Um olhar para uma precursora. Passando rapidamente em contextos sociais do século XIX, a partir de uma forte protagonista rodeada de traumas e tragédias ao longo de sua vida, o longa-metragem selecionado para o Festival Varilux de Cinema Francês desse ano, Madame Durocher, nos apresenta de forma emocionante e reflexiva recortes na vida da primeira mulher a obter o título de parteira no Brasil. Mesmo vago em alguns pontos, não indo a fundo em questões que se propõe debate, essas visitações históricas são importantes para conhecemos sobre trajetórias que mudaram vidas, sobre lutas e exemplos que se tornaram atemporais.
Na trama, ambientada no Rio de Janeiro do século XIX,
conhecemos Marie Durocher (na primeira fase Jeanne Boudier, depois Sandra
Corveloni), uma mulher que ao longo do tempo precisou vencer obstáculos
para exercer sua profissão. Desde o início de sua trajetória sendo testemunha
de absurdos com a mãe Anne (Marie-Josée
Croze), quando se vê sozinha resolve ingressar na escola de medicina
tornando o partejar como ofício. Aprendendo a viver com o insuportável e se
blindando de um passado que a atinja, percorremos uma trajetória de dor e luta
no choque com o machismo e o preconceito.
Uma das funções das obras audiovisuais é trazer ao público
histórias importantes para considerações no traço entre o passado e o presente.
Nesse trabalho consistente dos ótimos cineastas Dida Andrade e Andradina
Azevedo, uma questão se mostra um sólido alicerce que logo se torna a ponta
de interseção nas camadas que atinge: o nascer e o renascer. Sempre na porta do
amor que irá chegar, Marie Durocher vive uma segunda vida sem saber lidar com o
passado que cisma em a perseguir. A narrativa se agarra nesses embates, transformando
o abstrato dos sentimentos em composições visuais que conversam com o discurso.
O auxílio nos cortiços, os problemas com o avanço da cólera,
da febre amarela, recebe olhares através das ações da personagem. Primeira
mulher a ser reconhecida como membro da Academia Nacional de Medicina, muitas
vezes impedida de exercer a profissão com acusações incabíveis, a protagonista
se mostra como uma precursora, um exemplo. Desconhecida por muitos, ganha um
olhar intimista.
O vasto contexto na trajetória pessoal da protagonista,
coloca o público de frente com o modo de pensar da sociedade através também de
dilemas que se jogam aos montes dentro dessa estrada de sofrimento e luta, algo
que faz crescer as reflexões sociais de uma época dominada pelo machismo e
preconceito. Esse recorte temporal não deixa de criar paralelos com os dias
atuais.