05/10/2020

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #116 - Andréa Cals


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, do Rio de Janeiro. Andréa Cals é diretora e curadora da mostra feminista Século XXI: Mulheres, Ação!, jornalista, artista têxtil e parecerista de editais de cultura. Por onze anos, foi coordenadora, apresentadora e curadora da mostra Première Brasil do Festival do Rio, participou da comissão de curadoria do Festival do Cinema Brasileiro de Brasília e foi produtora do Festival de Cinema Brasileiro em Israel. Dirigiu e apresentou o programa de rádio CINEMA EM SINTONIA, especializado em cinema brasileiro. Foi curadora, apresentadora e produtora do Canal Curta! - Em 2020, integrou a comissão seleção de filmes internacionais do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.

 


1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Eu moro na Zona Sul, e os cinemas que mais frequento são do circuito Estação e do Espaço de Cinema, cinemas mais do que importantes para a cidade desde os anos 1980. A sala do IMS também apresenta frequentemente mostras pontuais ótimas, assim como a Cinemateca do MAM. Quero citar também o Ponto Cine, que é extremamente importante com sua proposta de divulgar o cinema brasileiro, com sessões seguidas de debates.

Entretanto, em termos de programação, já atravessei a baía de Guanabara para assistir as sessões do CineArt UFF, em Niterói, um exemplo de curadoria bem feita e projeção impecável.

 

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Olha, minhas primeiras lembranças de cinema vem da minha infância, com meus 6/7 anos, nas sessões Coca-Cola do antigo Drive In da Lagoa, onde eu via Tom e Jerry, bebendo refrigerante de graça. Ou seja, já era um lugar diferente em si. E para mim, que morava na Zona Norte, ainda tinha algo muito especial, que era atravessar o túnel e sair na Lagoa Rodrigo de Freitas ao anoitecer, que é, até hoje, uma coisa que me comove, de tanta beleza. Muita magia, muita coisa boa junta de uma vez só, que fez a minha cabeça desde cedo.

Vários filmes já mexeram comigo de um modo especial, eu sou daquelas que fica hipnotizada na tela, choro, rio, fico puta e coisa e tal, ou seja, o cinema sempre foi um lugar especial para mim. Mas acho que desse jeito a que você se refere, eu fiquei quando assisti Os 7 Samurais, do Kurosawa. Eu já tinha assistindo Dersu Uzala, na adolescência, indicada pelo meu professor de português, mas acho que com os Samurais eu entendi outras coisas sobre o que é poder fazer filmes e transcender.

 

 

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Vixe! Sou eclética e mudo muito de opinião o tempo todo. Sou que nem aquele álbum: a melhor banda de todos os tempos da última semana. Contudo, porém, todavia, tem um que tudo que faz mexe muito comigo, e volta sempre para o topo da lista, que é o Wim Wenders. O filme favorito? Bom, o primeiro que eu vi que me chapou completamente foi Paris, Texas. Fiquei muito mexida, ouvia a trilha sonora loucamente, essa parceria com o Ry Cooder é demais.  Contudo, porém, todavia, hahaha, mais de uma vez eu já afirmei que o filme que mais amo no mundo é Asas do Desejo. Eu sou romântica, e é redentora a ideia de um anjo que abre mão da imortalidade por causa da sua paixão pela humanidade.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Eita! Isso é muito mais difícil ainda, puxa! 

Amo demais Rio, Zona Norte , Vidas Secas, A Hora da Estrela, Macunaíma, Iracema, uma transamazônica, Pixote, O Bandido da Luz Vermelha, Edifício Master, Jogo de cena, O Som ao Redor, Amarelo Manga, O Céu de Suely...

Como escolher um?

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Plagiando Gilberto Gil, cinéfilo é aquele que gosta de ver filmes no mato, no motel, no celular ou no computador.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Claro que não. hahahaha.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Há um encantamento em se reunir com pessoas que você não conhece numa sala escura para assistir um filme. Não acredito que isso acabe.  A menos que tenha uma pandemia.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Eu assisti Los Silencios, da Beatriz Seigner com atraso e amei o filme. Acho que não teve a merecida repercussão.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Acho que todos temos muita responsabilidade sobre como conduzir essa reabertura, mas acho possível, sim.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Cinema é arte e considero difícil definir "qualidade" em termos artísticos.  O que eu gosto é da pluralidade do cinema brasileiro. Recentemente, tenho dedicado muito do meu tempo para assistir documentários, e é impressionante como temos tantos estilos diferentes nesse gênero. É muita criatividade! Adoro!

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Ah tem vários, não posso destacar um especificamente. Assisto tudo que posso, com muita curiosidade.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é a melhor diversão.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

As memórias sempre se confundem na minha cabeça e acaba que não consigo destacar muita coisa.

Tenho uma doce lembrança, não sei se chamaria de inusitada, mas com certeza uma das cenas mais emocionantes que assisti, que foi o lançamento do filme O Signo do Caos, do Rogério Sganzerla, no Festival do Rio, em 2003, o primeiro ano em que assumi a Coordenação da Première Brasil.

Rogério já estava muito debilitado, de cadeiras de rodas, por causa da doença que teve. Estavam na plateia do Odeon todos diretores que você pode imaginar para homenageá-lo, brasileiros e estrangeiros. Todos sabiam que era uma despedida. Já no saguão era difícil dele passar, todo mundo queria lhe falar, e eu maluca, por causa do atraso da sessão, mas não tinha como tratar como uma sessão qualquer, não era. Quando finalmente chegou à beira do palco, que ele não pode subir por causa da cadeira de rodas, o cinema lotado se levantou para aplaudir por muitos minutos esse grande artista. Foi lindo demais, até hoje me emociono ao lembrar. Essa sessão aconteceu em setembro e Sganzerla veio a falecer logo no início de janeiro de 2004.

Também me lembro de algo muito divertido, que aconteceu no lançamento de uns dvds do National Kid, no Estação Botafogo. A pessoa que dublava falava "ávica", e alguém começou a corrigir, gritando da plateia: "auíca". A partir daí, cada vez que o ator falava "ávica", já era o cinema inteiro gritando às gargalhadas "auíca". Bobagens tão boas de lembrar... O cinema é uma maravilha. Aglomerar é bom demais.

 

 

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Não assisti, embora saiba qual filme é, claro. Diria que gosto não se discute.

 

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Acho que para dirigir, quanto mais você conhece sobre cinema mais você aguça sua sensibilidade e possibilidades. Mas não acho que você precisa ser um cinéfilo no sentido de um exímio conhecedor de obras cinematográficas.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Vixe! Olha, como já disse, memória não é meu forte, não sei se farei jus aos meus sentimentos, hahaha, mas o primeiro filme que me ocorre, que eu realmente detestei, é o norte-americano Encaixotando Helena. A diretora e roteirista é a filha do David Lynch, diretor que eu adoro, mas não posso dizer o mesmo sobre o que penso dela.