Em qual língua você sonha? Depois de uma série de filmes sem
expressão pelo mundo do cinema, o cineasta francês Arnaud Desplechin consegue
finalmente alcançar um certo brilho em sua estrela apagada. Com ótimas tomadas
e movimentos intrigantes de sua nervosa câmera consegue que uma história densa
se torne um delicioso passatempo para quem curte cinema de boa qualidade. Jimmy
P. é o tipo de filme que vai te conquistando aos pouquinhos chegando ao
seu clímax quando os seus personagens principais, maravilhosamente
interpretados por Benicio De Toro e Mathieu Amalric, passam da necessária superficialidade
dos diálogos ao embarque em uma linda jornada de amizade e profundidade dessa
relação.
Na trama, conhecemos o introvertido Jimmy Picard (Benicio
Del Toro), um índio católico, ex-soldado, que após um grave acidente na guerra teve seu pedido de dispensado aceitado pelos
militares norte-americanos. Quando volta para casa de sua irmã começa a ter
diversos casos de tonteira e cegueiras parciais. Assim, sua irmã resolve
procurar ajuda e o leva a um centro de tratamento vinculado ao exército. Após
séries intensas de análises e baterias de exames a todo instante, a alta cúpula
do hospital fica perdida por não achar um diagnóstico lógico para o que Jimmy
tem. Nessa hora, entra em cena o antropólogo Georges Devereux (Mathieu Amalric),
um mulherengo, hiperativo e genial profissional que fará de tudo para tirar Jimmy
dessa situação.
Os diálogos, carregados de sotaques, cada qual no seu qual, ganham
certo destaque na trama. O público se surpreende quando aqueles papos muito
loucos no começo da história se tornam ferramentas inteligentes para
entendermos melhor os dois ótimos personagens. O quebra-cabeça de sonhos,
analogias e esquisitas verdades são interpretadas brilhantemente pelo
antropólogo interpretado por Amalric. Falando de maneira leiga e deveras
audaciosa, é uma espécie de confronto amistoso entre a corrente de sonhos de
Jung e as espertezas sobre a sexualidade, essa, de Freud.
Somos apresentados ao protagonista, a princípio, pelos olhos
preocupados de sua irmã (interpretada de maneira muito competente pela atriz Michelle
Thrush), a mais velha dos irmãos que estudou durante toda sua vida na escola
dos missionários e acabou casando com um importante funcionário de uma tribo
indígena. A relação antes conflituosa com seu irmão, ao longo dos anos se
tornou maternal, em poucas cenas já percebemos isso. Um dos pesares do filme é
essa rica personagem aparecer apenas no início da história.
O trabalho de Del Toro e seu personagem é meticuloso,
espanta pela verdade que passa em cada palavra pronunciada. O ganhador do Oscar
mostra mais uma vez como é um artista versátil. Mas quem comanda o show é o
francês Mathieu Amalric, a alma da história passa pela sua intensidade e
sagacidade em buscar uma solução para o paciente em questão. A dupla consegue manter
a atenção do público nessa longa trama de quase duas horas.
Passado no ano passado
para a exigente plateia e júri do Festival de Cannes, Jimmy P. é um daqueles
filmes que acaba mas não termina, por conta das inúmeras discussões que vai
gerar. Um prato cheio para qualquer estudante de antropologia, psicologia,
psiquiatria e para todo mundo que gosta de filmes feitos para refletir. Não
importa em qual língua você sonha, Jimmy P. mostrará a você que o importante é superar
os traumas e ser feliz.