30/04/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #400 - Ana Luísa Mariquito


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nossa entrevistada de hoje é cinéfila, de São José dos Campos (São Paulo). Ana Luísa Mariquito tem 22 anos, é educadora audiovisual, editora de som e cineasta. É graduada em Cinema e Audiovisual – Licenciatura, pela Universidade Federal Fluminense (UFF - Niterói), e formada em Direção Cinematográfica pela Academia Internacional de Cinema (AIC - RJ), aprofundando seu conhecimento técnico e prático em cursos livres de roteiro e realização sonora. Atuante no mercado audiovisual desde 2017 em áreas de som e direção, procura basear seus projetos em torno do encontro entre o Cinema e os Direitos Humanos, acreditando que a experiência estética está acessível a todos que se dispõem a vivenciá-la.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Bem, a programação nos cinemas de São José dos Campos acompanha uma seleção muito parecida. A diferença maior entre as salas de cinema seria a maior disponibilidade de filmes legendados ou dublados e a permanência de uma semana ou duas de filmes independentes. Mas em geral, os filmes exibidos nas linhas de cinema são bloockbusters estadunidenses - com exceção da temporada do Oscar. Pouco se vê de filme brasileiro aqui, infelizmente.

 

Prefiro então falar sobre a minha sala de cinema preferida de outra cidade em que morei enquanto cursava cinema. Para mim, o CineArte UFF de Niterói é uma das melhores salas de cinema do Brasil, não só pela estrutura impecável, mas pela variedade de filmes. Foi lá que expandi minha cultura cinéfila. Quando percebi, o CineArte havia se tornado o espaço de encontro semanal com os filmes, me apresentando a Asghar Farhadi, André Novais e até proporcionando oportunidade de assistir uma animação alemã de 1926 ao som de uma orquestra de soundpainting. Tudo isso com um ingresso menos de dez reais! Não há lugar como o CineArte UFF!

 

2) Qual o primeiro filme que você  lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

A memória é algo que nos engana, é um perigo intoxicante acessá-la. Mas vamos lá.

 

O cinema era para mim um lugar de fuga, onde poderia me refugiar do meu dia caótico por algumas horas. Acredito que isso mudou quando assisti "Silêncio" (2016), Martin Scorsese. O filme simplesmente veio em direção a mim. A partir de então, tenho preferido por filmes que me encontrem e conversem com o que vivo do que filmes que me tirem da realidade.

 

Mas agora se formos pensar na experiência da sala de cinema, devo contar de quando assisti "2001: uma Odisséia no Espaço", Stanley Kubrick, pela primeira vez. Em 2017, a rede Cinemark organizou uma sessão de clássicos e 2001 estava na lista. Eu morava em Niterói e meu namorado em SJC. Combinamos de assistir cada um em uma cidade e conversar sobre depois. Nossa relação com o filme foi totalmente diferente, contudo estar ao mesmo tempo em uma sala de cinema, assistindo ao mesmo filme, mesmo que a quilômetros de distância, fez com que a gente se sentisse no mesmo lugar. Isso só o cinema faz.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Provavelmente a diretora que mais me identifico é Lucrecia Martel. Eu simplesmente amo re-assistir seus filmes e perceber as camadas ocultas de mim em exibições anteriores. Seus filmes são feitos de lacunas e essa característica me agrada muito. Lucrécia nos convida a uma brincadeira de supressão e aparecimento. É uma coisa bela! "A Mulher Sem Cabeça" (2008) é uma obra prima!

 

Nessa lista de favoritos ainda estão Naomi Kawase, com o curta "Katatsumori", e André Novais, com o curta "Pouco Mais de Um Mês" e "Fantasma".

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

"Arábia" (2016) e "No Coração do Mundo" (2019) dividem esse espaço para mim. "Arábia" me roubou o ar, e ainda me rouba todas as vezes que me torno a ele. O filme todo foi um longo processo de criação, principalmente no que se refere à narração - presente em todo o filme e que ajuda a dar consistência ao protagonista. Estudei "No Coração do Mundo" durante a escrita da minha monografia em Cinema e posso dizer que ainda não encontrei nenhum filme brasileiro que trabalhe os territórios sonoros de forma tão exemplar. Nesses dois casos, o som tem um papel narrativo único, provavelmente por isso que me comova tanto.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Acredito que ser cinéfilo seja estar disponível a fazer trocas com o filmes, a conversar com o que lhe é proposto em cena. Eu pouco sei sobre os filmes antes de assisti-los. Fiz esse voto comigo mesmo de por vezes nem assistir a trailers. Chego no filme disposta às surpresas que ele me trará. Isso é, pra mim, o que mantém uma amizade duradoura com o cinema.

 

Cinefilia vai além do conhecimento fílmico, tem a ver com se colocar num papel quase infantil de brincar o mesmo jogo de novo, de novo e de novo, sempre como se fosse a primeira vez.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece  possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Infelizmente o setor de exibição não é o forte do Brasil. Muita coisa tem mudado com os VOD, tenho percebido uma preferência das distribuidoras pelos serviços on-demand justamente pela deficiência dos exibidores em fazer filmes diferentes circularem.

[Prefiro manter meu comentário por aqui, ainda preciso estudar melhor essa relação da distribuição/exibição.]

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Não enquanto houverem cine-clubes e oficinas de cinema. Por mais que o VOD tenha crescido muito, as salas de cinema trazem algo muito potente consigo: o "assistir-junto". Esse artifício extra-fílmico não se trata só de um mero debate pós filme, mas de uma democratização do discurso - todos assistiram a mesma coisa, todos podem falar sobre ela em pé de igualdade. Essa experiência simultânea só as salas de cinema podem trazer. O que é necessário é democratizar o acesso a elas e aos filmes em si.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Novamente No Coração do Mundo. Pouco ouvi sobre o filme nas mídias e nos cinemas, tanto que o assisti graças ao makingoff.org, mas devo dizer que o que Gabriel e Maurílio Martins fizeram naquele filme é sensacional. Se puder, assista hoje!

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Com certeza não! O tempo que estamos agora é de cuidado consigo e com os outros.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Sou uma completa defensora do cinema brasileiro. Nossas produções são de extrema criatividade e qualidade na execução e simplesmente não entendo essa aversão aos filmes. Atualmente, acredito que o novo cinema brasileiro virá de produções menores e fora dos eixos Rio-São Paulo. Os filmes de André Novais, Gabriel Martins, Nathalia Tereza, Marilia Rocha, Gabriel Mascaro, mostram que as narrativas brasileiras podem mais. O "interior" está reinventando o Brasil.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Atualmente estou acompanhando o trabalho do diretor Marco Antônio Pereira, ele tem feito um trabalho crescente em 4 curtas metragens autorais, com produção local e altamente premiados. É uma grande promessa para o nosso cinema nacional! Dentre seus filmes, fica a dica "Alma Bandida" e "Quatro Bilhões de Infinito".

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é a forma mais privilegiada de se relacionar com o mundo.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Acho que o de sempre: muitas discussões, roncos, imagens dessincronizadas do som, filme começando pelo meio, filme parando no meio. Não tem nada surpreendente não.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

Nunca assisti, acredita? Por favor, não revogue minha carteirinha de cinéfila...

 

15) Muitos diretores de cinema  não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Pensando na cinefilia como essa relação de jogo com os filmes, acredito que sim. Uma diretora precisa ser cinéfila, precisa se entregar ao filme enquanto o traz para si. Pensando a cinefilia como mero gosto e conhecimento, não.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Muitos, tenho essa tendência auto-destrutiva de assistir comédias ruins da Netflix. Porém um filme que me decepcionei muito é Clarisse ou Alguma coisa sobre nós dois, uma pena.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Definitivamente não tenho um preferido, então segue cinco.

 

"Nunca É Noite no Mapa" (2016); "Tierra Sola" (2017); "Katatsumori" (1994); "Teodorico o Imperador do Sertão" (1978); " Kho ki pa lu" (2017).

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Sim! O último que aplaudi no cinema foi "Bacarau". Mas devo dizer que assisti "Cópia Fiel" (2010) nos últimos meses e estou aplaudindo até agora. Santo Abbas!

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Não entendo essa obsessão pelo Nicolas Cage - se bem que gostaria muito de ter visto esse ícone como Super-homem. Respondendo a pergunta, talvez "Kick-Ass", vai explicar...

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Não consumo tanto sites de crítica, mas tenho o costume de acessar mais o letterboxd. - segue lá https://letterboxd.com/AnaMariquito/

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Amazon Prime está nos meus preferidos, seguido de Telecine Play e Netflix.