17/04/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #376 - Maria Trika


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de Belo Horizonte (Minas Gerais). Maria Trika tem 23 anos, é crítica de Cinema na revista Cinética, artista plástica, realizadora e estudante de Cinema, criadora da produtora THE BOCHE Filmes e ex- aluna do casa viva. Começou a escrevendo para a Rocinante, revista online de crítica cinematográfica. Também possui alguns ensaios e poesias publicados em revistas físicas e on-lines. É criadora da produtora THE BOCHE filmes, onde realiza trabalhos como diretora, diretora de arte, montadora, pesquisadora e organização de projetos. Há alguns anos é curadora dos cineclubes CineLixo e CineChão. Além disso, já realizou curadoria para algumas mostras de cineclubes em escolas. Desde muito cedo, desenvolve trabalhos de artes plásticas e gráficas. Realizou diversas exposições, performances, fanzines e é editora dʼA Criatura - publicação de trabalhos artísticos independentes, idealizada e protagonizada exclusivamente por mulheres, que leva o selo dʼA Zica. Por alguns anos trabalhou como pesquisadora e montadora de documentários na empresa OCCHI - Observatório de consumo e cultura.  Também trabalhou na galeria contemporânea de arte GAL - arte e pesquisa, e desenvolve trabalhos com arte educação.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Sala Humberto Mauro, no palácio das artes.  Esse lugar é a maior escola de cinema da cidade, onde aprendemos e mergulhamos no cinema a partir da experiência e do afeto (experiência a la O Guru e os Guris, de Jairo Ferreira saca?). Foi lá que todos os caminhos do cinema se apresentaram e abriram para mim. É um dos meus lugares favoritos de BH.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Pergunta difícil, porque acho que essa 'primeira vez' segue acontecendo e acontecendo novamente. Um filme é sempre uma descoberta (mesmo se for uma descoberta do mesmo, da indiferença, do ranço, ou de algo que não nos agrada ou afeta), sempre um lugar diferente.

 

A primeira vez que entendi um pouco do que era cinema foi ainda criança. Me lembro (muito pouco) desse dia, minha mãe me levou ao cinema para assistir Tainá - Uma aventura Amazônica, de Tânia Lamarca, Sérgio Bloch e lembro de sair em choque, pois não sabia que o cinema era algo que se fazia e que, também, existia aqui no Brasil.

 

Mas a primeira vez que o cinema me atravessou como corrente elétrica aconteceu anos depois, quando vi Sem essa aranha, de Rogério Sganzerla, em uma 'sala de cinema' extremamente improvisada. Aquilo atravessou de uma forma muito brutal e bonita, sentia vontade de rir e vomitar ao mesmo tempo e, de repente, me peguei chorando sem entender mais nada. Essa sensação de inquietação e de fascínio absoluto que o cinema tem quando atravessa os sentimentos da gente.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Me desculpe, talvez não seja a melhor pessoa para responder essas perguntas. Na minha forma de entender e aprender o mundo, não consigo definir coisas de uma maneira categórica ou comparativa. Muita coisa me é favorita. Mas posso citar alguns que me afetam muito:

 

Carlão (Carlos Reichenbach) - A Ilha dos Prazeres Proibidos (1979)

Claire Denis - Noites sem dormir (1994)

André Novais - Fantasmas (2010)

David Lynch - Cidade dos sonhos (2001)

John Carpenter - Halloween - A noite do terror (1978)

Clarissa Campolina - Solon (2016)

Ana Carolina - Mar de rosas (1977)

Margarida Cordeiro e António Reis - Trás-os-montes (1976)

 

 

Falei que não sei brincar. hahah desculpe.

 

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Atualmente são:

Noir Blue (2017), de Ana Pi

Vermelha (2019), de Getúlio Ribeiro

Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes

 

Porque percebo em todos eles uma calma e sensibilidade no gesto de olhar (para onde olham), uma sinceridade na forma de lidar com o que se vê (como se filma) e a humildade perante o tempo (como o filme se transforma e se faz).

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Para mim, ser cinéfila é sobre ter um corpo físico e sensível que é atravessado pelo cinema (em toda sua amplitude), permitir se transformar por aquilo e, depois, sentir fome.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feita por pessoas que entendem de cinema?

Para mim quem entende de cinema é toda e qualquer pessoa que se abre a experiência de assistir um filme. Então de alguma forma sim. Só acho que os cinemas poderiam ter uma programação mais diversa, atendendo diferentes tipos de aberturas e buscas de suas e seus espectadores.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Acredito (e espero) que não. Acho que pode virar algo meio 'vintage', como a fotografia analógica. No entanto é notável uma transformação na forma de assistir os filmes, então acredito que as salas devem mudar um pouco (bastante) com o tempo.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Karma - Enigma do medo (1984), dirigido por Custódio Gomes e Fauzi Mansur; e Driver (1978), de Walter Hill.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Acho isso meio impensável, ainda mais em meio a onda roxa e todo o momento que estamos passando no Brasil. Claro, que se fosse analisar apenas o meu querer e individualidade, sim, pois sinto uma grande saudade. No entanto, não é sobre isso né? Não se trata do eu mas do todo, essa pandemia nos convoca justamente para o pensar coletivo, então, até que essa situação seja segura para todes, não acho que as salas deveriam reabrir.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Curiosa sua pergunta. Muita coisa é produzida e o cinema brasileiro são vários… acho q o bonito é que temos mais pessoas produzindo mais acesso a recursos e editais (mesmo que ainda seja necessário muito muito mais) e nesse processo muitas coisas valiosas sendo feitas.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Clarissa Campolina.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é muita coisa e atravessa muito fundo na gente. É um trem muito poderoso.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Minha primeira paixão aconteceu paralela ao momento que, também, me apaixonava mais intensamente pelo cinema. Assistimos muitos filmes juntes. Nem eu nem elu assumia ou sabia da paixão compartilhada. Depois de um ano de lenga lenga, começou uma mostra do Godard, no Humberto Mauro. Fomos em todas (literalmente TODAS) as sessões, foi uma imersão total no cinema dele (até na pior fase em vhs). E as mimsessões eram uma experiência muito única, sabe? Sentia a respiração pela pele da pessoa sentada a milímetros de distância de mim, os braços, as pernas  e as mãos quase se tocando, mas sem nunca tocar, os micro gestos e ruídos que iam se comunicando e  se sintonizando...Tudo isso somado a sensação dos filmes, era como se eu assistisse os filmes pelo corpo, pela pele, pelo tesão (em especial os primeiros do Godard, na sua fase mais romântica).

 

Até que no final da mostra, um amigo próximo virou para a gente e falou que ninguém gostava tanto de Godard assim, só poderíamos mesmo estar apaixonades. Morri de vergonha e já entrei correndo na próxima sessão. No meio do filme, senti algo roçando entre a minha perna e a da pessoa, era um filhote de gato. Saímos de lá juntes, apaixonades, iniciando um relacionamento e com um gato adotado. Foi engraçado e, realmente, ninguém poderia gostar tanto de Godard assim.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras…

Neste caso, me interessa mais a intenção por trás dessa pergunta, do que o que poderia dizer sobre o filme (que, inclusive, adoro).

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Dirigir um filme é um processo muito delicado. Exige muita atenção, escuta, sabe? Entendo como um processo de sensibilização para então poder criar. Eu, pessoalmente, no meu processo de direção, acho a cinefilia algo importante. Mas não acho crucial. Mais do que as referências (que sempre contribuem muito), a pessoa precisa estar atenta ao desejo dela, do olho, do real e do filme.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Novamente não lido muito com esses extremos de melhor/pior. Mas se tivesse que escolher algo próximo a isso, seria Roma, de Alfonso Cuarón, por sentir uma ausência absoluta de cuidado e compromisso com o que ele alega estar comprometido. Acho um filme cínico, egocêntrico e desleal transvestido de humanista. Sua desonestidade é o que mais me causa repulsa.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Os Arara (1983), de Andrea Tonacci; "Nada levarei quando morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno" (1981), de Miguel Rio Branco; Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020), de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero; e Conte isso àqueles que dizem que fomos derrotados (2018), de Camila Bastos, Pedro Maia de Brito, Aiano Bemfica, Cristiano Araújo.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Já, em festivais.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Eu A M E I essa pergunta. Isso me lembrou um 'dado' que amo e concordo: quanto mais Nicolas Cage lança filmes em um ano, menos pessoas morrem em acidentes de helicóptero nos EUA. Ou seja, salvando vidas desde sempre hahaha.

 

Acho que tenho um ranking de 3:

Arizona nunca mais (1987), dos Irmãos Coen

Vivendo no Limite (199), de Martin Scorsese

Coração Selvagem (1990), de David Lynch

 

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Cinética, Another Gaze, Zagaia e Verberenas.  Gosto/gostava muito de algumas leituras que já não estão publicando muitas coisas ou foram desativadas como Fora de quadro, Olhos Livres (01 e 02) e Filmes Polvo. Além disso o twitter hahah.