Escrito e dirigido pelo estreante em longas metragens Rafael
Primot, o suspense – quase tragicômico - Gata Velha Ainda Mia é um daqueles
filmes que ficarão guardados na memória do espectador por conta da ousadia nos
diálogos e pelas surpresas lúgrubes. O público tem a sensação de estar em uma
peça de teatro daquelas que sabemos que todos vão aplaudir de pé ao fim do
espetáculo. Um cenário, duas fortes personagens e um bate papo culto sobre memórias
de uma vida bem vivida é a porta de entrada deste ótimo trabalho.
No engatinhar do gato, nas memórias e citações de Mark Twain,
conhecemos a comedora de carne de girafa, Gloria Polk (Regina Duarte),
jornalista com dezenas de livros publicados que resolve abrir as portas de sua
casa para dar uma entrevista sobre seu novo trabalho - ela não produzia uma
grande obra há 17 anos - para Carol (Bárbara Paz), uma jovem e talentosa
jornalista casada com o ex-marido de Gloria. Aos poucos, a entrevista vira um
imenso desabafo de ambas às partes sobre a vida, sentimentos, relacionamentos,
perdas e ganhos.
O roteiro é excelente. Dinâmico, inteligente, beira ao
brilhatismo com as descontruções dos obejtivos dos personagens, principalmente
depois que somos expostos às surpresas escondidas com maestria durante todo o
filme. Referências cinéfilas à um grande clássico do cinema, Gata
em teto de Zinco Quente (1958) e uma piada muito engraçada – um pouco
debochada – ao famoso autor, conhecido mundialmente, Paulo Coelho aparecem como uma sobremesa na ótima história.
Regina ‘Kathy Bates’ Duarte conquista a plateia na pele da
enigmática e fascinante Gloria Polk em poucos minutos. Sua personagem, confusa,
misteriosa e inteligente possui um carisma bem específico, complicado de explicar.
Muito difícil a veterana artista global não levar o Prêmio de Melhor Atriz do
Festival do Rio 2013. A coadjuvante, Bárbara Paz (Se Puder, Dirija...),
também convence na pele da delicada jornalista Carol. Ambas conseguem criar a
atmosfera necessária para não deixar o público desgrudar os olhos do que
acontece na tela.
Uma surpresa macabra e inesperada marca o desfecho,
transformando o filme em uma espécie de Louca Obsessão (1990) tupiniquim. Por
um lado é interessante, o público é levado ao epicentro da mente problemática
de uma mulher em conflito. Só que por um outro lado, as consequências desta
surpresa acabam confundindo um pouco o público, principalmente quando os
exageros acontecem.
O espectador sai da sala de cinema surpreso e com a sensação
de que presenciou um grande debate sobre duas diferentes gerações. Nesse
debate, não há razão para acreditar de que há um vencedor, afinal, denegrir o
presente é quase uma louvação ao passado.