09/11/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #540 - Adriana Nienna


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa convidada de hoje é cinéfila, de São Paulo. Adriana Nienna tem 39 anos. É historiadora, pesquisadora de cinema e fotógrafa.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Minha sala de exibição favorita desde muito tempo é o Cinesesc, na Rua Augusta. Não somente pela programação - que sempre recebe as principais mostras e festivais da cidade, como também pela estrutura (é uma daquelas salas espaçosas, com tela bem grande e que ainda por cima tem um bar em seu interior, de onde é possível assistir o filme!). Outro ponto a favor é o preço do ingresso.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Quando revi na adolescência o primeiro filme que vi na vida num cinema - "Branca de Neve e Os Sete Anões" - e entendi que aquilo era muito mais que um filme de princesa.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

São 3 os principais: Ingmar Bergman, Andrei Tarkovski e Agnès Varda. Do Bergman, adoro "Persona" (1966), do Tarkovski elejo "O Espelho" (1975) e da Varda, "La Pointe Courte" (1955).

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Um filme que me impactou profundamente foi "Vidas Secas" (1963), de Nelson Pereira dos Santos. Quando assisti pela primeira vez, devia ter uns 16 anos e ainda não tinha lido o livro do Graciliano, não conhecia a história... Foi um choque! A fotografia era linda, mas o filme era difícil, tão árido quanto a história que contava. Essa aridez era percebida na ausência de diálogos, na expressão dos atores, no excesso de vazio na tela.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Acredito que a cinefilia seja uma dedicação que se assume quando se quer compreender o cinema para além do entretenimento. Não estou dizendo que filme precisa ser "cabeçudo" pra ser "bom" ou que um filme divertido, desses que se assiste pra dar umas risadas ou tomar uns sustos é, necessariamente, de qualidade inferior.

Quando assumimos esse compromisso - que estou chamando de cinefilia - passamos a ver um filme como uma obra multidimensional, com camadas a serem escavadas, analisadas. O filme deixa de ser algo "plano", cujo sentido se encerra na sua capacidade de entreter. Como cinéfila, estou empenhada em tentar entender as escolhas do cineasta em termos de direção, fotografia, trilha sonora, atuação... o filme é um universo a ser desbravado. E quanto mais universos são desbravados, lidos, analisados, revistos, debatidos com outros desbravadores-cinéfilos, mas aprendo sobre mim e sobre o mundo.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acho que existe de tudo. Existem espaços de exibição que entendem cinema exclusivamente como um produto e tentam maximizar seus ganhos através do filme. Normalmente esses espaços oferecem programação preguiçosa, pouco diversificada, com milhares de sessões de um mesmo filme da moda. E quando se sai desses lugares, pouca coisa se leva do que foi experienciado. É claro que esta não pode ser uma análise simplista, afinal, até mesmo naqueles espaços onde o cinema é entendido num outro contexto, como arte, ainda sim ele continua sendo um produto. Mas nesses espaços existe uma curadoria especializada que abre mão do lugar-comum e oferece uma programação mais diversificada (de temas, de olhares, de protagonismos) e mais estimulante em termos de reflexão. Nas grandes cidades, é possível encontrar estes - e muitos outros modos de exibição de um filme -, mas nas cidades pequenas onde o acesso ao cinema ainda é restrito, acredito que o primeiro tipo predomina.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não vão. Mas irão mudar, como mudam desde o seu surgimento, de acordo com a tecnologia e o suporte em vigor. Já tivemos salas de cinema mais luxuosas, mais modestas, mais modernas, mais intimistas, e isso é resultado, em parte, dos novos aparatos tecnológicos. Mesmo com o surgimento do aparelho de tv, do vhs/dvd, das videolocadoras, da internet, dos streamings e etc., as salas de cinema se mantêm e sua importância é ressignificada em relação a essas mesmas mudanças. A estrutura de uma sala de cinema, a tela grande, o tamanho e inclinação das poltronas, a organização das fileiras, o som, a escuridão, enfim, todos esses detalhes são pensados para melhor abarcar a experiência cinematográfica. Pode - e algumas vezes é - muito cômodo ver um filme no computador ou celular, mas a sala de cinema ainda é especial.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Isso Não É um Enterro, É uma Ressurreição, de Lemohang Jeremiah Mosese. Esse filme do Lesoto é de uma sensibilidade absurda. A história é daquelas que te faz torcer pela protagonista, as atuações são ótimas, a fotografia é espetacular.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Nesse momento, mais de 50% da população brasileira já recebeu as duas doses (ou dose única) da vacina contra a covid-19, mas, apesar disso, a pandemia não está completamente controlada. Cabe ao espaço exibidor garantir a manutenção dos protocolos básicos de segurança sanitária: exigir comprovante de vacinação na entrada, orientar o correto uso de máscara no interior do cinema, organizar a ocupação das poltronas privilegiando o distanciamento social, ofertar ingressos abaixo da capacidade máxima das salas para evitar aglomerações, etc. Quando um cinema assume essa responsabilidade, ele se compromete não apenas com a sociedade, ele declara sua preocupação com o bem-estar de seus frequentadores. E o cinéfilo gosta do cinema que demonstra gostar dele.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Pôxa, o cinema brasileiro das últimas décadas estava indo de vento em popa, né? Ainda estávamos longe do ideal (e de nossa capacidade criativa/criadora), mas ganhamos lugar de destaque no panorama internacional, com filmes exibidos nos principais festivais. Estávamos produzindo mais, melhor e mais pluralmente do que em qualquer outra época da nossa história e isso se deveu, em boa parte, às políticas de regulação do audiovisual e de fomento à produção. Mas daí é aquela tragédia que todos já conhecemos e que se abateu sobre nosso país a partir de 2019. A ascensão desse governinho fascistóide, inimigo da cultura e propositadamente bagunçado ameaça o desenvolvimento do setor, seja através da paralisação de financiamento, seja através dos desmontes das instituições, como os da Cinemateca Brasileira e da Ancine, por exemplo. É o famoso 7x1 de todo dia. Para o desespero dos apoiadores desse governinho, no entanto, isso tudo vai passar e vamos superar esse atraso. Voltaremos a produzir - ainda mais, ainda melhor, cada vez mais plural.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Eu gosto de tanta gente, mas só pra citar algumas: Sabrina Fidalgo, Anna Muylaert, Kleber Mendonça Filho, Maya Da-Rin, Patrícia Ferreira Pará Yxapy... Mas o que eu mais gosto é conhecer novos nomes, descobrir novas histórias e formas de fazer cinema.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema, como modo de entendimento do mundo e de si própria.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Já vi gente virar uma garrafinha de água na cabeça do coleguinha da poltrona da frente que não desligava o celular. A sessão estava lotada e teve que ser interrompida por causa do auê.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Vanguarda...rsrs

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Quanto mais uma pessoa entende sobre seu trabalho, melhor ela trabalha. Isso vale para tudo. No cinema, não poderia ser diferente. Um cineasta limitado aos aspectos técnicos entregará um trabalho medíocre, raso, sem paixão. É preciso ampliar o entendimento sobre o que é cinema para criar algo capaz de tocar as pessoas. Um cineasta dedicado à sua arte possui repertório não somente técnico, mas estético e intelectual e por isso é capaz de criar filmes

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

"Cinderela Baiana" :)

 

17) Qual seu documentário preferido?

"Cabra Marcado Pra Morrer", Eduardo Coutinho

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão? 

Com certeza sim e não me envergonho disso! rs O aplauso é uma reação positiva a algo que se gosta muito. A pessoa que sente-se tocada por um filme e reprime um aplauso por vergonha, essa pessoa já está morta e não sabe!

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

"Cinderela Baiana" :)

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

IMDB, Observatório do Cinema, Críticos, Revista Cinética, Cineset, Papo de Cinema...

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Mubi