Onde está o passado que alguns não esquecem? A partir de um resgate sobre os tempos circenses da própria família, a cineasta Fernanda Faya, em seu primeiro longa-metragem da carreira, nos leva até décadas atrás, com o tempo sendo uma mola propulsora de uma narrativa, com o objetivo de documentar uma história muito próxima que se apresenta aos poucos através do que não tem mas existe. A partir de um vazio, de uma perda, chega-se em memórias recém descobertas através de personagens que sempre estiveram muito próximos dela.
Selecionado para a Mostra Competitiva Filme Sul-Americano de
Longa-Metragem do Bonito CineSur 2024, Neirud
começa pelas primeiras lembranças, até mesmo de uma personificação da
heroína e aqui chegamos num dos alicerces da história, uma misteriosa tia
chamada Neirud e seu passado escondido. Através de revelações nunca ditas, onde
muitas vezes parece se sentir nômade da própria história, a cineasta, numa
espécie de diário de descobertas, adiciona de forma inteligente outros protagonismos
dentro das narrativas familiares, principalmente quando encontra novas verdades
através dos diálogos com o pai. O desenrolar em cena, se junta a tudo que se
encontra de material, fotos, vídeos, cartazes e até mesmo reproduções de
lembranças quando criança. Nesse ponto, a narrativa se arrisca em transformar a
diretora narradora num protagonismo que desconversa com o discurso proposto no
arco introdutório.
Assim, com algumas mudanças de direção mas não um carro
desgovernado, o documentário embarca para uma forte contextualização que vai
encontrar muitas questões que se abrem em camadas, algumas de forma profundas,
outras ficam pela superfície mas que um olhar mais detalhista alcança mais
reflexões. Se cerca também de contextos de um Brasil em ebulição entre as
décadas de 60 e final dos 80 para imersar ao passado circense, onde chegamos na
luta livre feminina, aqui com relatos de perseguições e preconceitos, evento
esse que tinha sua tia Neirud como total protagonista. Dentro desse universo,
que vai aos poucos ganhando a atenção do público, chegamos em outro ponto
explorado, a descoberta de um amor.
Ganhador do prêmio de melhor roteiro no Festival Mix Brasil
e vencedor do prêmio de melhor filme no Festival Internacional de Curitiba
(Olhar de Cinema), uma das certezas que ficam sobre esse documentário
brasileiro é que ele abre um leque de possibilidades para entendimentos e
reflexões. Gera bons debates! Essa exposição de histórias de sua família aos
diversos ‘observar dos outros’, não deixa de ser um ato de coragem de uma
cineasta que em seu primeiro projeto opta por uma forma de dialogar através de
uma imaginário diário que vai preenchendo com as surpreendentes revelações que
encontra pelo caminho.