O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de Belo Horizonte
(Minas Gerais). Fernando Sobrinho
tem 42 anos. É nascido no Rio de Janeiro, mas reside em Belo Horizonte, desde
os 14 anos. Trabalha como advogado e não tem nenhuma formação acadêmica em
relação ao Cinema, muito menos escreve para sites e blogs. Ele só conta com a
sua paixão antiga e alguns pitacos nos perfis de amigos cinéfilos no Facebook e
no Instragram. Entretanto, tem uma paixão antiga pelo cinema que herdou de sua
mãe. Já falecida, durante a maior parte da vida teve o cinema como algo
importante, uma fonte de beleza, força e conhecimento. Através dela conheceu o
cinema clássico. Ela sempre o estimulou a buscar conhecimento e o cinema sempre
foi considerado uma boa fonte. Nunca fez faculdade de cinema, embora seja um
grande sonho desde a adolescência.
Os filmes dos Trapalhões
foram os primeiros filmes que ele lembra de ter visto no cinema. A primeira
vez que ele percebeu que o cinema era algo arrebatador quando assistiu uma
reprise de E.T.-O Extraterrestre em
1986. Em 1992, após assistir O Silêncio
dos Inocentes, teve o insight do que ele acho ser "TOC Cinéfilo"
que é a vontade de assistir a todos os tipos de filmes, pesquisar e catalogar.
Começou com anotações em cadernos e atualmente faz o controle de filmes
assistidos nos sites especializados como Imdb, Filmow e Letterboxd. Entre os
vários realizadores de cinema, tem uma especial admiração por Howard Hawks, Martin Scorsese e Quentin Tarantino.
De vez em quando, ele arrisca algum texto no seu perfil do Instagram. Então, chegou a hora desta formiguinha
cinéfila arriscar uma conversa no mesmo blog que já entrevistou grandes
destaques da cinefilia brasileira.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Em Belo Horizonte, as minhas salas de cinema preferidas
estão no Cine Belas Artes, que
dispõe de três salas que se dedicam a uma programação diferenciada em relação
às salas de shopping centers. São tradicionalmente exibidos filmes brasileiros,
europeus, asiáticos, latinoamericanos e também os americanos com maior apelo ao
público adulto.
No momento, as salas se encontram fechadas por causa da
pandemia e isso tem causado preocupação entre os cinéfilos belorizontinos pelo
risco de o espaço vir a fechar permanentemente. Tenho ouvido de várias
possibilidades de manutenção, incluindo um crowdfunding. É um espaço muito
precioso em Belo Horizonte, fundamental na minha formação de cinéfilo e torço
muito para que consiga manter investimento e patrocínio para o seu
funcionamento.
Também destaco a sala do Cine Humberto Mauro, dentro do complexo do Palácio das Artes, da
Fundação Clóvis Salgado. Sendo uma sala de cinema dentro de um espaço cultural
com investimento público, ela proporcionou mostras das variadas vertentes do
cinema, com entrada gratuita ou preços módicos que facilitem um grande acesso.
Ao longo da década passada, trouxe mostras muitos disputadas entre os cinéfilos
belo-horizontinos como, por exemplo, filmografias completas de grandes
diretores (Luis Buñuel, Charles Chaplin,
Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick) e de
ciclos de filmes de terros das décadas de 1970 e 1980 até a atualidade. Como se
trata de uma sala pequena, as sessões são extremamente disputadas, com filas
longas. Sinto muito falta disso. Não foram raras as vezes que eu estive em
filas para assistir os filmes nas madrugadas. Aliás, maratonas que duram o dia
inteiro foram comuns na programação e pude participar de algumas delas, ao lado
de amigos. Coisas que só os doentes por filmes fazem e o resto da humanidade
acha doentio.
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
O primeiro filme que eu lembro que ter me feito pensar que o
cinema é um lugar especial foi E.T. - O
Extraterrestre. Foi uma reprise, no
ano de 1986. Eu tinha sete anos de idade e sabia que se tratava de um filme
famoso e que as pessoas gostavam muito. A experiência de tê-lo assistido foi
ter, pela primeira vez, percebido o efeito catártico de um filme sobre a
plateia. Foi uma dessas experiências únicas na vida que seguem para sempre na
memória.
Um segundo filme a ter me proporcionado isso foi O Silêncio dos Inocentes. Eu o assisti,
pela primeira vez, em 1992, quando o filme tinha sido relançado nos cinemas por
causa das indicações ao Oscar. Eu tinha treze anos e saí em estado de transe do
cinema. Minha mãe teve que me acompanhar, porque, do contrário, eu não poderia
entrar na sala. Ainda bem que ela gostou muito do filme! Foi o início do que eu chamo de "TOC
cinéfilo", que consiste em querer assistir todos os tipos de filmes, fazer
registros (à época, bem antes dos sites como Imdb, Filmow e Letterboxd,
a única maneira de registrar era anotar os filmes assistidos em cadernos, o que
comecei a fazer). Até então, julguei não ter visto um filme tão completo em
atuação, direção e roteiro. Foi um momento de grande impacto e mudança total na
postura de ver o cinema.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Pergunta difícil! Depois de refletir acerca de vários nomes,
não consegui deixar de pensar em Howard
Hawks.
Admiro muito a extensa carreira de Hawks e a sua incrível
versatilidade em fazer grandes filmes em, praticamente, todos os gêneros
cinematográficos existentes. O meu filme preferido dele, talvez não seja o seu
melhor, mas tenho um especial carinho por Aventura
Na Martinica, de 1944. É uma adaptação de um livro de Ernest Hemingway, que
surgiu depois de uma aposta entre os dois. Hawks disse que conseguiria fazer um
filme até do pior filme do escritor e este respondeu que era "To Have And
Have Not". A princípio, poderia ser visto como uma variante preguiçosa de Casablanca, grande sucesso da Warner
Bros., estrelado por Humphrey Bogart,
que também é o protagonista de Aventura Na Martinica. O filme marca a estreia
de Lauren Bacall e eu afirmo que
nunca vi uma estreia tão maravilhosa como a dela. A trama sobre os esforços da
Resistência Francesa no Caribe talvez não seja perfeitamente amarrada ou não
tenha os trunfos mais óbvios e emotivos de uma produção sobre a Segunda Guerra
Mundial, que ainda estava em curso, mas os diálogos entre Bogart e Bacall e a
química explosiva que acabou em casamento para mim representam o melhor do
fascínio que eu nutro pela Hollywood clássica. Hawks tem uma inteligência
cênica, que se reflete na condução dos diálogos e dos atores, que eu admiro
muito e acho os melhores cineastas conseguem.
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
Bar Esperança,
dirigido e estrelado por Hugo Carvana,
em 1982. Trata-se de um momento no início dos anos 1980 em que espaços
tradicionais e romantizados da boemia vão dando espaço a empreendimentos vistos
como um natural progresso. Tenho muito carinho por esse filme, pelo seu elenco
maravilhoso (Carvana, Marília Pêra,
Paulo César Pereio, Silvia Bandeira e várias participações de atores
conhecidos) e a perfeição da captura de um determinado momento no tempo. Sempre
lembro do filme quando vejo vários locais de ponto de encontro de amigos
fechando para ceder espaço a outros empreendimentos. Ultimamente, infelizmente,
estes locais vêm fechando por causa da crise gerada pela pandemia. Não sei como seria rever o cinema com as
restrições de funcionamento dos bares...
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Acredito que seja amar incondicionalmente o cinema, saber da
importância inescapável dele na sua história de vida, ter os filmes, diretores
e atores que dialogam com o seu emocional e trocar informações com os seus
amigos. E fazer algumas loucuras por filmes que outras pessoas não entenderiam.
Cinéfilo também não deve ser rótulo, título para se bater no peito como
indicativo de superioridade intelectual e moral. Cada pessoa fã de cinema tem os seus próprios
critérios de consumo e apreciação. Então, ser cinéfilo deveria ser respeitar estas
questões.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas
que entendem de cinema?
A maioria dos cinemas que eu conheço pertencem a grandes
cadeias e atendem critérios comerciais que eles entendem ser o melhor. O cinema
para eles é apenas um negócio. Filmes
fora dos pólos tradicionais de interesse, apenas quando estes conseguem grande
sucesso mainstream como foi o caso recente do filme coreano Parasita.
O caso é completamente diferente de espaços como o Cine Belas Artes que tenta equilibrar o
melhor da programação que não teria espaço no circuito convencional das cadeias
de cinemas de shopping centers, trazendo filmes de várias nacionalidades para o
único local do circuito comercial de Belo Horizonte em que estas produções
teriam chance. No Cine Humberto Mauro
a programação também é feita por pessoas que não só entendem de cinema, como
também estão envolvidas com a produção de cinema e o trabalho acadêmico. Desde
sempre, há uma preocupação também neste espaço de trazer todas as vertentes
possíveis de cinema para um grande público. Como se trata de um cinema público,
localizado dentro de uma fundação do Estado, tem-se essa preocupação.
São oásis em uma cidade que, embora seja grande, é
intensivamente dominada pelo circuito dos cinemas de shoppings.
7) Algum dia as salas
de cinema vão acabar?
Não vão acabar porque sempre existirá uma necessidade de
apreciação presencial e coletiva de filmes. Por mais que existam cada vez mais
opções de acesso a filmes em domicílios, com a janela de lançamentos cada vez
menor e a deflagração de uma crise na distribuição tradicional, mas a vontade
de ver filmes no cinema não vai acabar. Pode diminuir drasticamente perante o
grande público, mas a vontade de assistir filmes em sala de cinema persistirá.
Tenho, inclusive, a esperança que, após a vacinação massiva contra o COVID-19,
o cansaço de muitos com o confinamento, vai demonstrar que muitas pessoas ainda
tem amor pelas salas de cinema, que poderão poder muito espaço, mas não
acabarão
8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é
ótimo.
No Coração do Mundo
(2019), de Gabriel e Maurílio Martins.
Um filme produzido em Minas Gerais e que me fez ter muito orgulho de ver uma
produção local tão talentosa e que não fica devendo em nada a outros pólos cinematográficos
tradicionais do país.
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Eu fico preocupado com o futuro dos pequenos cinemas
independentes que têm sofrido muito com
o prosseguimento do estado de pandemia, mas eu mesmo confesso que não tive
coragem de retornar às salas de cinema. Só retornarei quando tiver a segurança
da vacina. Então, num plano lógico, acho que as salas não deveriam reabrir
antes da vacinação em larga escala ser algo realmente efetivo no Brasil.
Entretanto, como eu falei, a situação não é simples para a
existência das pequenas salas, que precisam de ajuda para sobreviver.
Realmente, não consigo pensar nesta situação de forma pacífica. Embora eu tenha
um receio particular de retornar e, em um plano ideal, a reabertura só deveria
ocorrer após a vacinação, deveria haver também apoio governamental de crédito
aos exibidores, em especial os pequenos.
Sei da existência de crowdfundings, mas me pergunto se realmente
conseguirão salvar as pequenas salas.
É complicar pensar nisso: eu tenho o condão de poder me
preservar e trabalhar em casa, mas os exibidores estão também no grupo de
trabalhadores duramente afetados pela pandemia e isso me gera angústia. Não
consigo pensar e responderei apenas "não retornarei aos cinemas, enquanto não
for vacinado": toda a situação é muito séria e merece atenção, pois é mais
um desdobramento da crise brasileira, que nos afeta, direta ou indiretamente.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
O cinema brasileiro vinha atravessando uma fase excelente,
tanto de reconhecimento da crítica (nacional e internacional), como também de
retorno de público, ao enfrentar, bravamente, os blockbusters estrangeiros.
Entretanto, a situação atual em 2021, é de preocupação não só a crise enfrentada
com a exibição, como o total desprezo governamental, que parece torcer para a
dilapidação não só da produção, como também da preservação.
Quanto à qualidade do cinema brasileiro, não temos do que
nos queixar: temos uma produção vasta, rica e que explora várias vertentes.
Isso dificilmente é enxergado por uma parcela do público que ainda insiste em
preconceitos tolos, infundados. Eu
mesmo, como um apreciador veterano de filmes, observo que, em vários momentos,
não dou a devida atenção ao nosso cinema.
É algo que eu luto para superar: indicações de bons títulos nacionais são
sempre bem-vindas.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Quando Sônia Braga
faz um filme brasileiro, eu não perco. Eu a respeito como uma desbravadora brasileira
em Hollywood, ainda que em papéis fracos que não estão à altura do brilho que
ela demonstra nas produções nacionais. Entretanto, quando volta a trabalhar no
nosso cinema, ela mostra todo o seu talento como atriz, muito além da figura de
diva e símbolo sexual como ficou conhecida. Da minha parte, sempre fico feliz
em vê-la voltando às origens. Dos talentos mais jovens, tenho gostado muito de
acompanhar o trabalho da Karine Telles.
12) Defina cinema com
uma frase:
O cinema é o artifício mais apaixonante que o ser humano já
criou.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Fui assistir Thomas
Crown - Arte Do Crime, no longíquo ano de 1999. Na plateia, um rapaz abre
uma marmita de um restaurante chinês e um cheiro de camarão toma conta da
sala. Todo mundo começa a reclamar, mas
o cara ainda insiste em almoçar dentro do cinema. Uma moça sai para comprar
refrigerante só para entornar na cara do sujeito e vai embora. O pessoal da
sala vai à loucura e aplaude para valer. Depois dessa, para que prestar atenção
no filme, não é?
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Uma produção apressada e desleixada, tentando faturar em
torno de um então fenômeno midiático, que a própria protagonista morre de
vergonha do filme. O final antológico merece mesmo passar a eternidade sempre
lembrado nos memes de internet.
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta
precisa ser cinéfilo?
Não necessariamente. Precisa que o diretor tenha talento e
respeito pelo ofício, mas não precisa que seja um cinéfilo. No entanto,
confesso ter apreço por cineastas cinéfilos como Martin Scorsese e Quentin
Tarantino, onde o amor pelo cinema é mais do que evidente: é a estrutura
dos filmes. Ultimamente, as pessoas têm se cansado da cultura de referências,
mas eu não compactuo disso. Para mim,
filmes como A Invenção de Hugo Cabret
ou Era
Uma Vez Em Hollywood são puro deleite.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Inspetor Faustão e o
Mallandro. Só vi uma vez, quando era criança. Se já na época tinha achado
horrível, não imagino como seria hoje.
17) Qual seu
documentário preferido?
Destaco dois: A Personal Journey with Martin Scorsese
Through American Movies (1995) e Minha
Viagem à Itália (1999). Dois documentários sobre cinema, que são aulas de
cinema. São trabalhos espantosos de pesquisa e edição, verdadeiras aulas de
cinema do mestre Martin Scorsese.
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim. Já bati palmas em sessão no Cine Humberto Mauro. Clima festivo de cinefilia comunitária com
amigos. Embora muita gente considere que seja o ápice da cafonice, foi difícil
resistir em vários momentos.
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Coração Selvagem
(1990). Cage está extremamente carismático neste filme. Pode não ser o melhor, mas é o meu título
favorito da sua filmografia.
20) Qual site de cinema
você mais lê pela internet?
Já acompanhei vários sites de cinema, mas confesso que tenho
perdido o hábito. Um dos sites clássicos que ainda companha é o de Roger Ebert, que continua o legado do
falecido e grande crítico americano, com contribuições atualizadas de jovens
críticos.