O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, meio carioca, meio
paulista. Graduada em cinema e pós graduada em cenografia, Julie Nunes iniciou
sua atuação no setor cinematográfico como assistente de direção e figurinista.
Desde 2013 trabalha como crítica e foi colaboradora para o Canal Claquete Filmes e o site CinePOP,
atualmente no Canal Horazul. Além
disso organizou cursos de cinema e filosofia em instituições como a Cinemateca do MAM e no Museu da República no Rio de Janeiro.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
No Rio o meu cinema mais companheiro e que esteve em todas
as fases da minha vida foi o Roxy em
Copacabana. Durante muitos anos morei muito perto dele e no começo da
adolescência, quando a relação com o cinema começou a ficar clara pra mim, eu
frequentava muito o Roxy. Conhecia o
pessoal do cinema todo, tenho foto na escada, vi todos os filmes do Tarantino - exceto o Era uma vez em Hollywood que eu já
morava em SP - lá, era tão perto que eu podia até ir de castigo sem minha mãe
perceber. Fui ficar mais exigente com a programação já com uns 18 anos e aí
passei a frequentar muito mais os cinemas Estação
de Botafogo por não terem o vínculo com o Blockbuster que era bem forte no Roxy. Aqui em SP gosto muito do Reserva da Avenida Paulista pelo mesmo
motivo do Estação Botafogo.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Quando eu estava no ensino fundamental, estudava numa escola
municipal, e teve um passeio para irmos assistir Carlota Joaquina: Princesa do Brasil da Carla Camurati. Era para uma aula de história que a professora já
tinha dado. Quando acabou o filme eu fiquei chocada com a experiência. Naquela
duração eu estava num Brasil que eu nunca tinha imaginado antes, com aquele
elenco que me assustava e encantava ao mesmo tempo. Foi muito marcante.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Acho muito difícil responder essa pergunta sem fazer algumas
ressalvas. Tenho alguns diretores favoritos, filmes que entram nas minhas
listas de melhores mas não necessariamente o diretor do filme entra. Quem me
conhece sabe dessa resposta, mas ela vem de uma série de situações que me
levaram a estudar mais o Paul Thomas
Anderson e especificamente Magnólia
de 99. Acabou virando um filme muito marcante que me emociona muito toda vez. A
direção impecável, a trilha da Aimee
Mann, elenco, roteiro...enfim, é uma paixão mesmo.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
São Paulo, Sociedade
Anônima do Person e um filme que eu revejo sempre e toda vez impressiona
sua atemporalidade. A forma que o Person retrata São Paulo, desde o primeiro
plano a cidade engendrada nos personagens, é genial.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Eu me percebi cinéfila muito tarde porque comecei muito cedo
em casa virando a noite com os filmes na tv. Uma coisa que me dá nostalgia
imensa são as músicas de abertura do Supercine e do Corujão porque via demais
ainda criança. Fui me dar conta depois que me dei conta que nem todo mundo
fazia isso. Ser cinéfila é ter no cinema um amigo. Sempre foi mais do que um
lazer, do que viria a ser meu trabalho, do que o filme assistido em si.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
Entendem, mas o problema é que muitas vezes o lance da grana
é o que fala mais alto. O cinema nacional mesmo tem um espacinho ali sempre
espremido e o que chega a ocupar mais salas nem sempre é o filme que é super
bacana, mas o que teve grana para bancar a sala. Ai para o público fica uma
amostragem mínima do nosso cinema. Outro problema são os anúncios infinitos. O
mais curioso é que parece inversamente proporcional. Quanto maior a rede de
cinema mais anúncios e as salas já estão exibindo todos os grandes filmes,
vendendo pipoca por trinta reais e diz que não cabe um curta nacional, um
espaço maior para o nosso cinema que não seja o filme da ultramega produtora.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Espero que não! Ir ao cinema é uma coisa única. Não sou
radical ao ponto de dizer que é ruim ver em casa e que estraga o filme. Ver em
casa é outra experiência, que também é boa. O lance é que o cinema realmente é
um acontecimento. Comprar o ingresso, escolher o lugar, entrar na sala e aquela
tela.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Vou indicar a filmografia do Julio Bressane como um todo que é brilhante, mas acaba ficando um
pouco de lado nas programações de uma maneira geral e ver tudo é uma
experiência muito rica. Se for escolher só um dentro dessa filmografia diria Cuidado Madame.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não. Vejo um risco imenso. O primeiro e mais óbvio que é o
contágio. Segundo que me parece um pouco irracional mesmo na lógica do sujeito
que esteja visando voltar a ter dinheiro entrando. Posso estar com uma
impressão equivocada, mas muitos que conheço e são frequentadores de cinema não
iriam por medo. Tantos outros já não estavam indo antes por uma questão
financeira que agora está ainda mais sensível. Então abrir me parece fora da
realidade.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
É uma maravilha o que o cinema nacional faz e não é nada
fácil. Um cinema, seja qual for sua nacionalidade, são muitos cinemas.
Universos mais variados e no Brasil talento não falta de maneira alguma. Sabrina Fidalgo (Rainha), Julia Katharina
(Tea for Two), Letícia Simões (O chalé é
uma ilha batida de vento e chuva) são alguns nomes que me deixaram nos
últimos dois/três anos muito impressionada de me pegar pensando no filme meses
depois e ter vontade de mostrar para todo mundo.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Vou repetir o Julio
Bressane e acrescentar Julia e Lúcia Murat.
12) Defina cinema com
uma frase:
É deslocar-se.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Uma coisa que acontece até com certa frequência é ter alguém
muito empolgado, principalmente nessas sessões clássicos, e a pessoa dar todas
as falas com as pausas e tudo durante o filme.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
É o The Room
nacional.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Para fazer um filme é preciso referência, mas muitas coisas
podem ser essa ferramenta. Pintura, fotografia, vivências, experiências sensoriais
e por aí vai. Acho que ver muitos filmes ajuda, mas se for só isso não sei se
dá certo. Dirigir um filme é bem complicado e envolve muitas habilidades
diferentes.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Eu tendo muito a esquecer filmes que não gostei, acho que se
já conseguiu marcar na memória tem algo ali que merece atenção. Um achei
péssimo, mas dei boas risadas apesar de não ser uma comédia, foi o Cópias de 2018 com o Keanu Reeves.
17) Qual seu
documentário preferido?
É sempre dolorido escolher um único filme. Acho que todo
cinéfilo faz aquelas listas de ordem de preferência dentro dos segmentos e seus
recortes. É um verdadeiro vício. Impossível não citar Eduardo Coutinho e ali o talento é tamanho que dá para dizer
qualquer um dele... Cabra marcado para
morrer (1984), Edifício Master (2002).
Temos uma enorme lista de documentários sobre música e cantores que são
excelentes como Simonal- Ninguém sabe o
duro que dei (2009), Dzi Croquettes
(2009), Tropicália (2012). Dos Estados
Unidos o "Eu não sou o seu Negro
de 2016 e o O.J Made in America
(2016).
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Já, mas em sessões com presença de equipe ou elenco. Sem eu
sinto que não tem tanto sentido.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Coração Selvagem
(David Lynch, 1990) e Adaptação (Spike Jonze, 2002)