19/03/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #324 - Fernando Sobrinho


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Belo Horizonte (Minas Gerais). Fernando Sobrinho tem 42 anos. É nascido no Rio de Janeiro, mas reside em Belo Horizonte, desde os 14 anos. Trabalha como advogado e não tem nenhuma formação acadêmica em relação ao Cinema, muito menos escreve para sites e blogs. Ele só conta com a sua paixão antiga e alguns pitacos nos perfis de amigos cinéfilos no Facebook e no Instragram. Entretanto, tem uma paixão antiga pelo cinema que herdou de sua mãe. Já falecida, durante a maior parte da vida teve o cinema como algo importante, uma fonte de beleza, força e conhecimento. Através dela conheceu o cinema clássico. Ela sempre o estimulou a buscar conhecimento e o cinema sempre foi considerado uma boa fonte. Nunca fez faculdade de cinema, embora seja um grande sonho desde a adolescência.

 

Os filmes dos Trapalhões foram os primeiros filmes que ele lembra de ter visto no cinema. A primeira vez que ele percebeu que o cinema era algo arrebatador quando assistiu uma reprise de E.T.-O Extraterrestre em 1986. Em 1992, após assistir O Silêncio dos Inocentes, teve o insight do que ele acho ser "TOC Cinéfilo" que é a vontade de assistir a todos os tipos de filmes, pesquisar e catalogar. Começou com anotações em cadernos e atualmente faz o controle de filmes assistidos nos sites especializados como Imdb, Filmow e Letterboxd. Entre os vários realizadores de cinema, tem uma especial admiração por Howard Hawks, Martin Scorsese e Quentin Tarantino.

 

De vez em quando, ele arrisca algum texto no seu perfil do Instagram.  Então, chegou a hora desta formiguinha cinéfila arriscar uma conversa no mesmo blog que já entrevistou grandes destaques da cinefilia brasileira.   

 

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Em Belo Horizonte, as minhas salas de cinema preferidas estão no Cine Belas Artes, que dispõe de três salas que se dedicam a uma programação diferenciada em relação às salas de shopping centers. São tradicionalmente exibidos filmes brasileiros, europeus, asiáticos, latinoamericanos e também os americanos com maior apelo ao público adulto.

 

No momento, as salas se encontram fechadas por causa da pandemia e isso tem causado preocupação entre os cinéfilos belorizontinos pelo risco de o espaço vir a fechar permanentemente. Tenho ouvido de várias possibilidades de manutenção, incluindo um crowdfunding. É um espaço muito precioso em Belo Horizonte, fundamental na minha formação de cinéfilo e torço muito para que consiga manter investimento e patrocínio para o seu funcionamento.

 

Também destaco a sala do Cine Humberto Mauro, dentro do complexo do Palácio das Artes, da Fundação Clóvis Salgado. Sendo uma sala de cinema dentro de um espaço cultural com investimento público, ela proporcionou mostras das variadas vertentes do cinema, com entrada gratuita ou preços módicos que facilitem um grande acesso. Ao longo da década passada, trouxe mostras muitos disputadas entre os cinéfilos belo-horizontinos como, por exemplo, filmografias completas de grandes diretores (Luis Buñuel, Charles Chaplin, Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick) e de ciclos de filmes de terros das décadas de 1970 e 1980 até a atualidade. Como se trata de uma sala pequena, as sessões são extremamente disputadas, com filas longas. Sinto muito falta disso. Não foram raras as vezes que eu estive em filas para assistir os filmes nas madrugadas. Aliás, maratonas que duram o dia inteiro foram comuns na programação e pude participar de algumas delas, ao lado de amigos. Coisas que só os doentes por filmes fazem e o resto da humanidade acha doentio.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

 

O primeiro filme que eu lembro que ter me feito pensar que o cinema é um lugar especial foi E.T. - O Extraterrestre.  Foi uma reprise, no ano de 1986. Eu tinha sete anos de idade e sabia que se tratava de um filme famoso e que as pessoas gostavam muito. A experiência de tê-lo assistido foi ter, pela primeira vez, percebido o efeito catártico de um filme sobre a plateia. Foi uma dessas experiências únicas na vida que seguem para sempre na memória.

Um segundo filme a ter me proporcionado isso foi O Silêncio dos Inocentes. Eu o assisti, pela primeira vez, em 1992, quando o filme tinha sido relançado nos cinemas por causa das indicações ao Oscar. Eu tinha treze anos e saí em estado de transe do cinema. Minha mãe teve que me acompanhar, porque, do contrário, eu não poderia entrar na sala. Ainda bem que ela gostou muito do filme!  Foi o início do que eu chamo de "TOC cinéfilo", que consiste em querer assistir todos os tipos de filmes, fazer registros (à época, bem antes dos sites como Imdb, Filmow e Letterboxd, a única maneira de registrar era anotar os filmes assistidos em cadernos, o que comecei a fazer). Até então, julguei não ter visto um filme tão completo em atuação, direção e roteiro. Foi um momento de grande impacto e mudança total na postura de ver o cinema.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Pergunta difícil! Depois de refletir acerca de vários nomes, não consegui deixar de pensar em Howard Hawks.

 

Admiro muito a extensa carreira de Hawks e a sua incrível versatilidade em fazer grandes filmes em, praticamente, todos os gêneros cinematográficos existentes. O meu filme preferido dele, talvez não seja o seu melhor, mas tenho um especial carinho por Aventura Na Martinica, de 1944. É uma adaptação de um livro de Ernest Hemingway, que surgiu depois de uma aposta entre os dois. Hawks disse que conseguiria fazer um filme até do pior filme do escritor e este respondeu que era "To Have And Have Not". A princípio, poderia ser visto como uma variante preguiçosa de Casablanca, grande sucesso da Warner Bros., estrelado por Humphrey Bogart, que também é o protagonista de Aventura Na Martinica. O filme marca a estreia de Lauren Bacall e eu afirmo que nunca vi uma estreia tão maravilhosa como a dela. A trama sobre os esforços da Resistência Francesa no Caribe talvez não seja perfeitamente amarrada ou não tenha os trunfos mais óbvios e emotivos de uma produção sobre a Segunda Guerra Mundial, que ainda estava em curso, mas os diálogos entre Bogart e Bacall e a química explosiva que acabou em casamento para mim representam o melhor do fascínio que eu nutro pela Hollywood clássica. Hawks tem uma inteligência cênica, que se reflete na condução dos diálogos e dos atores, que eu admiro muito e acho os melhores cineastas conseguem.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Bar Esperança, dirigido e estrelado por Hugo Carvana, em 1982. Trata-se de um momento no início dos anos 1980 em que espaços tradicionais e romantizados da boemia vão dando espaço a empreendimentos vistos como um natural progresso. Tenho muito carinho por esse filme, pelo seu elenco maravilhoso (Carvana, Marília Pêra, Paulo César Pereio, Silvia Bandeira e várias participações de atores conhecidos) e a perfeição da captura de um determinado momento no tempo. Sempre lembro do filme quando vejo vários locais de ponto de encontro de amigos fechando para ceder espaço a outros empreendimentos. Ultimamente, infelizmente, estes locais vêm fechando por causa da crise gerada pela pandemia.  Não sei como seria rever o cinema com as restrições de funcionamento dos bares...

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Acredito que seja amar incondicionalmente o cinema, saber da importância inescapável dele na sua história de vida, ter os filmes, diretores e atores que dialogam com o seu emocional e trocar informações com os seus amigos. E fazer algumas loucuras por filmes que outras pessoas não entenderiam. Cinéfilo também não deve ser rótulo, título para se bater no peito como indicativo de superioridade intelectual e moral.  Cada pessoa fã de cinema tem os seus próprios critérios de consumo e apreciação. Então, ser cinéfilo deveria ser respeitar estas questões.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

A maioria dos cinemas que eu conheço pertencem a grandes cadeias e atendem critérios comerciais que eles entendem ser o melhor. O cinema para eles é apenas um negócio.  Filmes fora dos pólos tradicionais de interesse, apenas quando estes conseguem grande sucesso mainstream como foi o caso recente do filme coreano Parasita.

 

O caso é completamente diferente de espaços como o Cine Belas Artes que tenta equilibrar o melhor da programação que não teria espaço no circuito convencional das cadeias de cinemas de shopping centers, trazendo filmes de várias nacionalidades para o único local do circuito comercial de Belo Horizonte em que estas produções teriam chance. No Cine Humberto Mauro a programação também é feita por pessoas que não só entendem de cinema, como também estão envolvidas com a produção de cinema e o trabalho acadêmico. Desde sempre, há uma preocupação também neste espaço de trazer todas as vertentes possíveis de cinema para um grande público. Como se trata de um cinema público, localizado dentro de uma fundação do Estado, tem-se essa preocupação.

 

São oásis em uma cidade que, embora seja grande, é intensivamente dominada pelo circuito dos cinemas de shoppings.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não vão acabar porque sempre existirá uma necessidade de apreciação presencial e coletiva de filmes. Por mais que existam cada vez mais opções de acesso a filmes em domicílios, com a janela de lançamentos cada vez menor e a deflagração de uma crise na distribuição tradicional, mas a vontade de ver filmes no cinema não vai acabar. Pode diminuir drasticamente perante o grande público, mas a vontade de assistir filmes em sala de cinema persistirá. Tenho, inclusive, a esperança que, após a vacinação massiva contra o COVID-19, o cansaço de muitos com o confinamento, vai demonstrar que muitas pessoas ainda tem amor pelas salas de cinema, que poderão poder muito espaço, mas não acabarão 

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

No Coração do Mundo (2019), de Gabriel e Maurílio Martins. Um filme produzido em Minas Gerais e que me fez ter muito orgulho de ver uma produção local tão talentosa e que não fica devendo em nada a outros pólos cinematográficos tradicionais do país.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Eu fico preocupado com o futuro dos pequenos cinemas independentes que têm sofrido  muito com o prosseguimento do estado de pandemia, mas eu mesmo confesso que não tive coragem de retornar às salas de cinema. Só retornarei quando tiver a segurança da vacina. Então, num plano lógico, acho que as salas não deveriam reabrir antes da vacinação em larga escala ser algo realmente efetivo no Brasil.

 

Entretanto, como eu falei, a situação não é simples para a existência das pequenas salas, que precisam de ajuda para sobreviver. Realmente, não consigo pensar nesta situação de forma pacífica. Embora eu tenha um receio particular de retornar e, em um plano ideal, a reabertura só deveria ocorrer após a vacinação, deveria haver também apoio governamental de crédito aos exibidores, em especial os pequenos.  Sei da existência de crowdfundings, mas me pergunto se realmente conseguirão salvar as pequenas salas.

 

É complicar pensar nisso: eu tenho o condão de poder me preservar e trabalhar em casa, mas os exibidores estão também no grupo de trabalhadores duramente afetados pela pandemia e isso me gera angústia. Não consigo pensar e responderei apenas "não retornarei aos cinemas, enquanto não for vacinado": toda a situação é muito séria e merece atenção, pois é mais um desdobramento da crise brasileira, que nos afeta, direta ou indiretamente.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

O cinema brasileiro vinha atravessando uma fase excelente, tanto de reconhecimento da crítica (nacional e internacional), como também de retorno de público, ao enfrentar, bravamente, os blockbusters estrangeiros. Entretanto, a situação atual em 2021, é de preocupação não só a crise enfrentada com a exibição, como o total desprezo governamental, que parece torcer para a dilapidação não só da produção, como também da preservação.

 

Quanto à qualidade do cinema brasileiro, não temos do que nos queixar: temos uma produção vasta, rica e que explora várias vertentes. Isso dificilmente é enxergado por uma parcela do público que ainda insiste em preconceitos tolos, infundados.  Eu mesmo, como um apreciador veterano de filmes, observo que, em vários momentos, não dou a  devida atenção ao nosso cinema. É algo que eu luto para superar: indicações de bons títulos nacionais são sempre bem-vindas.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Quando Sônia Braga faz um filme brasileiro, eu não perco. Eu a respeito como uma desbravadora brasileira em Hollywood, ainda que em papéis fracos que não estão à altura do brilho que ela demonstra nas produções nacionais. Entretanto, quando volta a trabalhar no nosso cinema, ela mostra todo o seu talento como atriz, muito além da figura de diva e símbolo sexual como ficou conhecida. Da minha parte, sempre fico feliz em vê-la voltando às origens. Dos talentos mais jovens, tenho gostado muito de acompanhar o trabalho da Karine Telles.

 

12) Defina cinema com uma frase:

O cinema é o artifício mais apaixonante que o ser humano já criou.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Fui assistir Thomas Crown - Arte Do Crime, no longíquo ano de 1999. Na plateia, um rapaz abre uma marmita de um restaurante chinês e um cheiro de camarão toma conta da sala.  Todo mundo começa a reclamar, mas o cara ainda insiste em almoçar dentro do cinema. Uma moça sai para comprar refrigerante só para entornar na cara do sujeito e vai embora. O pessoal da sala vai à loucura e aplaude para valer. Depois dessa, para que prestar atenção no filme, não é?

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Uma produção apressada e desleixada, tentando faturar em torno de um então fenômeno midiático, que a própria protagonista morre de vergonha do filme. O final antológico merece mesmo passar a eternidade sempre lembrado nos memes de internet.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Não necessariamente. Precisa que o diretor tenha talento e respeito pelo ofício, mas não precisa que seja um cinéfilo. No entanto, confesso ter apreço por cineastas cinéfilos como Martin Scorsese e Quentin Tarantino, onde o amor pelo cinema é mais do que evidente: é a estrutura dos filmes. Ultimamente, as pessoas têm se cansado da cultura de referências, mas eu não compactuo disso.  Para mim, filmes como A Invenção de Hugo Cabret ou  Era Uma Vez Em Hollywood são puro deleite.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Inspetor Faustão e o Mallandro. Só vi uma vez, quando era criança. Se já na época tinha achado horrível, não imagino como seria hoje. 

 

17) Qual seu documentário preferido?

Destaco dois:  A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies (1995) e Minha Viagem à Itália (1999). Dois documentários sobre cinema, que são aulas de cinema. São trabalhos espantosos de pesquisa e edição, verdadeiras aulas de cinema do mestre Martin Scorsese. 

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão? 

Sim. Já bati palmas em sessão no Cine Humberto Mauro. Clima festivo de cinefilia comunitária com amigos. Embora muita gente considere que seja o ápice da cafonice, foi difícil resistir em vários momentos.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Coração Selvagem (1990). Cage está extremamente carismático neste filme.  Pode não ser o melhor, mas é o meu título favorito da sua filmografia.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Já acompanhei vários sites de cinema, mas confesso que tenho perdido o hábito. Um dos sites clássicos que ainda companha é o de Roger Ebert, que continua o legado do falecido e grande crítico americano, com contribuições atualizadas de jovens críticos.

Uma fonte de pesquisa que acompanho há muito tempo é o blog Diário de um Cinéfilo, do Ailton Monteiro, cinéfilo de Fortaleza. É uma excelente fonte de pesquisa, com uma escrita sempre muito pessoal e agradável. Sempre recomendo a leitura des

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