Unidos, Pam Gluckin (Allison Janney) e Frank Tassone (Hugh Jackman). A primeira é uma espécie de chefe do financeiro e o segundo o chefe da administração da escola. Dois exemplares funcionários que conseguiram levar, junto com o resto da equipe, a escola pública de Roslyn até a quarta posição no ranking nacional de escolas públicas. O problema é que após um deslize e uma investigação amadora feita por uma aluna que faz estágio no jornal da escola, colocam em xeque a personalidade e caráter dessas duas figuras.

Os absurdos do roubo que acontece é vista muito pela ótica de Tassone, um homem respeitado pela comunidade, cheio de manias, metrossexual e que parece ter o mundo em suas mãos. Quando seu castelo de cartas começa a desmoronar, principalmente quando Pam é ‘condenada’ pelo conselho que achou suas falcatruas, o personagem entra em uma grande transformação, ou melhor, aquela parede que não nos permitia enxergar quem ele realmente é, cai por terra levando-o a uma série de cinismos e um relacionamento extraconjugal mais prolongado. O mais chocante disso tudo é que ninguém desconfiava de nada, pois, a escola era uma das referências na região, fazendo inclusive aumentarem os próximos dos imóveis que a cercavam.

O roteiro, que possui arcos muito bem definidos, alterna ótimos diálogos com cenas impactantes de como a ganância deixa uma pessoa completamente cega e que no final do dia vale mais a pena ver chorar a outra família do que a sua, pelo menos para os envolvidos nesse roubo que ocorreu de verdade em 2004 (inclusive, o roteirista Mike Makowsky era aluno do high school numa região próxima ao ocorrido.).

Um ótimo filme, profundo, impactante e que mostra verdades chocantes de um escândalo que abalou as estruturas do ensino norte-americano.

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Crítica do filme: 'Bloodshot'


A vingança é o propulsor de qualquer pessoa que não consegue tirar isso da cabeça. Um dos blockbusters mais atingidos pela pandemia do coronavírus desse ano, Bloodshot, baseado na HQ homônima de Kevin VanHook, Don Perlin e Bob Layton da Valiant Comics, é um filme de ação com méritos que busca suas razões e objetivos a partir das memórias e dos arranjos maquiavélicos tecnológicos que o ser humano pode por enquanto pensar. Entradas triunfais, frases de efeitos, espaços neurais, egocêntrico vilão, projeções tecnológicas futurísticas, plot twist, clichês de filmes do gênero... tem de tudo nesse pipocão que na média final passa de ano, é muito melhor que muitos outros blockbusters de ação lançados nos últimos anos. Na pele do protagonista, um morto agora vivo soldado de alta liderança, o rosto da franquia Velozes e Furiosos, o carismático Vin Diesel.

Na trama, conhecemos um experiente soldado chamado Ray Garrison (Vin Diesel) que é morto por um bandido que também mata sua esposa. Final do filme? Nada disso. O soldado é ‘ressuscitado’ por uma nova tecnologia criada pelo egocêntrico Dr. Emil Harting (Guy Pearce) que transforma seu corpo em uma indestrutível máquina de matar. Assim que acorda, Ray só tem um objetivo: caçar o assassino da sua esposa (e o dele também, no caso). Mas, nada é o que parece nesse filme repleto de adrenalina.

Viver é não saber o que está por vir. O filme tem uma reviravolta importante que praticamente abre o arco mais importante do roteiro. Com o alicerce da premissa da trama caindo por terra, o roteiro muda o jeitão do filme de somente cenas sanguinárias para um pouco de história e tecnologia. Mas não se iludam: tiro, porrada e bomba continuam nessa ficção científica repleta de efeitos onde o objetivo do protagonista, como todo bom ‘anti-herói’ de filme de ação desde os primórdios do cinema, é a única coisa que importa. Um filme de ação ok, bom pra distrair nesses tempos de pandemia e quarentena.

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Crítica do filme: 'Encontros'


Os lamentos de dois corações amargurados pela natureza melancólica. História de amor? Drama existencial? Críticas ao melodramático viver? Classificar o novo filme do cineasta francês Cédric Klapisch (dos ótimos Albergue Espanhol e Bonecas Russas) é muito difícil, o que pode ser muito positivo para quem tem faro macro sobre a ótica da vida. Não é um filme bonito, é um filme que se aproxima de muitas almas na realidade, então, joga limpo, é despido de entrelinhas não decifráveis, o gesto fala mais que muitas palavras. Há bloqueios para amar, outras preocupações ocupam a mente desses jovens, sozinhos em uma cidade enorme como Paris.

Na trama, conhecemos Melanie (Ana Girardot) e Remy (François Civil), dois jovens que estão em Paris sozinhos tentando buscar novas realizações profissionais, cada um de sua forma. Ela, pesquisadora farmacêutica, ele, um funcionário de uma empresa grande que acaba de ganhar uma vaga em um novo setor. Duas almas completamente diferentes mas que possuem a interseção da melancolia diária, atolados de emoções que não conseguem decifrar. Assim, vamos caminhando nessa crônicas dos tempos modernos onde o encontro é um mero detalhe.

Para quem gosta de filmes redondinhos, que seguem as cartilhas, mudem de opção na hora de escolher o que assistir. Encontros é profundo, cheio de detalhes, foge do que achamos que vai acontecer a todo instante. Surpreendente? Nem tanto mas com pitadas generosas de crises existenciais que já vivemos ou já ouvimos de algum amigo ou conhecido. A psicoterapia ganha bastante espaço nessa ótica moderna da depressão e seus desenrolares, até mesmo o próprio doutor entra na melancolia e vira paciente em determinado momento.

Surfa na onda de alguns outros filmes onde os protagonistas não se encontram ou demoram para se encontrar, o roteiro foca em contar uma história com duas óticas onde, de fato, vemos a bifurcação no ato final. Delicado, o roteiro perde ritmo facilmente, o que pode incomodar aos menos sensíveis. Não há um grande clímax, quem busca isso em um filme, também, pode descartar assistir a esse. Nesse projeto, o que conta é o todo, dois caminhos em busca de um mesmo objetivo: ser feliz.

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