Produtor, roteirista e diretor. Paulo Fontenelle tem uma vasta carreira
no audiovisual brasileiro. Grande cinéfilo, já dirigiu documentário, filme de
suspense, comédia, além de seriados, um inclusive rodado dentro de um cinema. Sempre
tranquilo e bom de papo, o nosso convidado de hoje tem muita coisa boa para nos
contar. Uma grande honra ter o Paulo aqui nesse nosso especial.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação?
Detalhe o porquê da escolha. Artplex. Porque tem uma programação variada, tantos com filmes de
arte quanto com filmes comerciais.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
E.T. - O extraterrestre.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Difícil nomear um diretor favorito, pois eu sou um cara que
gosto dos mais variados gêneros. Vou desde Terrence
Malick até Spielberg. Kubrick, Bunel, Coppola, George Lucas,
Tornatore, Hitchcock, Capra, Chaplin, Kusturica, Sabu, Wong Kar Wai, Park
Chan-Wook, John Hughes, Bergman, Blake Edwards. A lista segue imensa, não
tenho como nomear um diretor só.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Sou péssimo nessa questão de filmes favoritos. Não tenho
aquele filme que me marcou acima de todos os outros. Penso em vários, temos
vários filmes brasileiros geniais.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Ser cinéfilo sempre foi gostar de ver muitos filmes, dos
mais variados gêneros e formatos, mas hoje também adoro séries. Então acho que
o termo tomou um significado maior, em relação ao audiovisual como um todo.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por
pessoas que entendem de cinema?
De cinema em si, não. Mas com certeza por pessoas que
entendem do business cinema e do que tem mais chance de retorno de bilheteria.
Entendo que o foco das salas de cinema é (e precisa ser) esse, o de vender
ingresso, mas as vezes sinto falta de um risco maior, principalmente por filmes
brasileiros.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Não. Cinema é um ritual. É algo que você faz com seus filhos
no final de semana. Cinema não é só ver filmes, é sair de casa, comprar o
ingresso, a pipoca, o lanche. Meus filhos farão com os deles e assim por
diante. É eterno.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Tem um milhão de filmes desconhecidos que nem entram em
listas cults. Mas o que me vem a cabeça imediatamente e que acho que quase
ninguém viu é o Postman Blues do Sabu.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Acho que sim. Com higienização e distanciamento entre os
espectadores, mas acho difícil as pessoas irem ao cinema antes da vacina.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Acho que está melhorando, mas ainda temos muito a crescer. O
problema do cinema brasileiro é cultural, de formação mesmo. O grande problema
é que as referências de nossos profissionais são novelas e teatro, porque isso
foi o mais forte no Brasil por muitos anos. Agora está mudando, mas as séries
estão ganhando mais força do que os longas. Eu fui professor em uma
universidade de cinema e senti na pele o complicado dessa formação. Além do
que, temos poucas oportunidades para os jovens que estão começando. Mas acho
que de uns anos pra cá temos melhorado muito em qualidade técnica e produzido
muita coisa legal.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Engraçado que eu não tenho essa cultura da idolatria. E
então não tem ninguém que eu não perca um filme. Mas tem sempre os que chamam
mais sua atenção.
12) Defina cinema com
uma frase:
A melhor terapia de
todas.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.
Engraçado. Estou aqui tentando lembrar de uma história, mas
tá difícil. Quando vou ao cinema não me ligo muito no universo a minha volta.
Desligo mesmo. O que é ótimo. Claro que já vi bebês chorando, pessoas que não
calam a boca, brigas por causa de celular e porque pessoas insistem em chutar
nossas cadeiras, mas nada muito fora do comum. Um amigo me contou sobre dois
caras que chegaram as vias de fato por causa disso e as namoradas, ao invés de
apartar, acabaram brigando também, mas eu não estava nessa sessão. Uma história
triste e desesperadora (Rs) foi quando eu fui ver Vingadores: Guerra infinita. Eu fui sozinho e fiz questão de ir
numa segunda de tarde, pra pegar o cinema vazio. Na bombonière tinha uma
promoção de coca-cola 500ml, como o filme era longo, acabei comprando. O
problema foi que coca-cola associada ao ar condicionado super frio (por conta
do cinema vazio) é o maior diurético do mundo. A vontade insuportável de fazer
xixi demorou, mas surgiu assim que o Thanos chegou em Wakanda. O problema é que
ainda teve uns 20 minutos de filme. Levantei rapidamente depois que ele estalou
o dedo, mas lembrei da cena pós créditos e sentei de novo. Acho que foram os
maiores créditos de filme da minha vida e talvez um dos xixis mais aliviadores.
Kkkkkkkkkk
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Coisas que só o cinema permite que aconteçam.
15) Você é cineasta.
Qual dica você daria para os jovens que sonham em ser diretor de cinema? O
mercado audiovisual no Brasil é muito complicado?
Eu não mentiria. Nosso mercado é muito complicado mesmo. Pra
fazer cinema no Brasil você precisa ter muita certeza do que quer. E então se
for realmente o que você deseja, o primeiro conselho é ver filmes, ver making
ofs, se informar o máximo que você possa sobre técnicas e sobre teoria. E então
procure participar de produções, fazer assistências, trabalhar com pessoas
legais. E seja sempre humilde. Não, você não sabe mais do que as pessoas que já
fazem isso há anos só porque você viu mil filmes e tem um bom gosto
cinematográfico. Seja humilde, escute as pessoas, aprenda. Seu maior erro será
sempre o seu ego. Ele vai te fechar portas, te afastar de pessoas legais. Meu
principal conselho é a humildade.
16) Você tá com um
filme fraquinho aí pra ser lançado, um documentário sobre a banda Blitz. Nos
fale como teve a ideia desse projeto.
Na verdade o documentário da BLITZ não foi uma ideia minha, foi um convite da produtora Vira Lata, através do produtor Gabriel Correa e Castro. O editor Bruno Miod estava dando aulas de
finalcut para o Evandro Mesquita e
teve a ideia do filme. Eu estava escrevendo o roteiro do documentário do Palace 2 para a Vira Lata na época, já
conhecia o Gabriel há muito tempo e ele conhecia o meu trabalho como
documentarista, então rolou o convite. E foi uma experiência incrível, não só
fazer o filme em si, mas a parceria com o Gabriel e toda a equipe. Tanto que já
temos outros projetos juntos em desenvolvimento. A história da BLITZ é única. A
maior parte das pessoas só conhece a banda, as músicas, mas não tem ideia da
revolução que ela causou na música brasileira, Não tem noção de que, se não
fosse a Blitz, talvez não tivesse acontecido o Rock BR, que veio logo depois e
revelou tantas bandas que nós amamos. Fora isso, quando eu faço um documentário
me envolvo muito com meus documentados. É natural que criemos uma relação,
porque eu acabo entrando na intimidade de suas vidas. Pode me aproximar de
pessoas de quem fui fã quando criança foi demais. A Blitz foi a união de vários
gênios da música, do teatro, do design e do audiovisual. São tantos nomes que eu nem tenho como listar
aqui sem deixar ninguém de fora.
17) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Já vi muitos filmes ruins, mas o que me marcou ultimamente
como uma das piores coisas que já vi (senão a pior) foi o final de uma série
chamada Transparent. Eles fizeram um
episódio longa-metragem de duas horas de duração para encerrar a série, pois
tiveram problema com o elenco. É horroroso. A série mistura, em suas
temporadas, drama, comédia, conteúdo forte. Esse longa final é um musical
idiota e o pior é que não respeita nada o que vimos do desenvolvimento dos
personagens durante 4 ou 5 temporadas. Pra você ter uma ideia, uma mulher, que
vimos como um rabina judaica om problemas de relacionamento, mas uma pessoa
normal, começa a dançar do nada, vestida de sado masoquista e o pior, ela faz
parte de um "clube" para meninas que ficaram menstruadas. É realmente
o pior de todos, indescritível.
18) Você foi o
diretor de um seriado que se passa em um cinema. Você pode falar mais sobre
esse projeto e quando lança?
Sim. Coincidentemente acabei de trabalhar em dois produtos
audiovisuais que tem relação direta com salas de cinema. A série Cinema Café e um filme de terror. A
série conta a história de um casal de amigos que investem num cinema de rua e o
transformam num multiplex. Ela é focada em filmes comerciais, que façam
bilheteria, pois precisa pagar o investimento e fazer a roda girar. Ele é
apaixonado por filmes de arte. A guerra dos sexos é inevitável. Cinema Café é uma comédia com grande
elenco. Paloma Duarte, Bruno Ferrari,
Aline Riscado, Camilo Bevilaqua, Juliana Silveira, Heitor Martinez, Alexandre
Lino, Saulo Rodrigues, Rosane Gofman, entre vários outros. Está
praticamente pronta, mas o lançamento depende do canal exibidor. Com a pandemia
tudo foi adiado e os prazos estendidos. A série foi toda filmada no cinema Reserva Cultural em Niterói, uma
locação maravilhosa que, além de ser uma obra de Oscar Niemeyer, ainda por cima
tem uma vista linda da Baia de Guanabara.