O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de São José dos
Campos (São Paulo). Ana Luísa Mariquito
tem 22 anos, é educadora audiovisual, editora de som e cineasta. É graduada em
Cinema e Audiovisual – Licenciatura, pela Universidade Federal Fluminense (UFF
- Niterói), e formada em Direção Cinematográfica pela Academia Internacional de
Cinema (AIC - RJ), aprofundando seu conhecimento técnico e prático em cursos
livres de roteiro e realização sonora. Atuante no mercado audiovisual desde
2017 em áreas de som e direção, procura basear seus projetos em torno do
encontro entre o Cinema e os Direitos Humanos, acreditando que a experiência
estética está acessível a todos que se dispõem a vivenciá-la.
1) Na sua cidade,
qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da
escolha.
Bem, a programação nos cinemas de São José dos Campos
acompanha uma seleção muito parecida. A diferença maior entre as salas de
cinema seria a maior disponibilidade de filmes legendados ou dublados e a
permanência de uma semana ou duas de filmes independentes. Mas em geral, os
filmes exibidos nas linhas de cinema são bloockbusters estadunidenses - com
exceção da temporada do Oscar. Pouco se vê de filme brasileiro aqui,
infelizmente.
Prefiro então falar sobre a minha sala de cinema preferida
de outra cidade em que morei enquanto cursava cinema. Para mim, o CineArte UFF de Niterói é uma das
melhores salas de cinema do Brasil, não só pela estrutura impecável, mas pela
variedade de filmes. Foi lá que expandi minha cultura cinéfila. Quando percebi,
o CineArte havia se tornado o espaço de encontro semanal com os filmes, me
apresentando a Asghar Farhadi, André
Novais e até proporcionando oportunidade de assistir uma animação alemã de
1926 ao som de uma orquestra de soundpainting. Tudo isso com um ingresso menos
de dez reais! Não há lugar como o CineArte UFF!
2) Qual o primeiro
filme que você lembra de ter visto e
pensado: cinema é um lugar diferente.
A memória é algo que nos engana, é um perigo intoxicante
acessá-la. Mas vamos lá.
O cinema era para mim um lugar de fuga, onde poderia me
refugiar do meu dia caótico por algumas horas. Acredito que isso mudou quando
assisti "Silêncio" (2016),
Martin Scorsese. O filme
simplesmente veio em direção a mim. A partir de então, tenho preferido por
filmes que me encontrem e conversem com o que vivo do que filmes que me tirem
da realidade.
Mas agora se formos pensar na experiência da sala de cinema,
devo contar de quando assisti "2001:
uma Odisséia no Espaço", Stanley
Kubrick, pela primeira vez. Em 2017, a rede Cinemark organizou uma sessão
de clássicos e 2001 estava na lista. Eu morava em Niterói e meu namorado em
SJC. Combinamos de assistir cada um em uma cidade e conversar sobre depois.
Nossa relação com o filme foi totalmente diferente, contudo estar ao mesmo
tempo em uma sala de cinema, assistindo ao mesmo filme, mesmo que a quilômetros
de distância, fez com que a gente se sentisse no mesmo lugar. Isso só o cinema
faz.
3) Qual seu diretor
favorito e seu filme favorito dele?
Provavelmente a diretora que mais me identifico é Lucrecia Martel. Eu simplesmente amo
re-assistir seus filmes e perceber as camadas ocultas de mim em exibições
anteriores. Seus filmes são feitos de lacunas e essa característica me agrada
muito. Lucrécia nos convida a uma brincadeira de supressão e aparecimento. É
uma coisa bela! "A Mulher Sem
Cabeça" (2008) é uma obra prima!
Nessa lista de favoritos ainda estão Naomi Kawase, com o curta "Katatsumori", e André
Novais, com o curta "Pouco Mais
de Um Mês" e "Fantasma".
4) Qual seu filme
nacional favorito e porquê?
"Arábia"
(2016) e "No Coração do Mundo"
(2019) dividem esse espaço para mim. "Arábia" me roubou o ar, e ainda
me rouba todas as vezes que me torno a ele. O filme todo foi um longo processo
de criação, principalmente no que se refere à narração - presente em todo o
filme e que ajuda a dar consistência ao protagonista. Estudei "No Coração
do Mundo" durante a escrita da minha monografia em Cinema e posso dizer
que ainda não encontrei nenhum filme brasileiro que trabalhe os territórios sonoros
de forma tão exemplar. Nesses dois casos, o som tem um papel narrativo único,
provavelmente por isso que me comova tanto.
5) O que é ser
cinéfilo para você?
Acredito que ser cinéfilo seja estar disponível a fazer
trocas com o filmes, a conversar com o que lhe é proposto em cena. Eu pouco sei
sobre os filmes antes de assisti-los. Fiz esse voto comigo mesmo de por vezes
nem assistir a trailers. Chego no filme disposta às surpresas que ele me trará.
Isso é, pra mim, o que mantém uma amizade duradoura com o cinema.
Cinefilia vai além do conhecimento fílmico, tem a ver com se
colocar num papel quase infantil de brincar o mesmo jogo de novo, de novo e de
novo, sempre como se fosse a primeira vez.
6) Você acredita que
a maior parte dos cinemas que você conhece
possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?
Infelizmente o setor de exibição não é o forte do Brasil.
Muita coisa tem mudado com os VOD, tenho percebido uma preferência das
distribuidoras pelos serviços on-demand justamente pela deficiência dos
exibidores em fazer filmes diferentes circularem.
[Prefiro manter meu comentário por aqui, ainda preciso
estudar melhor essa relação da distribuição/exibição.]
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Não enquanto houverem cine-clubes e oficinas de cinema. Por
mais que o VOD tenha crescido muito, as salas de cinema trazem algo muito
potente consigo: o "assistir-junto". Esse artifício extra-fílmico não
se trata só de um mero debate pós filme, mas de uma democratização do discurso
- todos assistiram a mesma coisa, todos podem falar sobre ela em pé de
igualdade. Essa experiência simultânea só as salas de cinema podem trazer. O
que é necessário é democratizar o acesso a elas e aos filmes em si.
8) Indique um filme
que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Novamente No Coração
do Mundo. Pouco ouvi sobre o filme nas mídias e nos cinemas, tanto que o
assisti graças ao makingoff.org, mas devo dizer que o que Gabriel e Maurílio Martins
fizeram naquele filme é sensacional. Se puder, assista hoje!
9) Você acha que as
salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Com certeza não! O tempo que estamos agora é de cuidado
consigo e com os outros.
10) Como você enxerga
a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Sou uma completa defensora do cinema brasileiro. Nossas
produções são de extrema criatividade e qualidade na execução e simplesmente
não entendo essa aversão aos filmes. Atualmente, acredito que o novo cinema
brasileiro virá de produções menores e fora dos eixos Rio-São Paulo. Os filmes
de André Novais, Gabriel Martins,
Nathalia Tereza, Marilia Rocha, Gabriel Mascaro, mostram que as narrativas
brasileiras podem mais. O "interior" está reinventando o Brasil.
11) Diga o artista
brasileiro que você não perde um filme.
Atualmente estou acompanhando o trabalho do diretor Marco Antônio Pereira, ele tem feito um
trabalho crescente em 4 curtas metragens autorais, com produção local e
altamente premiados. É uma grande promessa para o nosso cinema nacional! Dentre
seus filmes, fica a dica "Alma
Bandida" e "Quatro Bilhões
de Infinito".
12) Defina cinema com
uma frase:
Cinema é a forma mais privilegiada de se relacionar com o
mundo.
13) Conte uma
história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Acho que o de sempre: muitas discussões, roncos, imagens
dessincronizadas do som, filme começando pelo meio, filme parando no meio. Não
tem nada surpreendente não.
14) Defina 'Cinderela
Baiana' em poucas palavras...
Nunca assisti, acredita? Por favor, não revogue minha
carteirinha de cinéfila...
15) Muitos diretores
de cinema não são cinéfilos. Você acha
que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?
Pensando na cinefilia como essa relação de jogo com os
filmes, acredito que sim. Uma diretora precisa ser cinéfila, precisa se
entregar ao filme enquanto o traz para si. Pensando a cinefilia como mero gosto
e conhecimento, não.
16) Qual o pior filme
que você viu na vida?
Muitos, tenho essa tendência auto-destrutiva de assistir
comédias ruins da Netflix. Porém um
filme que me decepcionei muito é Clarisse
ou Alguma coisa sobre nós dois, uma pena.
17) Qual seu
documentário preferido?
Definitivamente não tenho um preferido, então segue cinco.
"Nunca É Noite
no Mapa" (2016); "Tierra Sola" (2017); "Katatsumori"
(1994); "Teodorico o Imperador do Sertão" (1978); " Kho ki pa
lu" (2017).
18) Você já bateu
palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim! O último que aplaudi no cinema foi "Bacarau". Mas devo dizer que
assisti "Cópia Fiel"
(2010) nos últimos meses e estou aplaudindo até agora. Santo Abbas!
19) Qual o melhor
filme com Nicolas Cage que você viu?
Não entendo essa obsessão pelo Nicolas Cage - se bem que gostaria muito de ter visto esse ícone
como Super-homem. Respondendo a pergunta, talvez "Kick-Ass", vai explicar...
20) Qual site de cinema
você mais lê pela internet?
Não consumo tanto sites de crítica, mas tenho o costume de
acessar mais o letterboxd. - segue lá https://letterboxd.com/AnaMariquito/
21) Qual streaming
disponível no Brasil você mais assiste filmes?
Amazon Prime está
nos meus preferidos, seguido de Telecine
Play e Netflix.