23/09/2020

Crônicas de um Cinéfilo Solitário #2 - Meses sem cinema, uma lacuna insubstituível


Quando começou essa fase louca de nossas vidas em 2020, acredito, que ninguém esperava um impacto tão grande em nosso cotidiano. Uns estão conseguindo se recriar como pessoas, outros piorando como ser humano...alguns nem aí. Nenhum cinéfilo pensou algum dia que todas as salas de cinema do planeta fechariam suas portas por conta de uma epidemia que só fora visto algo parecido naqueles filmes tensos de infecções generalizadas ou até mesmo nos filmes de zumbis que sempre aparecem ano após ano. Algumas pessoas enlouqueceram ao ponto de virarem corajosos guerreiros virtuais apontando dedos e não respeitando a opinião dos outros. A indústria cinematográfica em completo caos, somado, aqui no Brasil, a um governo que parece ter riscado cinema ou qualquer arte de suas prioridades. Ah! Mas tem os streamings, mas é a mesma coisa? Tudo muito confuso, tenso e cheio de discordâncias. Mas aqui vamos tentar falar um pouquinho daquele sentimento gostoso de sentar em uma sala de cinema e ver um filme e o que quanto isso faz falta em nossos dias tão nublados.

Qual o impacto para alguém que ama estar em uma sala de cinema muito por conta do seu impacto calmante? O que fazer sem sua dose certeira de um certo oásis em meio caos diário de nossas rotinas repletas de emoções? Não dá pra descrever! Anos 90 sem a banda Raça Negra, Nicolas Cage sem filmes ruins, a banda Roupa Nova sem fazer parte de trilha de novelas... estar sem cinema hoje é tão enlouquecedor quanto pensar nesses paralelos verdadeiros. Para os mais intensos cinéfilos, a falta das salas de cinema está fazendo muito mal. Bravuras políticas, invejosas, ou não, nunca vistas em suas realidades antes aparecem pelos meios perigosos e as vezes sombrios das redes sociais onde se tornou nessa pandemia em um imenso faroeste onde atiram frases soltas sem remetentes tentando mirar quem veste a carapuça para assim se começar brigas que poderiam nem se iniciar caso o respeito pela opinião do outro fosse respeitada. A verdade nesses casos, é que esses valentes da internet que transmitem gostar e entender mais de cinema do que os outros são na verdade pessoas tristes que sentem falta de sua forma de sonhar, a tela enorme de um cinema. Ali, numa sala de cinema, a cada interpretação que faz do que acontece na tela, vira um reflexo do pensar, acalma, isso acaba sendo um antídoto contra babaquices em uma zona virtual. Sem o antídoto, já viram né...vira loucura. Mas o cinema é democrático, até gente chata pode gostar dele.


Me solidarizo com os profissionais audiovisuais que estão sem trabalhar, ou que vivem de alguma forma dessa indústria que entrou em um quebra-cabeça complicado de resolver. Ver seu ganha pão acabar de uma hora para outra é angustiante. Mesmo sabendo que muitos da alta gerência, que tomarão decisões sobre reaberturas e tal, passam longe de gostar de assistir a um filme numa sala de cinema. Anos atrás, quando entrei nessa indústria cinematográfica com a força e vontade de um amante da sétima arte em mudar toda uma dinâmica, percebi logo que são poucos os que entendem e amam cinema a ponto de quererem mudanças profundas em uma indústria dominada por grandes empresas. Alguns dos que amam cinema realmente e trabalham nessa indústria, tem medo de represálias por expressarem opiniões ou quererem mudanças, isso ficou óbvio com o desespero, a meu ver precipitado, no movimento dos exibidores em abrirem as salas de cinema, com venda de comida, em um mundo ainda sem vacina.  


E os streamings? Netflix, Amazon, Mubi ou qualquer outra ótima ferramenta dos novos tempos NUNCA irão substituir assistir a um filme em uma sala de cinema. Seja ela qual for e do tamanho que for. A mágica existe dentro do cinema, os filmes são feitos pensando em serem exibidos naquela imensa tela (mesmo poucos conseguindo a façanha). Os streamings são complementos, janelas secundárias que uma corrente que vem crescendo rapidamente luta para torná-la muito competitiva com a sala de cinema o que de fato deve acontecer em breve, fator que vai reduzir demais as salas que temos.


Com toda essa loucura espalhada para qualquer pensamento que tenhamos, inclusive pra mim, escrevendo esse texto às quatro da manhã após acordar de um pesadelo que mais parecia um filme, uma coisa é certa: seja chato, valente das redes sociais, gente boa, coração bom, coração triste e outras combinações de emoções que você tenha ou possa futuramente ter, nós cinéfilos, estamos todos nos sentindo presos, olhando para uma ampola cheia de ajustes nas regras sociais, higiênicas e médicas, contando os minutos para nos encontrarmos com nosso refúgio mais próximo do sonhar. Mesmo cheios de propagandas insuportáveis, que inclusive cortam as possibilidades de serem exibidos curtas antes dos filmes (era lei isso não?), mesmo com algumas programações feitas por pessoas que não conseguem adequar cinema de qualidade com o capitalismo necessário e insistem na robótica de abocanhar o mercado sem qualidade e nenhum pingo de criatividade, uma sala de cinema sempre será o nosso lugar preferido. Seja ela qual for.