O passo a passo que precede o esporro. Com uma construção lenta, proposital, que apresenta um local e todo seu alcance, palco esse de uma certeza para um conflito, o longa-metragem argentino As Feras (Las Fieras, no original), dirigido pelo cineasta Juan Agustín Flores, joga um curioso olhar para as dúvidas e incertezas de personagens. Essa imersão gradativa ao campo abstrato de sentimentos obsessivos, de forma contemplativa, requer a atenção do espectador que pode ser fisgado ou não pela obviedade do desfecho.
Na trama, ambientada na parte da Argentina na região da
Patagônia, conhecemos o casal Clara (Mariana
Anghileri) e Julián (Andrés
Ciavaglia), que resolvem fazer uma viagem até as terras do pai do primeiro
já que o mesmo está em estado terminal. A questão que se soma é a de que
algumas questões mal resolvidas pelo dono daquelas terras acabam explodindo em
Julián, o levando para um provável dilema e relações conturbadas, distantes e
inconsequentes com os funcionários do pai.
Em seus curtos 75 minutos de projeção, somos guiados por uma
narrativa que dá pistas dos próximos passos mas que demora a acontecer. Muito
bem filmado, encaixa-se no quadro e na composição das cenas, cores que levam o
público até um clima de drama que surfa num suspense. Mas acontece uma situação
inusitada, o trunfo e o calcanhar de aquiles são o mesmo elemento, o tempo de
absorção de uma situação em iminente conflito.
Aqui, a graça é entender e refletir sobre os meios que se
seguem até os conflitos. Longe de ser um filme descartável, o projeto encontra
um clímax quase constante através dos deslizes dos acoados, ampliando assim o
leque reflexivo através dos personagens, que mesmo não tendo um profundo
desenvolvimento, chegam até o ponto para entendermos razões e emoções que se
seguem.
Selecionado para a Mostra Competitiva Filmes Sul-Americanos
de Longa-Metragem do Bonito CineSur 2024, As
Feras mostra o passo a passo para um caminhar até o precipício e a amargura
de um labirinto social.